Proibição de canudos plásticos inspira soluções sustentáveis

Canudos de bambu

Mercado já oferece alternativas ambientalmente mais corretas de inox, bambu, vidro, papel e até inhame

Por Vanessa Fajardo | ODS 14 • Publicada em 5 de junho de 2019 - 17:06 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 23:28

Canudos de bambu
Os canudos de bambu são feitos artesanalmente e têm um custo mais elevado. Foto Divulgação
Os canudos de bambu são feitos artesanalmente e têm um custo mais elevado. Foto Divulgação

Um documentário que aborda o impacto do consumo da carne bovina no meio ambiente fez Aline Ramos Rosa Farias, de 35 anos, rever a profissão, na época, de representante comercial de um frigorífico, em Niterói, no Rio de Janeiro, e criar um negócio de produtos ecologicamente corretos.

“Sempre separei o lixo reciclável, reutilizava a água da máquina de lavar, entre outras coisas, mas não tinha noção sobre os impactos da indústria frigorífica. Depois que vi ‘A Carne é Fraca’, não consegui mais vender carne, e mais que isso, queria fazer algo em prol da preservação do meio ambiente”, conta Aline.

Fomos testando a melhor forma de fazê-lo, de modo que o bambu não perdesse as propriedades naturais, já que ele possui um bactericida natural das fibras e dependendo do processo de aquecimento a que é submetido, isso pode ser perder

Assim nasceu, em 2015, o “É Coisa Bio”, uma plataforma na internet que disponibiliza à venda para todo o Brasil de cerca de 200 produtos de higiene pessoal, limpeza e cosméticos biodegradáveis e veganos. Com o intuito de expandir as opções de produtos à venda, o marido de Aline, o artesão Daniel Drummond Pimenta Motta, de 40 anos, criou um canudo feito de bambu. Na época, os canudinhos de plásticos ainda não estavam proibidos no Rio de Janeiro. Primeiro ele fez um protótipo testado com a família em casa, até ser aperfeiçoado.

“Fomos testando a melhor forma de fazê-lo, de modo que o bambu não perdesse as propriedades naturais, já que ele possui um bactericida natural das fibras e dependendo do processo de aquecimento a que é submetido, isso pode ser perder”, lembra Aline.

O produto ganhou forte apelo comercial depois que, para surpresa do casal, o Rio de Janeiro sancionou a lei que proibia a utilização de canudos de plástico em quiosques, bares e restaurantes. Hoje, o fornecimento dos canudos de plástico está proibido por lei em pelo menos 20 cidades brasileiras. São Paulo segue neste caminho, aprovou a lei em primeira votação, e estipulou multa de até R$ 1 mil, se houver descumprimento depois de uma primeira advertência. Mas para entrar em vigor ainda precisa ser sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB).

Apesar de ainda não haver nenhuma regulamentação em âmbito nacional, o fato é que a mudança, introduzida ou não pela legislação, inspirou empreendedores de todo Brasil a desenvolverem produtos sustentáveis. Hoje em dia já é possível encontrar canudos de inox, de vidro, de papel, silicone, bambu e até de itens comestíveis como inhame.

Canudo comestível feito de inhame ainda em fase de testes. Foto Divulgação
Canudo comestível feito de inhame ainda em fase de testes. Foto Divulgação

Canudo de bambu é feito artesanalmente

No Rio de Janeiro, a lei que baniu os canudinhos alavancou o “É Coisa Bio”, negócio de Aline Farias e Daniel Motta. Hoje os canudos de bambu estão entre os itens mais vendidos do site. São cerca de 500 unidades por mês. Eles são feitos em um processo individual e completamente artesanal, incluindo o acabamento, que dura cerca de 20 minutos. O tempo despendido na produção e o custo, já que o produto é artesanal, é para Aline, a única desvantagem do canudo, pois impede que um estabelecimento comercial, por exemplo, ofereça o item de graça aos seus clientes.

Aline ainda não consegue precisar a durabilidade dos canudos, mas garante que os feitos para teste há um ano ainda estão intactos. “O bambu é muito duradouro tanto que é usado para fazer construções em várias partes do mundo. Dizem até que é o material do futuro porque além de tudo é sustentável, quando é cortado, nasce de novo em um tempo relativamente curto”.

O item também pode ser facilmente higienizado com escovas próprias. Na loja virtual, eles são vendidos em kits que incluem um canudo, uma escova e uma embalagem de algodão a partir de R$ 20. Também há opções com seis unidades a R$ 60.

A empreendedora comemora a expansão das leis proibindo os canudos de plástico entre as cidades brasileiras, e torce para que haja, em breve, uma regulamentação nacional. “A pessoa deveria sentir vergonha de pedir um canudo plástico. Mas o que vejo, infelizmente é que muitos estabelecimentos começaram a oferecer copos descartáveis, o que não resolve o problema do consumo do plástico. Nada melhor do que ter seu canudo pessoal reutilizável.”

Canudos de vidro produzidos em diversas cores. Foto divulgação
Canudos de vidro produzidos em diversas cores. Foto divulgação

Fotógrafo vende canudo de inox

Em São Paulo, o fotógrafo Leonardo Martins, de 29 anos, e a jornalista Rebecca Silva, 25, criaram a “Nudos” em julho do ano passado. A empresa trabalha com 12 canudos de dois tamanhos e cores diferentes feitos de inox importado. Eles só vendem o kit que inclui um canudo e uma escova para limpeza embalados em um “sleeve”, espécie de saquinho de algodão cru costurado a mão.

A ideia de abrir a empresa surgiu de uma própria necessidade do casal que queria reduzir o uso do plástico no dia a dia. “Fizemos um teste de pegar todos os canudos que nos ofereciam durante um mês. Guardamos e juntamos tudo depois, era um número de enlouquecer, não cabia em uma gaveta. Víamos que aquilo tudo era desnecessário.”

Mesmo nas cidades onde o uso dos canudos nos comércios ainda não foi proibido por lei, Martins acredita que utilizá-los virou uma questão moral. “Está pegando muito mal usar canudo e vários estabelecimentos já evitam, mesmo sem a lei em vigor”.

Segundo a ONG Ocean Conservancy, o plástico foi o 7º item mais coletado nos oceanos em todo o mundo. As estimativas apontam que os canudos respondem por 4% de todo o lixo plástico encontrado. Cada canudinho é utilizado, em média, por apenas cinco minutos, e como são produzidos por materiais que não são biodegradáveis demoram mais de 200 anos para se decompor.

Na “Nudos” há uma preocupação em reduzir o uso de plástico e derivados de petróleo em todo o processo, passando pelo produto, embalagem até o pacote para envio pelos Correios. “Nossas embalagens para postagem não utilizam fitas de plástico para selagem, e sim largos esparadrapos. A ideia de que, para adquirir um produto sustentável o cliente precise produzir tanto lixo de plástico, tanta emissão de CO2 está na contramão de tudo que acreditamos”, diz Martins.

Entretanto, segundo ele, o uso do inox pode ser um problema para pessoas que têm dificuldade motora ou possuem algum tipo de deficiência. “Neste caso o ideal é o canudo de silicone que é inteligente, mas não é completamente reutilizável, uma hora precisa descartar. Um único produto não atende 100% das pessoas.”

Por outro lado, ele reforça que seus produtos têm mais vantagens em relação aos canudos de vidro que podem ser arriscados, pois quebram, e aos de papel, que não podem ser utilizados, por exemplo, com bebidas quentes.

Estudante desenvolve canudo de inhame

Há ainda quem desenvolva canudos comestíveis. A startup espanhola “Sorbos” criou canudinhos biodegradáveis que podem ser consumidos após o uso. Eles são feitos à base de água, açúcar, gelatina e amido, têm baixa caloria e há opções em diversos sabores.

No Brasil, uma das iniciativas que deve chegar ao mercado é da estudante Maria Pennachin, de 17 anos, moradora de Campinas, no Interior de São Paulo. Inspirada na imagem de uma tartaruga com um canudo de plástico enroscado no nariz que viralizou na internet, ela desenvolveu o “biocanudo”, um canudo feito de inhame, comestível, para um projeto de iniciação científica da escola da rede estadual onde estuda.

“Eu já o utilizava o inhame na cozinha de casa e sempre me chamou atenção por soltar uma ‘baba’ peculiar e muito particular dele. Me chamou atenção também o fato de não haver plásticos feitos de inhame, logo o introduzi nos testes, e com resultados satisfatórios, dei continuidade ao uso”, conta a estudante.

Atualmente o produto está em fase de aperfeiçoamento, com testes feitos no laboratório da escola de Maria, o Culto à Ciência, em Campinas, e no Instituto de Química da Unicamp, onde ela também faz parte das pesquisas bibliográficas. Uma das desvantagens do inhame, segundo Maria, é que ele não tem a mesma impermeabilidade do plástico.

Por outro lado, entre os benefícios, estão o fato de a matéria-prima permitir variação de sabor e aroma do canudo, de acordo com a preferência do consumidor, com um detalhe: sem alterar o sabor da bebida. “O sabor do canudo só aparece no momento em que é ingerido. Porém, ele ainda está em fase de aperfeiçoamento, questões relacionadas às propriedades dele e testes para maior durabilidade ainda estão sendo realizados”.

O biocanudo levou Maria a conquistar o primeiro lugar na categoria meio ambiente na Feira Nordestina de Ciência e Tecnologia. A colocação a credenciou a participar da Expo Science International (ESI) que acontece no mês de setembro em Abu Dhabi.

“Eu não costumo dizer que o projeto está pronto, talvez nem diga isso quando ele estiver no mercado, porque as coisas não param de acontecer e ele não para de se aperfeiçoar e de ser redescoberto”.

Vanessa Fajardo

Jornalista, trabalha com temas principalmente ligados à educação. Já passou pelas redações do G1 e dos jornais Agora São Paulo e Diário do Grande ABC. Atua como colaboradora de BBC Brasil, Folha de S.Paulo, Porvir, Universa e Revista GOL.

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