O mundo tem um encontro marcado em Cali, na Colômbia, a partir desta segunda-feira (21), com os desafios de rever a lição de casa e traçar novos rumos para o alcance de 23 metas assumidas no âmbito do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), pacto firmado em 2022, em Montreal (Canadá), por 196 países, dentre os quais o Brasil, além do bloco da União Europeia. A realização da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16, até 1 de novembro, será a primeira oportunidade de avaliação sobre como esses signatários avançaram, ou não, em relação a esse acordo que tem vigência até 2030.
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Quem chegará a Cali tendo entregue a sua Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB)? São poucos os países que alcançaram essa que representava uma das primeiras missões a serem cumpridas até a COP-16. Segundo levantamento do WWF, somente 10% dos países (nas Américas, apenas Canadá, Cuba e Suriname) conseguiram até agora. Lideranças da organização ambientalista consideram que, na maioria dos casos, faltam recursos para atender a essa demanda.
A EPANB tem um peso para a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) como o da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) para a Convenção do Clima. Ou seja, são metas concretas assumidas nacionalmente. O Brasil não conseguiu entregar a tempo esse conjunto de diretrizes que indica as prioridades nacionais vinculadas às metas do GBF. Mas vai apresentar um portfólio de aproximadamente 250 iniciativas – decretos, portarias, resoluções, novos planos de manejo, leis aprovadas, acordos de cooperação – alinhadas a esse pacto, denominado de “Contribuições e avanços do MMA para o cumprimento das Metas de Kunming-Montreal”.
O balanço brasileiro para a COP16
Com recorte temporal de janeiro de 2023 até outubro de 2024, o documento informa que existem “119 Resultados, Produtos ou Ações, e 112 Normativas ou Instrumentos Regulatórios gerados no total de 11 unidades, entre as Secretarias do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e seus órgãos vinculados”. Ainda de acordo com a publicação oficial, “as Metas 3 e 4 (focadas na extinção zero, restauração e nas áreas protegidas e conservadas), respectivamente e as Metas 5 e 21 (focadas no uso sustentável da biodiversidade e no acesso a dados), respectivamente, foram aquelas mais comumente associadas com os diferentes tipos de entregas promovidas”.
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Veja o que já enviamosEm relação à ampliação de áreas protegidas, são mencionadas unidades de conservação criadas nas regiões Norte e Nordeste como o Parque Nacional da Serra do Teixeira, na Paraíba; a Floresta Nacional do Parima, em Roraima; além das Reservas Extrativistas (Resex) Viriandeua e Filhos do Mangue, ambas no Pará; do Monumento Natural Cavernas de São Desidério, na Bahia; e do Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira, no Amazonas.
No prefácio do documento, a ministra Marina Silva afirma: “O Brasil quer liderar pelo exemplo, para isso tem assumido compromissos importantes para a agenda da biodiversidade, como o desmatamento zero até 2030, a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa e o avanço nas políticas de repartição de benefícios para nossas populações tradicionais, nossos principais aliados na missão de proteger florestas, cerrados, caatingas, pantanais e maretórios”.
A ministra também menciona a redução do desmatamento na Amazônia em mais de 50%, desde 2023, “evitando o lançamento de 250 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera”. Segundo argumenta, “com tais resultados, estamos promovendo a conservação e a restauração de nossas terras, águas e ecossistemas, criando oportunidades para um novo ciclo de prosperidade econômica que alie o combate às desigualdades sociais à necessária sustentabilidade ambiental e justiça climática”.
A titular da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, Rita Mesquita, destaca na publicação que, por meio do MMA, o governo brasileiro “vem conduzindo um processo de participação, escutas, negociações e estabelecimento de compromissos com ações para dar maior concretude aos compromissos assumidos no Marco da Biodiversidade”. Segundo ressalta, esse trabalho se traduzirá na atualização da EPANB brasileira. A última versão entregue à CDB é de 2017.
No ano passado, foi realizada uma chamada pública pelo governo federal para levantar sugestões da sociedade civil e mais de 400 contribuições foram recebidas. O MMA tem justificado que não houve tempo hábil para sistematizar as sugestões e realizar inúmeros eventos de diálogos e balizamentos sobre prioridades para a agenda da biodiversidade com representações envolvidas com essa temática na academia, nos movimentos sociais, na gestão pública, no terceiro setor e outros segmentos sociais que vêm sendo ouvidos nesse processo de atualização.
Na quinta-feira (17), o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty e a secretária Rita Mesquita apresentaram à imprensa informações sobre a participação do Brasil na COP16. A secretária destacou na sua argumentação que o Brasil “deve entrar de cabeça erguida na COP16” já que o que tem promovido internamente “não é trivial”. E mencionou como exemplo que o país acaba de aprovar o Plano Nacional de Vegetação Nativa, o Planaveg, para todos os biomas, tema que terá grande destaque na participação brasileira na Conferência de Cali.
A secretária também ressaltou que naquela data estava sendo reinstalada a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) que havia sido desarticulada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, tendo entre outros prejuízos, perdido assentos de representações da sociedade civil. Essa foi uma questão alvo do processo de desmonte de políticas públicas socioambientais do seu governo. Esse colegiado é responsável pela deliberação dos compromissos brasileiros com a agenda da biodiversidade perante à CDB, tendo sido atualizado em 10 de maio por meio do Decreto 12.017. Sua nova composição consta em portaria divulgada em setembro.
O Espaço Brasil em Cali
Durante a COP16, que deverá reunir de 15 mil a 30 mil pessoas em Cali, o Espaço Brasil terá uma programação intensa composta de eventos liderados por organizações ambientalistas, instituições de pesquisa, órgãos governamentais, iniciativa privada e outros segmentos. O presidente Luis Inácio Lula da Silva é um dos 12 chefes de Estado aguardados na Conferência que será presidida pela Colômbia sob o slogan “Paz com a natureza”. Um dos pontos altos da agenda brasileira será o lançamento oficial do “Planaveg 2025-2028: Interligação entre Políticas Nacionais e Metas Internacionais para a Restauração”, no dia 28.
“A restauração de ecossistemas desempenha um papel crucial na reversão da perda de biodiversidade, na melhoria dos serviços ecossistêmicos, no apoio a meios de subsistência sustentáveis e na contribuição para a mitigação das mudanças climáticas”, afirmou o WWF-Brasil em posicionamento para a imprensa. Por essa perspectiva, a organização ambientalista “incentiva que a restauração seja promovida como agenda prioritária para implementação do GBF para além da Meta 2 (Restaurar 30% de todos os ecossistemas degradados), sendo promovida como uma agenda integradora de compromissos globais de biodiversidade, clima e desertificação”.
Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, observa que a COP16 “é a primeira conferência na qual os negociadores não estarão mais negociando um acordo, mas sim tratando de sua implementação”. O ambientalista ressalta que não existe implementação sem os recursos necessários – financeiros, técnicos e humanos. “Essa questão, portanto, é prioritária e fundamental para o avanço das ações necessárias nos próximos cinco anos, que são cruciais para revertermos a queda generalizada de biodiversidade no planeta”, analisa.
“Outro ponto importante na COP16 é que não há como falar de biodiversidade sem o fortalecimento e o reconhecimento da importância dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade”, acrescenta Voivodic. Diante desse reconhecimento, ele afirma ser “essencial que os Estados busquem mecanismos que facilitem o acesso dessas populações a recursos financeiros e técnicos para projetos e iniciativas locais que promovam a conservação e a gestão sustentável da biodiversidade”.
Financiamento para ampliar áreas protegidas e restaurar ecossistemas: grandes dilemas
Um dos temas sob os holofotes na COP16 envolve quem paga a conta da proteção da biodiversidade, destinando para esse objetivo, pelo menos, 200 bilhões de dólares até 2030, dos quais, 20 bilhões anuais, até 2025; e 30 bilhões, por ano, até 2030, para que os países em desenvolvimento atinjam suas metas. Instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais devem contribuir com esses esforços para manter o Fundo do Marco Global da Biodiversidade, gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês). Na COP16, o mundo quer saber quanto realmente os países como o Brasil, dentre outros grandes detentores de biodiversidade, estão conseguindo mobilizar para a garantia de futuro desse patrimônio.
Os recursos financeiros previstos serão cruciais garantir que, até 2030, pelo menos 30% dos ecossistemas marinhos e terrestres globais sejam resguardados por áreas protegidas, desafios relacionados à Meta 3, batizada de 30×30. O financiamento também deverá ser destinado ao cumprimento da Meta 2, de restauração de pelo menos 30% de áreas degradadas no planeta, dentre outras envolvidas nessa complexa agenda.
Diante de inúmeras controvérsias sobre a exploração petrolífera e seus impactos na crise de perda de biodiversidade global, tanto como na emergência climática, os países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), à qual se vincula o GBF, também vão discutir sobre os avanços da Meta 18, de eliminação gradual dos chamados subsídios perversos para atividades que colocam em risco a vida marinha e terrestre, como as ligadas às empresas petrolíferas, à pesca industrial e a outros ramos de negócios de altos impactos ambientais. Esse compromisso envolve a redução de até 500 bilhões de dólares anuais, o que representa um desafio tanto para os países desenvolvidos como para nações em desenvolvimento como o Brasil, onde vem sendo difundida uma intenção declarada pelo governo de explorar petróleo até a última gota.
Uma polêmica nesse sentido se refere ao interesse no potencial petrolífero da Margem Equatorial (vai do Amapá ao litoral do Rio Grande do Norte), onde uma espécie de “novo pré-sal” sinaliza para grande perspectiva de produção, embora exista grande vulnerabilidade socioambiental. Tudo isso representa uma contradição para o Brasil como país que vem buscando recuperar seu protagonismo ambiental em fóruns internacionais, inclusive sendo anfitrião da COP30, em Belém, em 2025.
O cenário torna-se ainda mais crítico diante do agravamento da crise climática e suas consequências já perceptíveis em território nacional, onde um panorama de seca extrema no Pantanal e na Amazônia, além de enchentes históricas no Rio Grande do Sul, são algumas ilustrações dessa realidade que exige, entre outras medidas, a substituição gradativa do uso de combustíveis fósseis por fontes energéticas renováveis.
Expectativa alta e desafios em jogo
Virginia Antonioli, gerente sênior de Sistemas Alimentares Sustentáveis da WRI Brasil confirma que “a expectativa para a COP16 é alta”, considerando esse momento decisivo para avançar na implementação do GBF e suas 23 metas. “Espera-se que os países apresentem suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANBs), que devem traduzir essas metas globais em ações concretas, adaptadas ao contexto de cada país. No entanto, até agora, um terço dos signatários atualizaram suas EPANBs, o que gera incertezas sobre o comprometimento global com a implementação”, observa.
Segundo analisa, “o Brasil estará sob os holofotes, tanto por ser anfitrião da COP30, em Belém, em 2025, quanto por suas expectativas em relação à atualização da sua EPANB”. Para a executiva, “espera-se que o Brasil apresente uma estratégia ambiciosa, com foco no combate ao desmatamento e na restauração florestal, além de mecanismos para uma transição justa”. Ela ressalta ainda que a EPANB brasileira deverá estar ancorada em políticas públicas em níveis nacional e subnacional e adianta que “há grande expectativa pelo lançamento do Planaveg 2.0, que será fundamental para alavancar a restauração da vegetação nativa [no país]”.
Antonioli observa que “um dos principais desafios é garantir que essas estratégias não só contemplem metas ambiciosas, mas que estejam integradas a políticas e programas que assegurem a implementação prática”. “Isso inclui a previsão de recursos financeiros adequados para frear a perda de biodiversidade, promover a restauração e garantir uma transição justa, com foco nos povos indígenas, comunidades locais e outros detentores de direitos”. Diante dessas demandas, “o financiamento será um tema central da COP16, com a expectativa de que os países ricos cumpram o compromisso de fornecer US$ 20 bilhões aos países em desenvolvimento até 2025”. “Além disso, é necessário atrair investimentos privados e redistribuir subsídios prejudiciais”.
A executiva esclarece que um ponto crucial para a COP16, tanto na implementação das EPANBs como no acompanhamento das metas do GBF, “é a operacionalização de um sistema robusto de monitoramento”. Ela ressalta que o GBF é acompanhado por um conjunto detalhado de indicadores, que permitirá monitorar o progresso em níveis nacional, regional e global. Para isso, “espera-se que os países implementem mecanismos eficazes de coleta e visibilidade de dados”, opina.
“Outro ponto crucial é a repartição justa dos benefícios associados à biodiversidade, particularmente os conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades locais, como quilombolas e camponeses. A valorização desses conhecimentos e sua participação ativa nas negociações e na implementação de estratégias é fundamental para assegurar um desenvolvimento sustentável e equitativo”, conclui.
Trabalho de informação com muita pesquisa de dados. Beth Oliveira é jornalista inspiração, exemplo e compromisso especializado.
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