Desmatamento tem queda, mas viés de alta

Área de alertas na Amazônia em 2024 é a menor da série iniciada em 2016, mas recorde no Cerrado sugere “vazamento” da devastação

Por Observatório do Clima | ODS 13ODS 15 • Publicada em 7 de agosto de 2024 - 17:39 • Atualizada em 29 de agosto de 2024 - 09:53

Floresta derrubada na Amazônia: área de alertas de desmatamento em 2024 na Amazônia Legal foi a menor já medida pelo sistema Deter-B, do Inpe (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace – 01/08/2024)

A área de alertas de desmatamento em 2024 na Amazônia Legal foi a menor já medida pelo sistema Deter-B, do Inpe: 4.315 km2, uma queda de 46% em relação ao ano passado. O número é medido nos 12 meses de agosto do ano passado a julho deste ano. E é um forte indicativo de que a taxa oficial de desmate, a ser anunciada em novembro, verá a segunda queda consecutiva no governo Lula 3.

Caso uma queda da mesma magnitude se confirme no dado final, informado pelo sistema Prodes, o Brasil estará muito perto de cumprir sua meta para 2025 no Acordo de Paris – um bom sinal de liderança pelo exemplo para um país que sediará no ano que vem a conferência da ONU que marca os dez anos do tratado do clima. Mas convém não beber muito champanhe na comemoração, por quatro motivos.

Leu essa? Cerrado: 81% do desmatamento concentrado em cinco bacias hidrográficas

Primeiro, porque o Cerrado, bioma mais rapidamente devastado do Brasil, sofre realidade inversa à da Amazônia: ali os alertas de desmatamento foram os maiores da série iniciada em 2018, com 7.015 km2, uma alta de 9% em relação ao ano passado – que já era o recorde das medições do Deter-B. Esse quadro sugere que a destruição para a produção de carne e soja pode estar “vazando” da floresta para a savana, onde há menos controle do governo federal porque as terras são quase todas privadas, o limite legal de desmatamento é maior e as licenças para corte de vegetação são dadas a rodo pelos estados.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Segundo, porque a redução na Amazônia é obra não de uma ação transversal do governo Lula, como prometido, mas do voluntarismo quase solitário de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal. Parte do Executivo, o Congresso e agora até mesmo o Judiciário jogam contra o PPCDAm, o plano de controle do desmatamento instituído por Marina Silva e, em tese, chefiado por Ruy Costa, da Casa Civil.

Costa e toda a articulação política do governo seguem rifando a agenda ambiental no Congresso, onde a bancada ruralista tenta passar pelo menos 25 projetos de lei e três emendas constitucionais do Pacote da Destruição. Se aprovados, esses projetos tornarão impossível o controle do desmatamento, relegando as quedas de 2023 e 2024 a um voo de galinha e comprometendo a liderança climática de Lula às portas da COP30. A omissão dos negociadores do governo fortalece ainda mais o agro, setor que tentou impedir a eleição de Lula e que ora se cacifa para eleger mais um representante da extrema-direita em 2026.

Auxiliares e aliados do presidente também parecem dispostos a sabotar permanentemente o controle do desmate ao forçarem a pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho) sem condicionantes ambientais críveis e com base em uma licença prévia dada pelo governo Bolsonaro (e suspensa pela Justiça no mês passado). A BR-319 corta a região mais preservada da floresta e seu asfaltamento tem potencial de causar a emissão de 8 bilhões de toneladas de CO2 por desmatamento nas próximas décadas, quatro vezes mais do que o Brasil inteiro emite por ano.

“Muita gente em Brasília está olhando o dado do Inpe com a motosserra na mão”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Além da bancada ruralista, alguns ministros de Lula vêm se empenhando para arrasar o maior patrimônio dos brasileiros, aumentar o risco climático para toda a humanidade e de quebra queimar o filme do chefe com a comunidade internacional, que espera liderança do anfitrião da COP30. A essa turma se juntou parte do STF, propondo rasgar os direitos dos povos indígenas assegurados pela Constituição em nome de uma ‘conciliação’ com quem quer saquear suas terras.”

Sem resolver a greve do Ibama, que tem limitado sua atuação em campo desde o começo do ano, o governo também encara um viés de alta no desmatamento que pode se reverter em problemas no restante da estação seca deste ano: no mês de julho houve um crescimento de 33% (de 500 km2 para 666 km2) nos alertas de corte de floresta, o que pode ser consequência da retirada da fiscalização.

Por fim, a crise do clima tende a prejudicar os bons resultados no combate ao desmatamento. O número de queimadas na Amazônia até o dia 6 de agosto já era quase duas vezes maior que no mesmo período do ano passado. Após a pior estiagem da história da região em 2023, turbinada por um El Niño, os rios voltam a secar e florestas em pé voltam a pegar fogo mesmo na ausência do fenômeno natural.

Portanto, é dia de celebrar um resultado, mas com moderação: a ressaca pode ser pesada.

Fumaça de queimadas entre Amazonas e Rondônia: incêndios e seca extrema na Amazônia preocupam ambientalistas (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace - 01/08/2024)
Fumaça de queimadas entre Amazonas e Rondônia: incêndios e seca extrema na Amazônia preocupam ambientalistas (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace – 01/08/2024)

Greenpeace entre preocupação e comemoração moderada

A coordenadora de Florestas do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti, analisa que o período é de extrema atenção, uma vez que a Amazônia já registra recorde de queimadas e deverá passar por uma seca sem precedentes. “Apesar da boa notícia para o período, vemos que o desmatamento na Amazônia voltou a aumentar em julho, os primeiros meses de 2024 bateram um recorde de fogo no bioma. A situação dos próximos meses não traz otimismo, já que a Amazônia está em seu período de estiagem e deve passar por mais um episódio de seca extrema, a exemplo do ocorrido no ano passado. Ou seja, não é hora de baixar a guarda, governo federal e estaduais precisam intensificar os esforços de prevenção do fogo, redução do desmatamento, além de aumentar o rigor para punir criminosos ambientais”, comenta Mazzetti.

Segundo dados do BD Queimadas, sistema de monitoramento do Inpe, a Amazônia vem registrando recorde de queimadas em 2024. Em julho, o bioma registrou mais de 11,4 mil focos, a maior quantidade para o mês desde 2005, e um aumento de 98% em relação ao mesmo mês do ano passado.

O Deter de julho é importante, porque fecha o calendário em que se mede o período de desmatamento na Amazônia, medido de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Assim, com os avisos mensais de desmatamento divulgados nesta quarta, é possível antecipar a tendência da taxa anual consolidada de desmatamento – e que deverá ser divulgada somente em outubro, por meio de um outro sistema de monitoramento, o Prodes.

Nesse caso, a notícia é de queda acentuada: enquanto o período passado (período 2022/2023) registrou 7.952 km² de desmatamento na Amazônia, a atual temporada fechou em 4.315 km², uma redução de 45,7%. Uma notícia boa, mas que deve ser celebrada com moderação, segundo a porta-voz do Greenpeace. “A redução da área com alertas de desmatamento na Amazônia no último período é uma conquista importante. No entanto, estamos longe de alcançar a meta de desmatamento zero – meta que deve ser alcançada muito antes de 2030, já que a Amazônia está próxima do seu ponto de não retorno e a emergência climática já está batendo com força nas nossas portas, sendo o desmatamento a maior causa de emissões de gases do efeito estufa no Brasil”, afirma Mazzetti.

Observatório do Clima

O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile