Enfrentando uma situação completamente adversa, com um cenário de seca preocupante em período que deveria ser de cheias, o Pantanal pode ter este ano uma crise hídrica histórica, segundo sinaliza a Nota Técnica Alerta precoce para mitigar impactos da seca no Pantanal, divulgada pelo WWF-Brasil, nesta quarta-feira (3). Os impactos no bioma, reconhecido como a maior planície continental alagada do mundo, podem afetar os estoques pesqueiros, a produtividade agrícola e o turismo, trazendo riscos tanto às populações tradicionais que dependem da natureza para sobrevivência e reprodução cultural como à conservação da biodiversidade. Recomendações apresentadas visam à antecipação de problemas mais graves, dentre os quais, o desabastecimento humano em uma região que tem o pulso das águas como principal característica natural.
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O Pantanal se situa na Bacia do Alto Rio Paraguai, onde o período de chuvas vai de outubro a abril e a estação seca ocorre entre maio e setembro. No entanto, o estudo revela que a área inundada este ano alcançou apenas 400 mil hectares do bioma, em pleno período de cheias. Por essa razão se ampliam as preocupações com o cenário que deverá se configurar na época de seca. Na região, as condições de vazão do Rio Paraguai são importantes para análises de cenários e os especialistas consideram que o panorama é de seca quando o seu nível de água está abaixo de quatro metros. Os prognósticos para 2024 são negativos porque nos cinco primeiros meses deste ano a medida não foi além de um metro, o que representa, em média, 68% abaixo do esperado para o período que deveria ser de cheias.
O último ano com uma grande cheia no Pantanal foi 2018. Mas, desde 2019, pesquisadores e ambientalistas observam com preocupação o maior cenário de seca do Pantanal das últimas quatro décadas. A tendência de que o bioma enfrente este ano, a pior crise hídrica dos últimos cinco anos, envolve uma combinação de fatores. Como potenciais razões para esse cenário se inserem o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas e a degradação ambiental provocada principalmente pelo avanço do desmatamento e dos incêndios florestais. Esse panorama pode estar por trás da ausência de cheias nos primeiros quatro meses do ano, quando deveria ocorrer o pico de inundações no bioma. Justamente nesse período, o estudo indica que a área inundada é ainda menor do que a do ano passado.
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Veja o que já enviamosNão se pode desconsiderar nesse contexto histórico mais recente que, em 2020, a seca extrema causou incêndios que afetaram grande parte da área do Pantanal. O cenário de gravidade volta a preocupar este ano, quando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), repercutidos pelo #Colabora indicaram que junho deste ano já registrou um recorde de focos de incêndios no bioma.
Mapbiomas indica que Pantanal foi o bioma que mais secou entre 1985 e 2023
Na série histórica de 1985 e 2023 do MapBiomas Água, o Pantanal foi o bioma brasileiro que mais secou. Segundo os dados mais recentes divulgados em 26 de junho, a superfície de água anual foi de 382 mil hectares, em 2023, o que representou 61% abaixo da média histórica. Foi identificado nesse levantamento que houve tanto redução da área alagada, como no tempo de permanência dos alagamentos.
Nesse contexto foi informado que, ano passado, apenas 2,6% do bioma estava coberto por água. O Pantanal responde por 2% da superfície de água do total nacional. “Em 2024, nós não tivemos o pico de cheia. O ano registra um pico de seca, que deve se estender até setembro. O Pantanal em extrema seca já enfrenta incêndios de difícil controle”, destacou Eduardo Rosa, do MapBiomas, durante as ações de divulgação.
Corumbá, no Mato Grosso do Sul, conhecida como a “capital do Pantanal”, é o maior município do bioma, com 6,5 milhões de hectares. Polo de produção do agronegócio, a cidade é também a que mais perdeu superfície de água em 2024, em comparação a 2021. No período, houve uma redução de cerca de 20,4 mil hectares, segundo dados do MapBiomas Água, parceiro do WWF-Brasil, neste levantamento apresentado na Nota Técnica. Em segundo lugar, Poconé teve redução de pouco mais de 18.205 hectares.
Segundo destacado na Nota Técnica, dos 15 municípios pantaneiros, apenas Ladário não apresentou redução da superfície de água em 2024, em comparação ao ano passado. Mesmo em uma comparação com 2021, o ano mais seco do período analisado, houve redução de superfície de água em quase todos os municípios pantaneiros.
Diante do cenário enfrentado pelo bioma, o estudo reforça a importância de definição de ações de adaptação às mudanças climáticas, assim como de mapeamento das ameaças que causam maiores impactos aos corpos hídricos do Pantanal e de restauração de Áreas de Proteção Permanente (APP) nas cabeceiras para melhorar a infiltração da água e diminuir a erosão do solo e o assoreamento dos rios.
Ainda são considerados fundamentais, o fortalecimento de políticas públicas para frear o desmatamento, o apoio à valorização de comunidades tradicionais e outros segmentos que desenvolvem boas práticas, além da disseminação de informações para sensibilizar a sociedade sobre a importância das cabeceiras do Pantanal e das interconexões entre a proteção da sua biodiversidade e de modos de vida de suas populações tradicionais.
Para Helga Correa, especialista em Conservação do WWF-Brasil e uma das autoras do estudo, dados baseados em ciência que sustentam esse levantamento chegam para orientar os gestores públicos e outros tomadores de decisão. Segundo ela, as recomendações de ações práticas que podem ser empreendidas em antecipação ao cenário mais crítico de seca que deve perdurar até setembro e outubro, são elaboradas a partir de informações qualificadas.
“A seca já está instalada e pode se agravar ainda mais. Além do enfrentamento dos incêndios pelas brigadas, precisamos pensar em soluções para garantir o abastecimento humano na fase mais crítica da crise hídrica entre setembro e outubro, quando teremos temperaturas mais altas”, observa a especialista. Ela também menciona que dados científicos são estratégias fundamentais para combater a desinformação relacionada à grave crise ambiental enfrentada pelo bioma.
O estudo encomendado pelo WWF-Brasil e realizado pela empresa especializada ArcPlan, com financiamento do WWF-Japão, tem como diferencial o uso de dados do satélite Planet. Foi a partir da alta sensibilidade do sensor desse satélite que foi possível o mapeamento da área coberta pela água quando os rios transbordam, identificando que esse fenômeno não ocorreu em 2024 nos meses que deveriam ser de pico de cheias. Além disso, a análise se baseou também nos dados do MapBiomas, obtidos por meio do satélite LandSat.
A geógrafa Mariana Dias, analista de geoprocessamento na ArcPlan e uma das autoras da Nota Técnica, ressalta que nas imagens do LandSat, cada pixel equivale a uma área de 30 metros, enquanto o satélite Planet tem resolução bem mais refinada, com cada pixel representando quatro metros. “Conseguimos ver muito mais detalhes com o Planet, mas só temos os dados a partir de 2021. Os dados do MapBiomas, por outro lado, cobrem quase 40 anos, o que nos permite analisar tendências”, observa.
Dentre tantas iniciativas fundamentais ao enfrentamento da situação ambiental do Pantanal, Helga Correa destaca a importância de frear o desmatamento, sobretudo em áreas de cabeceiras de rios como o Paraguai, vital à manutenção dos pulsos d’água do bioma, e a necessidade de regenerar florestas que foram desmatadas ou queimadas nos últimos anos. Em conjunto com organizações parceiras, como o Observatório Pantanal, ela ressalta que o WWF-Brasil vem atuando para restaurar áreas degradadas no bioma.
Estudos que vêm embasando as ações dos parceiros indicam que a demanda por regeneração florestal é da ordem de pelo menos dois milhões de hectares – ou 11% da paisagem do Pantanal. A extensão equivale a cerca de 2,5 vezes o município de Campo Grande para atingir o melhor custo-benefício na implementação da restauração, potencializando o controle da erosão e a regulação hídrica. Esses são serviços ecossistêmicos fundamentais para aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da água no território.
Marina Silva destaca efeitos da crise climática enfrentados no Pantanal
Durante solenidade de criação de sala de situação para ações de prevenção e controle de incêndios e secas em todos os biomas, com foco inicial no Pantanal, há duas semanas, a ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, chamou atenção para o agravamento da crise climática e seus efeitos nas condições de seca enfrentada no Pantanal, em um período em que o bioma deveria estar vivenciando uma dinâmica de cheias.
“Estamos vivendo uma situação de agravamento dos problemas em função de uma combinação de El Niño e mudança do clima. O Pantanal já enfrenta uma estiagem severa e escassez hídrica inédita. A sala de situação vai tratar da questão dos incêndios e da seca”, afirmou Marina Silva em entrevista coletiva na ocasião.
Diante do cenário de aumento dos focos de incêndio no país, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contratou mais de 2 mil brigadistas para atuar com foco inicial no Pantanal e na Amazônia. O presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho, informou durante o evento que as ações de combate vinham ocorrendo no entorno de Corumbá, onde a situação era considerada mais grave, assim como na rodovia Transpantaneira e a oeste do rio Paraguai.
Segundo informado pelo MMA, “a sala de situação funcionará no âmbito da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, recriada pelo presidente Lula em 2023”.