ODS 1
Quem ganha com a crise climática?


Do lucro de alguns ao prejuízo de muitos, custo de não fazer nada em relação à mudança do clima chegaria perto dos US$ 180 trilhões


A palavra ‘crise’, escrita em chinês, é composta por dois caracteres: um representa o perigo e o outro representa a oportunidade. Essa frase, dita e repetida algumas vezes pelo ex-presidente norte-americano John F. Kennedy, virou símbolo de superação, ganhou popularidade no mercado corporativo e faz sucesso até hoje. Mesmo depois que a tradução foi contestada por especialistas em dialetos chineses. Para nós, no entanto, o que vale é a versão e vamos ficar com ela. A pergunta que nos interessa neste momento é a seguinte: se toda a crise é também uma oportunidade, quem ganha com a crise climática? Talvez a resposta mais adequada seja: depende.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosNo curto prazo, que nem é tão curto assim, continuam ganhando os mesmos de sempre, aqueles que investem na indústria suja, na exploração de petróleo e carvão, na mineração predatória e no desmatamento. É difícil estimar o tamanho desse mercado, mas ele movimenta trilhões de dólares todos os anos. Dados de 2022 revelam que só o volume de subsídios governamentais para combustíveis fósseis, em todo o mundo, ficou na casa dos US$ 7 trilhões. Um dos principais incentivadores desse setor é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Desde que assumiu o seu segundo mandato ele revogou restrições à exploração de petróleo, gás e carvão, assinou bilhões de dólares em incentivos fiscais e liberou terras para extração. Ficou famosa a frase que ele usava na campanha presidencial: “Drill, baby, drill” (perfurar, baby, perfurar, em tradução livre).
Leu essa? Barcarena, Pará: território sob ameaça das mineradoras
Com um lobby fortíssimo, que inclui até o presidente dos EUA, a indústria dos combustíveis fósseis se vale ainda de uma estrutura fortemente estabelecida e da certeza de que a transição energética não se dará da noite para o dia. Uma reportagem da Folha de S. Paulo desta semana mostrou que apesar do crescimento das fontes eólica e solar, mais da metade da eletricidade produzida no mundo, cerca de 60% ou 18,2 mil terawatt-hora (TWh), ainda vem de fontes como carvão, gás natural e petróleo. Na Índia, que tem uma enorme reserva de carvão, 74% da energia vem desse mineral. A boa notícia veio da China, que reduziu o peso dos combustíveis fósseis para a eletricidade, saindo de 73% para 62%. Já o Brasil segue tendo uma das matrizes mais renováveis do mundo, com 88% da energia sendo gerada por hidrelétricas, fontes eólicas e solares.


Enquanto alguns ganham, muitos podem perder. E não é pouco. Se a crise climática persistir e se agravar, ninguém ganhará nada com ela. Na verdade, o preço de ficar com os braços cruzados é altíssimo. Um cálculo da Universidade de Cambridge em parceria com o Boston Consulting Group (BCG) aponta para um custo global acumulado da inação climática da ordem de US$ 178 trilhões até 2050. O mesmo estudo indica uma possível perda de 10% a 15% do PIB global até 2100. Uma outra pesquisa, desta vez feita pela revista Nature, concluiu que os custos dos danos ambientais serão seis vezes maiores do que o investimento necessário para limitar o aquecimento global a 2°C. Entre os prejudicados estão a agricultura, que sofre com secas, geadas e chuvas excessivas; o setor de saúde de terá gastos adicionais da ordem de US$ 4 bilhões e a infraestrutura das cidades, com inundações, ondas de calor e tempestades, como aconteceu com o tornado no Paraná. Mas quem perde mesmo, como sempre, é a população mais marginalizada, que verá suas casas serem destruídas, a agricultura de subsistência desaparecer, a escassez de água aumentar e a falta de recursos transformá-lo em um refugiado climático.
Mas como estamos falando de crises e oportunidades, olhando o copo meio cheio temos todas as soluções voltadas à sustentabilidade que, segundo a pesquisa do Boston Consulting Group (BCG) devem passar dos US$ 2 trilhões registrados hoje para cerca de US$ 11 trilhões até 2040. Entre as oportunidades, aparecem os minerais críticos, que são essenciais para baterias e motores elétricos; o setor de tecnologia verde, que inclui energia eólica, solar e veículos elétricos, além dos serviços verdes, como finanças sustentáveis e ecoturismo. Mais uma vez a China aparece muito bem colocada nessa corrida. Em 2023, as tecnologias verdes responderam por cerca de 40% do crescimento econômico chinês, de acordo com o site especializado Carbon Brief. Hoje, as fontes renováveis representam mais de 10% da economia do país.
Pode parecer estranho falar de números e negócios quando o tema principal são as vidas que estão ameaçadas pela crise climática. Mas talvez isso ajude. Em seu livro “A vida não é útil”, o líder indígena, filósofo e escritor, Ailton Krenak, diz que estamos de tal modo dopados por essa “realidade nefasta de consumo e entretenimento” que nos desconectamos da vida na Terra: “Com todas as evidências, as geleiras derretendo, os oceanos cheios de lixo, as listas de espécies em extinção aumentando, será que a única maneira de mostrar para os negacionistas que a Terra é um organismo vivo é esquartejá-la? Picá-la em pedaços e mostrar: “Olha, ela é vida”? É de uma estupidez absurda”.
Últimas do #Colabora
Relacionadas
Agostinho Vieira
Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.










































