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Negacionismo climático cresce à medida que a COP30 se aproxima (Ilustração: União Europeia DesinfoLab)
Negacionismo climático cresce à medida que a COP30 se aproxima
Para a coordenadora geral do NetLab, Debora Salles, a desinformação ambiental é uma indústria com interesses econômicos bem definidos e também bastante desafiadora para o campo progressista


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A desinformação está no topo das preocupações do embaixador André Côrrea do Lago, que, à frente da COP30, já expressou, em recente entrevista, que “o maior desafio até a realização da conferência em novembro deste ano, em Belém (PA), será combater a desinformação sobre mudanças climáticas”. O Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial constatou um dado alarmante: a desinformação foi classificada como o risco mais grave para os próximos dois anos. “Faz sentido que haja uma tentativa de manipular a opinião pública com mais intensidade, para que empresas pareçam mais comprometidas com o tema do que realmente são”, comenta Salles na entrevista para o #Colabora. Uma das principais estratégias climáticas da indústria da desinformação, continua, é justamente “forjar um falso dissenso na Ciência”. Ela faz um alerta: “Nem sempre o fato de ostentar um crachá de uma universidade conceituada faz de você uma referência sensata no assunto.”


#Colabora – Faltando menos de dois meses para a COP30, avalia que está ocorrendo um crescimento do negacionismo climático e da desinformação ambiental?
Débora Salles – Analisamos a desinformação através de uma lente mais ampla do que apenas notícias falsas. A desinformação ambiental é estrutural e envolve mensagens distorcidas, descontextualizadas e repetidas à exaustão, que acabam criando uma compreensão totalmente equivocada da realidade. Temos defendido o conceito de indústria da desinformação, porque há vários interesses econômicos envolvidos na tentativa de manipular a opinião públicas com informações distorcidas e de baixa qualidade.
#Colabora – Acredita que alguns setores econômicos se beneficiam mais que outros das fake news na área ambiental?
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Veja o que já enviamosDébora Salles – Quando pensamos na questão socioambiental e na preparação para a COP30, precisamos refletir sobre a quantidade e a intensidade desses interesses econômicos e políticos. Faz sentido que haja uma tentativa de manipular a opinião pública com mais intensidade, para que empresas pareçam mais comprometidas com o tema do que realmente são. O agronegócio é vendido como uma grande máquina da nossa economia e sua importância é mal dimensionada. No artigo “Greenwashing e Desinformação: A Publicidade Tóxica do Agronegócio Brasileiro nas Redes”, analisamos a presença de greenwashing e ou desinformação em 158 anúncios publicados pela Frente Parlamente da Agropecuária (FPA) no Facebook e Instagram, durante o ano de 2023.
#Colabora – Poderia dar algum exemplo de como empresas tentam parecer mais engajadas no tema ambiental do que de fato são?
Débora Salles – A transição energética é um bom exemplo. A Petrobras veiculou recentemente uma campanha publicitária onde declarou ser líder na transição energética justa. Como uma petrolífera, que defende a abertura de novas frentes de exploração de petróleo, pode se vender como líder nesse tema, se o cerne do seu negócio é explorar combustíveis fósseis? A exemplo da Petrobras, muitas empresas investem pesado para parecerem mais sustentáveis do que realmente são. A COP, por sua vez, cria um cenário muito favorável para que campanhas de desinformação e iniciativas de comunicação duvidosa floresçam. É um momento muito oportuno para quem quer manipular a opinião pública. Fizemos um estudo sobre transição energética e detectamos que quase metade dos 2.798 anúncios coletados pelo NetLab UFRJ entre setembro de 2024 e março de 2025 no LinkedIn apresentavam indícios de publicidade verde enganosa, ou greenwashing.
#Colabora – Como funciona a indústria da desinformação?
Débora Salles – Uma das principais estratégias climáticas é justamente forjar um falso dissenso na Ciência. Já existem certos consensos, mas raramente a Ciência é feita com todos concordando. Essa ideia de consenso não significa que 100% dos estudos tenham demonstrado que há, por exemplo, uma influência humana nas mudanças climáticas. Não são 100% dos cientistas que concordam com isso, mas há um consenso de que 97% deles concordam. Os cientistas que discordam que o aquecimento global não é fruto da ação do homem é uma minoria. Logo, é uma tentativa de criar uma falsa dissidência. É mais um ruído. Temos visto especialistas que usam e abusam de credenciais legítimas para desacreditar a própria Ciência e isso não está ocorrendo só no Brasil e não ocorre apenas na área ambiental.


#Colabora – Como um jornalista, que é um profissional que vive de divulgar informações, pode evitar cair no golpe das fake news?
Débora Salles – Para um jornalista é realmente complicado, porque existem figuras que já são famosas por suas atuações polêmicas. Nem sempre o fato de ostentar um crachá de uma universidade conceituada faz de você uma referência sensata no assunto. Bons exemples de fontes primárias da desinformação são Ricardo Felício, professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Carlos Molion, meteorologista e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e pelo agrônomo Evaristo de Miranda, recém-aposentado da Embrapa, um dos gurus ambientais do ex-presidente Bolsonaro. Contatamos isso analisando, durante dois meses em 2023, anúncios na Meta (Facebook e Instagram), vídeos no YouTube e outros conteúdos publicados em redes sociais e em sites noticiosos ou não. O trio costuma estar presente em eventos patrocinados por grandes empresas do setor agrícola e defendem informações, ou desinformações, que servem a esses interesses agrícolas. Ao questionarem o consenso, promovem a desinformação geral.
#Colabora – Estamos perdendo a guerra para as fake news?
Débora Salles – Apesar de organizado e ter vozes muito relevantes, o campo ambientalista acaba ficando muito marginalizado em relação ao dia a dia da desinformação, principalmente aquela propagada pela extrema direita. Mas não só. Às vezes, essa desinformação pró-agro vem de setores não tão extremistas, como é o caso, por exemplo, do pessoal do Centrão. Vemos que os ambientalistas ainda têm muitas dificuldades de dominar a agenda. Estamos lidando com um ecossistema midiático muito desafiador para o campo progressista; enquanto para a extrema direita e para alguns setores mais conservadores e tradicionais, parecem que eles dominam essa agenda.
#Colabora – Na corrida pela digitalização, as big techs viraram aliadas no agronegócio, o que estudos vêm mostrando a geração de lucro tóxico. Até que ponto essa associação entre tecnologia e a cadeia produtiva do agronegócio pode alimentar a indústria da desinformação?
Débora Salles – As big techs estão financiando pesquisas e isso se tornou uma forma de censurar estudos e investigações sobre abusos. É interessante pensar que, atualmente, as big techs têm essa capacidade de poder político e econômico que transcende vários setores. Quando pensamos, por exemplo, na instalação de data centers, vem logo o argumento de que no Brasil usamos energia renovável. Isso é verdade, mas não significa que não esteja gerando impacto só porque não está queimando petróleo para manter os data centers funcionando. As big techs são muito poderosas, muito mais até do que alguns países, o que dificulta impor limites. Há questões ideológicas que unem os interesses do agronegócio aos das grandes empresas de tecnologia, que são uma espécie de pequeno Estado, com poucos obstáculos burocráticos e com o discurso de que querem mais liberdade para investir e inovar. Cada vez mais temos menos transparência e mesmo quando olhamos para a Europa, que tentou regular as big techs, ainda existe muita dificuldade para responsabilizá-las. Existem poucas ferramentas para pressioná-las do ponto de vista econômico e político. Essas empresas são mais poderosas do que a maioria dos países individualmente.
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.











































