Manifesto de 70 cientistas pede anulação de decisão do Conama

Pássaro colhereiro em manguezal na Área de Proteção Ambianetal (APA) de Guapi-Mirim, na região hidrográfica da Baía de Guanabara, em 2019: pesquisadores de ecossistemas costeiros querem anulação de medida do Conama (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

Pesquisadores dos ecossistema costeiros querem suspender medida que revogou a resolução protegendo restingas e manguezais

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 14ODS 15 • Publicada em 6 de outubro de 2020 - 12:23 • Atualizada em 2 de novembro de 2020 - 09:32

Pássaro colhereiro em manguezal na Área de Proteção Ambianetal (APA) de Guapi-Mirim, na região hidrográfica da Baía de Guanabara, em 2019: pesquisadores de ecossistemas costeiros querem anulação de medida do Conama (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

Mais de 70 cientistas de 24 redes de pesquisa e entidades ligadas a estudos costeiros, oceânicos, climáticos, de biodiversidade e áreas ambientais e sociais divulgaram manifesto pela anulação da decisão do Conama que revogou a Resolução 303/2002, dispondo sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de ecossistemas costeiros. “A revogação coloca em risco não só contingente expressivo e importante da biodiversidade brasileira, como também eleva a vulnerabilidade de cidades e demais ocupações humanas que hoje são resguardadas pelos recursos e serviços ambientais providos por esses ecossistemas”, afirma o documento.

Este cenário baseado em evidências coletadas por diferentes grupos de cientistas de todas as regiões do país, transforma os remanescentes desses ecossistemas em verdadeiros santuários e barreiras de proteção que devem ser valorizados e preservados para o bem da sociedade brasileira

O manifesto – encaminhado a autoridades do Legislativo e do Judiciário – lembra que habitats de restingas, dunas, marismas e manguezais, identificados ao longo da costa brasileira, integram e regulam o funcionamento de ecossistemas costeiros e oceânicos. “Entre os serviços prestados por esses ecossistemas, temos a estabilização da linha de costa, proteção contra tempestades e aumento do nível do mar, manutenção da biodiversidade e dos recursos pesqueiros, retenção de poluentes, sequestro de CO2 atmosférico e mitigação dos efeitos de mudanças climáticas”, destaca o manifesto.

A comunidade científica – entre os signatários, estão Rede Clima, Rede de Monitoramento dos Habitats Bentônicos, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Mar, Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, Observatório do Clima e Saúde, Núcleo de Estudos em Manguezais e  Rede Algas – alerta que o processo de acelerada urbanização do litoral brasileiro nas últimas décadas já causou grande destruição ou degradação dos ecossistemas costeiros. “Este cenário baseado em evidências coletadas por diferentes grupos de cientistas de todas as regiões do país, transforma os remanescentes desses ecossistemas em verdadeiros santuários e barreiras de proteção que devem ser valorizados e preservados para o bem da sociedade brasileira”, afirma o documento.

Caranguejos no manguezal do Parque Natural Municipal Barão de Mauá, em Magé (RJ): ameaça ao ecossistema e sua diversidade após resolução revogada pelo Conama (Foto: Thomaz Silva/Agência Brasil)
Caranguejos no manguezal do Parque Natural Municipal Barão de Mauá, em Magé (RJ): ameaça ao ecossistema e sua diversidade após resolução revogada pelo Conama (Foto: Thomaz Silva/Agência Brasil)

Para os autores do manifesto, a decisão do Conama, em reunião presidida pelo ministro Ricardo Salles no dia 28 de setembro, atende a interesses econômicos imediatistas. “Revogar a Resolução 303/2002 é dar licença para se avançar sobre os últimos remanescentes de ecossistemas vulneráveis e fundamentais à manutenção da vida e atividades para um desenvolvimento sustentável em nossa zona costeira”, denunciam os cientistas. “As mudanças climáticas reforçam a inconsequência dessa medida, pois não se consideram os custos futuros derivados da perda de permanente desses habitats”, acrescenta o texto, divulgado também nas redes sociais.

Prejuízos devem se estender a perdas materiais com os impactos sobre edificações e saneamento básico (como já são observados em importantes balneários litorâneos), colocando o patrimônio público e privado e vidas em risco, além de impactar negativamente a pesca, a maricultura, o turismo e atividades portuárias

O resultado da reunião chegou a ser suspenso por decisão liminar, em ação popular, da juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio, que “evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente”, caso as decisões do Conama sejam mantidas.  Na sexta-feira (2/10), entretanto, o desembargador federal Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), restabeleceu a validade das decisões da reunião do Conama, atendendo a recurso apresentado da Advocacia-Geral da União (AGU). Em outra ação na esfera judicial, o PT entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) contra a resolução 500 do Conama que revogou três resoluções na reunião do dia 28 – além da 303, foram revogadas também a 284/2001 (sobre licenciamento de projetos de irrigação) e a 302/2002 sobre parâmetros na delimitação de áreas de preservação permanente. Instado a responder em 48h pela ministra Rosa Weber, relatora da ADPF), o Ministério do Meio Ambiente, através da AGU, pediu o arquivamento do processo argumentando que as normas foram derrubadas para regulamentar mudanças previstas no Novo Código Florestal, aprovado em 2012.

Além dos prejuízos ambientais, os cientistas alertam ainda para prejuízos sociais e econômicos, com o comprometimento da saúde das populações próximas desses ambientes e da segurança sanitária, alimentar e hídrica. “Prejuízos devem se estender a perdas materiais com os impactos sobre edificações e saneamento básico (como já são observados em importantes balneários litorâneos), colocando o patrimônio público e privado e vidas em risco, além de impactar negativamente a pesca, a maricultura, o turismo e atividades portuárias. Os custos econômicos e sociais para remediar tais impactos são exorbitantes, possivelmente superiores ao hipotético desenvolvimento econômico visado com a revogação da Resolução 303/2002 e mudanças nas regras ambientais”, enfatiza o manifesto.

No documento, os pesquisadores pedem ainda ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário que alterações na legislação ambiental sobre os ecossistemas naturais costeiros sejam debatidas com a sociedade após amplamente apresentadas e discutidas com especialistas, comunidades costeiras e setores econômicos. “É fundamental que a sociedade brasileira reconheça e valorize seu patrimônio ambiental”, afirmam.

O manifesto também reforça a a necessidade de recomposição da representatividade do Conama, que, em 2019, passou de 96 para apenas 23 membros. “Com a significativa redução na representação da sociedade civil organizada e de instituições de ensino superior e pesquisa, o conselho viu-se aparelhado por uma maioria que não se revelou comprometida com sua função que é de zelar pelo patrimônio natural nacional como explicitado na Política Nacional do Meio Ambiente”, criticam os cientistas.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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