Lula na ONU: sem metas climáticas, “caminharemos de olhos vendados para o abismo”

Presidente do Brasil defende conselho ligado à Assembleia Geral para enfrentar crise climática e diz que "COP30 será a COP da verdade".

Por Oscar Valporto | ODS 13
Publicada em 23 de setembro de 2025 - 12:25  -  Atualizada em 23 de setembro de 2025 - 12:56
Tempo de leitura: 10 min

O presidente Lula aborda a crise climática em discurso na ONU: Lula na ONU: sem as NDCs “caminharemos de olhos vendados para o abismo” (Foto: Ricardo Stuckert / PR / Agência Brasil)

Em seu discurso na abertura da 80ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta terça-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou a apresentação das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês) com as metas climáticas pelos países (até agora só 34 apresentaram) e defendeu a criação de um conselho vinculado à Assembleia Geral “com força e legitimidade para monitorar compromissos dará coerência à ação climática”.

Lula disse que a COP30, marcada para Belém (Pará) em novembro, será a COP da verdade. “Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta. Sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (as NDCs), caminharemos de olhos vendados para o abismo”, afirmou o presidente do Brasil, bastante aplaudido. “Bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado”, lembrou.

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No discurso, Lula também abordou temas como o multilateralismo, a soberania nacional e as guerras de Israel e Hamas, e Rússia e Ucrânia. E destacou a importância do financiamento climático. Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões.Exigir maior ambição e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça”, afirmou, ressaltando ainda as ações do país para metas climáticas. “O Brasil se comprometeu a reduzir entre 59 e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia”.

Lula estava acompanhado de uma comitiva de ministros entre eles Marina Silva (Meio Ambiente), Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Márcia Lopes (Mulheres), Jader Barbalho Filho(Cidades), e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública). “Em Belém, o mundo vai conhecer a realidade da Amazônia. O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento na região nos últimos dois anos. Para os milhões de habitantes da floresta, fomentar o desenvolvimento sustentável é o objetivo do fundo Florestas Tropicais para Sempre, que o Brasil pretende lançar para remunerar a conservação”, destacou.

Além de cobrar a apresentação das NDCs pelos países membros da Convenção do Clima, o presidente brasileiro também propôs a criação de um novo órgão para monitorar as metas climáticas. “Chegou o momento de passar da fase de negociação para a etapa da implementação. O mundo deve muito ao regime criado pela Convenção do Clima, mas é necessário trazer o combate à mudança do clima para o coração da ONU, para que receba a atenção que merece. Defendemos um conselho vinculado à Assembleia Geral, com legitimidade e força para monitorar compromissos climáticos — um passo fundamental rumo a uma reforma mais abrangente da organização, que contemple também a ampliação do Conselho de Segurança”, acentuou Lula no discurso de 18 minutos (íntegra no link).

Lula discursa na Assembleia Geral da ONU: presidente do Brasil abordou temas como a crise climática, o multilateralismo, a soberania nacional e as guerras (Foto: Ricardo Stuckert / PR / Agência Brasil)
Lula discursa na Assembleia Geral da ONU: presidente do Brasil abordou temas como a crise climática, o multilateralismo, a soberania nacional e as guerras (Foto: Ricardo Stuckert / PR / Agência Brasil)

Outros destaques do discurso de Lula na ONU

Multilaterismo – “O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade desta Organização está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra. Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades. Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas”.

Soberania nacional – “Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais. Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade”.

Julgamento de Bolsonaro – “Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”.

Pobreza – “A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo. Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025. Mas no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. Cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar. A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza. Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20, que já conta com o apoio de 103 países”.

Regulação Digital – “As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser uma “terra sem lei”. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual. Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia. O Parlamento brasileiro corretamente apressou-se em abordar esse problema. Com orgulho, promulguei na última semana uma das leis mais avançadas do mundo para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital”.

Conflitos e guerras – “Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento. Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias. A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela. O Haiti tem direito a um futuro livre de violência. E é inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo. No conflito na Ucrânia, todos já sabemos que não haverá solução militar. O recente encontro no Alaska despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista”.

Genocídio em Gaza – “Nenhuma situação é mais emblemática do uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina. Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza. Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente. Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo.”

ONU – A ONU tem hoje quase quatro vezes mais membros do que os 51 que estiveram na sua fundação. Nossa missão histórica é a de torná-la novamente portadora de esperança e promotora da igualdade, da paz, do desenvolvimento sustentável, da diversidade e da tolerância.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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