ODS 1
Levante popular nas ruas de Belém para pressionar a COP30


Contrapondo as áreas Blue Zone e Green Zone, movimentos sociais criam a Street Zone. Indígenas, quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais, movimentos sociais do campo e das cidades vão se manifestar contra o silenciamento das vozes populares


A COP30 começa nesta segunda-feira (10/11) e um levante popular vai ocupar as ruas de Belém, a capital paraense, até o próximo dia 21, quando termina a primeira conferência do clima na Amazônia, que ocorre em um cenário geopolítico adverso e falta de ambição climáticas dos países.
“Os ânimos estavam represados e nossa liberdade sufocada”, resumiu Sila Mesquita, coordenadora do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma das organizações envolvidas na Cúpula dos Povos por Justiça Climática – um movimento global e autônomo à COP30 que reúne coalizões, coletivos, redes, movimentos sociais e populares, e organizações da sociedade civil.
A expectativa dos movimentos sociais é grande. Não sem motivos. As três últimas COPs foram realizadas em países autoritários: Sharm El Sheikh (Egito, onde ocorreu a COP27), Dubai (Emirados Árabes, que sediou a COP28) e Baku (Azerbaijão, local da COP29).
A Cúpula dos Povos pretende se consolidar como contraponto às falsas soluções e ao silenciamento das vozes populares diante da extrema direita e da captura corporativa dos espaços de negociação multilateral
Em resposta a esse marasmo — a última marcha ocorreu na COP26, em Glasgow, a promessa é promover a “COP das ruas”, como definiu Dinamam Tuxá, secretário executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
“A COP30 precisa representar um ponto de virada e endereçar as ações necessárias para o enfrentamento da crise climática”, diz o manifesto “Da Amazônia para o mundo: basta de desigualdades e racismo ambiental, justiça climática já!”, o documento que vem norteando o movimento. A Cúpula dos Povos é uma articulação com pouco mais de 30 anos, tendo brotado na esteira da Rio-92.
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Veja o que já enviamosAs primeiras reuniões da Cúpula dos Povo rumo a COP30 começaram em agosto de 2023, tendo ocorrido, de lá para cá, encontros em Brasília e em Dubai, durante a COP28.
A plenária de abertura da COP30, nessa manhã, será o primeiro capítulo dessa conferência. É quando a agenda é definida e quando virá à tona as divergências históricas que separam os paises ricos dos países em desenvolvimento. O financiamento climática, ou a auência dele, é um dos pontos de discordância.


Lideranças femininas em frente à Aldeia COP em Belém: mobilização indígena (Foto: Juliana Pesqueira / Amazônia Real)
Marcha do Clima
É um consenso entre os movimentos que fazem parte da Cúpula dos Povos que as falsas soluções climáticas apresentadas anos e anos nas conferências do clima aprofundam a desigualdade e as injustiças ambientais e climáticas.
Por trás do movimento, uma participação multifacetada composta por indígenas, quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais, movimentos sociais do campo e das cidades.
Juntos e misturados, eles vão sair às ruas no sábado 15, quando será realizada a Marcha Global pelo Clima — manifestações ocorrerão simultaneamente ao redor do mundo. A expectativa é que seja a maior mobilização popular por justiça social e climática do mundo, reunindo mais de 1.100 organizações e movimentos do Brasil e do mundo.
A Marcha do Clima contará com a adesão da COP do Povo, que congrega basicamente associações de base da Amazônia, e da Aldeia COP, um espaço multiétnico para três mil indígenas — a expectativa é que venha a ser uma participação recorde das comunidades indígenas em uma Conferência do Clima.
A gente quer chegar nesse lugar de justiça social e reparação para as periferias que estão sediando a Conferência e desejam se ver incluídas nesse mundo novo
A manifestação vai ser engrossada ainda com uma bicicletada para mostrar que o veículo é um instrumento de mitigação climática. Também ocorrerá uma barqueata, uma espécie de passeata de barcos, onde estão sendo esperadas mais de 100 embarcações, além de caravanas da Amazônia e da América Latina (com representantes do Equador e Colômbia, além do México), que integram a Aliança dos Povos pelo Clima.
“Nós queremos fazer frente à indústria fóssil. Ela estará novamente na Conferência, fará um lobby massivo e por isso é tão importante que o movimento global pela Justiça Climática também esteja lá”, afirma Katharin Henneberger, ex-membro do parlamento alemão e tripulante do Flotilla pela Mudança, que terá a bordo cerca de 50 ativistas, cientistas e delegados de diversas partes do mundo.
Julgamentos simbólicos contra crimes socioambientais também estão sendo programados, assim como um banquetaço amazônico – um momento pensado para a celebração do alimento saudável e agroecológico, com comidas da região e de outros biomas brasileiros.
Os manifestantes estão vindo pelas estradas, pelos rios e de avião. A escolha de Belém para sediar a COP30 vai deixar os tomadores de decisões das áreas VIPs da conferência, especialmente os da Zona Azul, onde se reúnem os negociadores, frente a frente com as populações mais vulneráveis às mudanças do clima. Não à toa, os movimentos sociais, urbanos, periféricos e rurais, reivindicam o protagonismo das comunidades e dos territórios nas COPs. Uma declaração final da Cúpula dos Povos será entregue ao presidente da Conferência do Clima, André Corrêa do Lago. O texto é resultante das plenárias e reuniões que ocorrerão no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA).
“A Cúpula dos Povos pretende se consolidar como contraponto às falsas soluções e ao silenciamento das vozes populares diante da extrema direita e da captura corporativa dos espaços de negociação multilateral”, comenta Maureen Santos, cientista política e representante do Grupo Carta de Belém e da FASE no Comitê Político da Cúpula dos Povos rumo à COP30.
Um exemplo concreto e atual é o debate suscitado entre os moradores do bairro Vila da Barca, um dos maiores do Brasil erguido sobre palafitas, por conta do redirecionamento da rede de esgoto do Parque Linear da Doca para a região, devido às obras para a conferência do clima.


Protagonismo periférico na COP30
“A gente quer chegar nesse lugar de justiça social e reparação para as periferias que estão sediando a Conferência e desejam se ver incluídas nesse mundo novo”, afirma Jean Ferreira, fundador do Gueto Hub, ao destacar a importância da descentralização das discussões por toda a cidade, muito além da Blue Zone, palco da agenda oficial da COP30.
Além dos debates que vão ocorrer na Cúpula dos Povos, foi criado, em contraponto aos pavilhões oficiais da COP30 (conhecidos como Blue Zone e Green Zone), a Yellow Zones — uma iniciativa inédita na Conferência de Clima, onde as periferias organizadas nos coletivos espalhados pelas áreas mais carentes, conhecidas como baixadas, vão se reunir para discutir sobre o impacto das alterações do clima no cotidiano das pessoas, como enchentes, alagamento de ruas e variações de temperatura.
O anúncio feito pelo presidente Lula de que usará a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante a conferência, acendeu um sinal de alerta. Os organizadores da Cúpula consideram a medida uma ameaça à participação democrática: “a militarização não protege a ordem, apenas multiplica a violência e reforça o racismo institucional, atingindo de modo seletivo lideranças negras, indígenas e de comunidades tradicionais”, diz o ofício entregue, no último dia 20, ao procurador-chefe dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, do Ministério Público Federal (MPF).
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.













































