‘Greenwash é o novo negacionismo climático’, diz arquiteta do Acordo de Paris na COP26

Para diplomata francesa, protestos liderados por jovens apontam que “as coisas não vão bem” nas negociações na Conferência do Clima

Por Observatório do Clima | ODS 13 • Publicada em 9 de novembro de 2021 - 09:39 • Atualizada em 20 de novembro de 2021 - 12:15

Manifestação de jovens – com indígenas como a brasileira Samela Sateré-Mawé (de verde), à frente – em Glasgow: acusações de greenwash contra governantes na COP26 (Foto: Oliver Kornblihtt / Midia Ninja / CopCollab26 – 05/11/2021)

(Felipe Werneck* – Glasgow) – Uma das principais arquitetas do Acordo de Paris, a diplomata francesa Laurence Tubiana disse, nesta segunda (08/11) durante a COP26 que protestos como o de sábado, em Glasgow, são uma prova de que “as coisas não vão bem”. A marcha pelo clima reuniu, segundo os organizadores, 100 mil pessoas na região central da cidade. Na sexta-feira, outras 25 mil pessoas foram às ruas numa greve do movimento Fridays For Future. A ativista sueca Greta Thunberg, 18, discursou dizendo que a conferência de Glasgow era a “COP do greenwash”.

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Em entrevista coletiva, a veterana negociadora francesa voltou ao tema. “Greenwash é o novo negacionismo climático. É uma maneira de escapar do problema. É uma maneira de dizer: ‘nós estamos fazendo tudo, não se preocupem’. A prova disso é a percepção que as pessoas têm. Se mais de 100 mil pessoas estão protestando lá fora é porque aqui dentro as coisas não vão bem”, disse Tubiana, cobrando ação e honestidade. “Precisamos reconciliar a fúria lá de fora com o business as usual [o cenário de sempre] aqui de dentro.”

Em resposta a uma pergunta sobre as NDCs apresentadas, a diplomata francesa citou a Austrália como um dos países que “prometem maravilhas para 2050, mas não querem falar do que podem reduzir (de emissões) no ano que vem”.

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Desde a adoção do Acordo de Paris, o G20 tem dado trilhões e trilhões de dólares de subsídio para combustíveis fósseis, e muito menos para fundos climáticos da ONU

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A entrevista foi organizada pela Aosis (Aliance of Small Island States (- aliança dos pequenos países ilha), no dia de Perdas e Danos da COP26. “Temos que abrir portas e janelas para que os países em desenvolvimento, principalmente os localizados em ilhas e outros que vêm sofrendo com eventos climáticos extremos, tenham acesso a um mecanismo funcional para se reconstruírem”, declarou a diplomata francesa, hoje na European Climate Foundation.

Vice-ministra de cooperação internacional do Ministério do Meio Ambiente da República Dominicana, Milagros de Camps disse, ao lado de Tubiana, que está ouvindo “palavras bonitas” durante a COP26, mas que na prática a tática parece ser a de sempre: negar e atrasar. “Precisamos de grande aporte financeiro para ações climáticas mais ambiciosas, acessível aos países em desenvolvimento, com empréstimos e doações. Precisamos forçar isso nas discussões financeiras. O último relatório das Nações Unidas é um choque de realidade sobre o aumento de temperatura no mundo. Mas para que pedir um relatório se vão ignorá-lo? Ignorar um problema não faz ele sumir.”

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Camps afirmou que é inaceitável a promessa de U$ 100 bilhões anuais ainda não ter saído do papel. “Desde a adoção do Acordo de Paris, o G20 tem dado trilhões e trilhões de dólares de subsídio para combustíveis fósseis, e muito menos para fundos climáticos da ONU”, disse. “Precisamos melhorar a parte de financiamento, mas sem confundir com bondade. Orçamento compartilhado não é caridade.”

Nesta segunda, após a revelação de que mais de 500 lobistas da indústria fóssil estão credenciados para a COP – mais pessoas do que a maior delegação nacional, a do Brasil –, a secretária executiva da Convenção do Clima da ONU, Patricia Espinosa, disse que a conferência “adota uma abordagem inclusiva” e que “é um direito soberano de todo governo credenciar como parte de sua delegação as pessoas que julgar convenientes”, segundo a agência Bloomberg.

Obama e ministros na COP26

A COP26 entrou nesta segunda-feira no chamado “segmento de alto nível”. É quando os ministros de Estado chegam para tomar as decisões políticas que os negociadores não conseguiram fechar na primeira semana.

Praticamente todos os temas ainda pendem de definição. Alguns mais adiantados, como a questão dos marcos temporais comuns, que já tem uma proposta de texto para decisão política (com nove opções). Outros com dificuldades esperadas, como o difícil Artigo 6, que trata da regulamentação dos mercados de carbono.

No domingo, a presidência britânica circulou um conjunto de itens de consenso do que seria o esqueleto da decisão principal de Glasgow, que fala em manter a meta de 1,5oC viva e em acelerar ambição – as ONGs reclamaram de ausências fundamentais no texto, como uma sinalização clara do fim dos combustíveis fósseis e a menção à proposta feita pela Coalizão da Alta Ambição (formada por países insulares e Europa) de aumentos anuais nas metas dos países.

Para tentar animar a festa, o ex-presidente americano Barack Obama foi a Glasgow nesta segunda-feira e fez um longo discurso. Em mais de 40 minutos, Obama saiu distribuindo culpas: culpou a falta de maioria no Congresso pela pouca ação no clima em seus oito anos de mandato, disse que era “frustrantes não ver os líderes de dois dos maiores emissores do mundo, a China e a Rússia”, na COP26 e prometeu liderança americana no processo, mas…

“Mas vocês conhecem os fatos. Precisamos também da China e da Índia liderando esse assunto. Precisamos da Rússia liderando esse assunto. Da África do Sul, da Indonésia e do Brasil liderando nesse assunto. Não podemos deixar ninguém de fora.”

Cobrado por jovens antes do discurso, Obama disse à plateia que o ativismo climático deve ser transformado em votos. “Não teremos planos climáticos mais ambiciosos dos governantes se eles não sentirem a pressão dos eleitores”, disse o ex-presidente.

*Felipe Werneck é jornalista, com especialização em meio ambiente pela COPPE/UFRJ, editor do Fakebook.eco e acompanha a COP26 pelo Observatório do Clima

Observatório do Clima

O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

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