Escalada da crise climática deixa cientistas apavorados

Pesquisa revela que 88% dos entrevistados esperam que a mudança do clima cause impactos catastróficos durante seus tempos de vida

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 15 de novembro de 2021 - 09:57 • Atualizada em 20 de novembro de 2021 - 12:13

Enchente após chuvas intensas deixa ruas alagadas e centenas de desalojados em Jacarta, na Indonésia: cientistas, apavorados, esperam ver catástrofes climáticas ainda em seu tempo de vida (Foto: Eko Siswono Toyudho / Anadolu Agency / AFP – 08/11/2021)

“A mudança do clima é real. Sempre haverá incerteza na compreensão de um sistema tão complexo quando o clima do planeta. No entanto, há hoje forte evidência de que está ocorrendo um significativo aquecimento global”.

Este é parte de um longo documento apresentado por um conjunto de 11 academias de ciências do Painel Intergovernamental do Clima, da ONU na COP 7, no Marrocos, em 2001. De lá para cá se passaram 20 anos, e a situação apenas piorou. E muito. Já se reconhece que ficou para trás a contenção do aquecimento em 1.5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Fala-se na melhor das hipóteses em 2ºC, meta anunciada no Acordo de Paris.

Em pesquisa feita apenas com cientistas, seis em cada dez entrevistados mencionam 3ºC como uma possibilidade. Isso configuraria uma catástrofe. O que é mais perturbador é o fato de que 88% dos entrevistados esperam que a mudança do clima cause impactos catastróficos durante seus tempos de vida. Isso, aliás, já está acontecendo.

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A linguagem na qual estes documentos foi escrita tem forma pouco compreensível para um leigo. Mas os fatos estão aí. Eis uma pequena lista deles:

.2.095 bilhões de horas de trabalho perdidas em 2019 em consequência de ondas de calor
. 345.000 mortes de pessoas de 60 anos ou mais por ondas de calor em 2009, um aumento de 80% desde 2000.
. 596.000 pessoas vivendo 5 metros acima do nível do mar que enfrentarão inundações, tempestades severas e doenças infecciosas
. 158 bilhões de dólares em perdas causadas por 242 eventos extremos do tempo em 2000
. 4 milhões de mortes pela poluição em 2009
. 19% da área mundial atingida pela seca nos anos 2020 (até 2010, este número raramente ocorreu)
. 2 bilhões de pessoas no mundo afetadas pela insegurança alimentar
. 1 bilhão de dólares em média de subsídios para as empresas de carvão, petróleo e gás
. 7.2 milhões de carros elétricos nas ruas. O número mal representa um por cento de toda a frota, sem qualquer impacto positivo significativo.

Já se falou aqui sobre a eco-ansiedade, fenômeno causado em parte pela frustração de não se poder agir individualmente, e pelo temor das pessoas com o futuro de seus filhos e netos. Os filhos já ocupam as ruas, com líderes de vozes poderosas como a de Greta Thunberg.

E os cientistas, que trabalham com quadros mais complexos e detalhado, e que sabem coisas que não sabemos? Estes estão apavorados. Na pesquisa sobre os cientistas, publicada na Nature, foram ouvidas as mesmas pessoas que produziram um relatório no começo deste ano, advertindo que esta é essencialmente a década de maior consequência, que irá decidir quão severo será o aquecimento global por muitas décadas por vir.

Se as emissões globais chegarem a zero em torno de 2050, compromisso que muitos assumiram no ano passado, então o mundo poderá conquistar a meta definida pelo Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1.5C. Mas como afirma Valérie Masson-Delmotte, cientista francesa do clima e diretora da French Alternative Energy and Atomic Energy Comission, “o clima que experimentaremos no futuro depende de nossas decisões agora”.

Segundo o relatório do IPPC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU), um aquecimento de 1.5C é muito menos brutal que um de 2C, e temos um bocado a fazer em um tempo limitado para chegar a esta meta. Caso falhemos, os mais pobres são os que sofrerão mais.

No cenário mais esperançoso, estão inovações em eficiência e tecnologia para suprir a demanda de energia, acelerar a descarbonização do sistema de energia e adotar a tecnologia de captura de carbono, ainda não testada. Em outro, as nações se juntam harmoniosamente e mudamos para um modo de vida mais sustentável, o que algo é delirante.

Todos os cenários que limitam o aquecimento em 1.5C exigem maciços investimentos globais, da ordem de de 2.4 trilhões de dólares anualmente. “Há uma perspectiva de que de algum jeito há uma solução para a mudança do clima. Não há”, diz Kristie Ebi, cientista da Universidade de Washington e autora do sumário para decisões política do relatório do IPCC. “Há um milhão de soluções. Quando olhamos para uma delas, podem ser relativamente pequenas. É quando as colocamos juntas que elas se tornam grandes e poderosas.”

O documento é um poderoso argumento para a redução de emissões, assim como os esforços de adaptação que serão necessários. Página por página, lembra como os pobres sofrerão desproporcionalmente com o aquecimento global e como meio ponto importa. O relatório fornece validação científica para o público e o que se sente é duro, mas verdadeiro.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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