Crise climática eleva temperaturas no país da Copa do Mundo

Estudo mostra que temperaturas no Catar estão, em média, mais de 3°C mais altas do que o normal para esta época do ano

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 8 de dezembro de 2022 - 18:14 • Atualizada em 14 de dezembro de 2022 - 10:22

O craque croata Modric e o zagueiro Vida treinam com a irrigação do gramado ligado para amenizar o calor: temperaturas no Catar estão em média 3º C mais altas do que o normal para o período (Foto: Ozam Kode / AFP – 19/11/2022)

Na semana passada, enquanto sérvios e camaroneses suavam em campo para empatar em 3×3 a partida de seu grupo na Copa do Mundo, do lado de fora a temperatura subia acima de 30 graus por volta das 13h quando o jogo começou. A umidade e o vento quente aumentavam a sensação térmica mas o calor não era apenas uma sensação. De acordo com análises feitas por cientistas climáticos da instituição de pesquisa norte-americana Climate Central, as temperaturas no Catar estão, em média, mais de 3°C (três graus Celsius) mais altas ao longo do dia do que o normal para a época do ano, fim de outono, no país da Copa do Mundo.

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E, sim, este aumento na temperatura média tornou-se duas vezes mais provável por causa da crise climática, afirma o estudo da Climate Central. “O estresse de competir em calor extremo já está afetando mais atletas em todo o mundo, e as mudanças climáticas estão tornando os esportes ao ar livre mais arriscados para os profissionais e para o resto de nós, do público”, afirmou Andrew Pershing, diretor de ciência climática da Climate Central.

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Com os estádios climatizados com potentes sistemas de ar-condicionado central, os torcedores da Copa do Mundo são quem têm enfrentado as altas temperaturas, que passaram várias vezes de 30 graus ao longo do dia. O torneio foi transferido para novembro e dezembro, nas últimas semanas de outono, exatamente para evitar o calor – a temperatura média nesta época fica em torno de 25 graus e vem diminuindo conforme o fim da Copa do Mundo se aproxima. Em junho e julho, quando a Copa do Mundo costuma ser disputada, o país enfrenta ondas de calor que elevam a temperatura acima dos 40 graus – já foram registradas máximas perto de 50 graus.

Na última semana de novembro, medida pela Climate Central, as temperaturas estiveram acima da média todos os dias, variando de 1,9ºC mais quente e a 3,4ºC acima do normal, exatamente no dia daquele suado empate entre Camarões e Sérvia. Antes de o Mundial começar, as seleções apelaram para potentes ventiladores para refrescarem seus atletas durante os treinos – os centros de treinamento não têm ar-condicionado nos campos – e até ligaram os sistemas de irrigação dos gramados durante os treinos. Com o início da Copa do Mundo, com os jogos em sequência, todas as seleções passaram a treinar no fim da tarde para evitar

A análise faz parte do Índice de Mudanças Climáticas (CSI), que aplica uma escala de cinco pontos para indicar o quanto as altas e baixas temperaturas se tornaram mais prováveis ou frequentes como resultado das mudanças climáticas. Um nível CSI de três significa que a temperatura média do dia foi pelo menos três vezes mais provável do que teria sido sem a influência das mudanças climáticas causadas pelo homem. “Competições esportivas continuarão ficando cada vez mais arriscadas, até que as emissões líquidas de gases de efeito estufa sejam interrompidas e as temperaturas globais parem de subir”, disse Andrew Pershing.

Os ingleses Mount, Kane e Shaw enfrentam o calor antes da estreia na Copa do Mundo: mudança no horário dos treinos para evitar altas temperaturas no Catar (Foto: Divulgação/Inglaterra - 20/11/2022)
Os ingleses Mount, Kane e Shaw enfrentam o calor antes da estreia na Copa do Mundo: mudança no horário dos treinos para evitar altas temperaturas no Catar (Foto: Divulgação/Inglaterra – 20/11/2022)

Efeitos colaterais do ar-condicionado

As temperaturas mais altas no Catar afetam mais torcedores do lado de fora do que os jogadores e público nas partidas da Copa do Mundo já que os sistemas de ar-condicionado nos oito estádios mantém a temperatura perto dos 20 graus. Havia preocupação se a tecnologia funcionaria, mas até agora não há reclamações de calor – ao contrário, torcedores, dirigentes, jornalistas e até jogadores vêm reclamando do excesso de frio.

No mesmo dia em que Sérvia e Camarões se enfrentaram às 13h do Catar, o Brasil entrou em campo no começo da noite com um desfalque no banco de reservas: o atacante Anthony, do Manchester United, havia ficado dois dias sem treinar com tosse e dores de garganta. “Não tenho dúvida que a culpa é do ar-condicionado”, disse o jogador a jornalistas britânicos. Outros jogadores do Brasil e também pelo menos de Inglaterra, Espanha e Dinamarca tiveram sintomas de gripe – nenhum caso grave. O principal suspeito é o ar-condicionado nos estádios e em ambientes fechados.

Cada um dos oito estádios da Copa do Mundo do Catar cada local foi equipado com unidades de resfriamento especialmente projetadas, graças a uma tecnologia desenvolvida na Qatar University que usa energia solar para alimentar ventiladores responsáveis por puxar – e resfriar – o ar externo. Coordenador do projeto, o engenheiro Saud Abdulaziz Abdul Ghani, professor de Engenharia Mecânica e apelidado de “Dr Cool”, garantiu, em entrevista ao site da Fifa, que o ar nos estádio não estava apenas mais fresco mas também mais limpo. “Estamos purificando o ar para os espectadores. Por exemplo, pessoas alérgicas não terão problemas dentro de nossos estádios, pois temos o ar mais limpo e puro que existe”.

Dentro dos estádios, realmente, não há reclamações contra o calor. Mesmo do lado de fora, as temperaturas acima de 30 graus para torcedores, a maioria de férias para a Copa do Mundo, não podem ser comparadas às enfrentadas pelos trabalhadores que ergueram estádios e obras de infraestrutura nos últimos 10 anos no Catar. “Muitos trabalhadores que voltaram do Golfo Pérsico, e mesmo aqueles que trabalharam para construir a infraestrutura necessária para a Copa do Mundo no Catar, deixaram seus países de origem saudáveis e voltaram com problemas renais após serem expostos a temperaturas extremas e condições brutais durante o trabalho”, disse Jason Glaser, CEO da La Isla Network, organização internacional de pesquisa sobre clima e saúde.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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