Crise climática ameaça tornar ciclones bomba frequentes na Região Sul

Climatologista alerta que aquecimento global já prolonga estiagem e provoca eventos extremos de chuva e vento na Bacia do Rio da Prata

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 22 de julho de 2020 - 07:45 • Atualizada em 24 de julho de 2020 - 11:44

Galpão destruído no município catarinense de Palmitos: ciclone bomba ameaça se tornar o novo normal na Região Sul com crise climática (Foto: Divulgação/DCSC)

Do dia 29 para o dia 30 de junho, um ciclone extratropical passou por Rio Grande do Sul e Santa Catarina deixando um rastro de destruição. Em Santa Catarina, 12 pessoas morreram, 190 cidades foram atingidas, cerca de 1,5 milhão de residências ficaram sem luz, mais de três mil pessoas chegaram a ficar desabrigadas ou desalojadas; no Rio Grande do Sul, pelo menos 23 municípios foram afetados, 1.300 moradias foram danificadas e mais de duas mil desabrigados ou desalojados. Pela sua intensidade, o fenômeno foi classificado como um ciclone explosivo forte, um ciclone bomba, com ventos que, em Santa Catarina, chegaram a um recorde de 168 km/h. Uma semana depois, outro ciclone extratropical passou pelo norte do Rio Grande e o sul catarinense: desta vez, o maior impacto foi o volume de chuvas que provocou cheias recordes nos rios da região, além de inundações e alagamentos. “Este segundo ciclone, classificado como explosivo moderado ao passar pelo continente, tornou-se um ciclone bomba ao chegar ao oceano muitas horas depois”, revelou o climatologista Francisco Aquino em live promovida pelo ClimaInfo. “Ou seja, tivemos dois ciclones bomba em praticamente uma semana na região, o que é bastante alarmante”, acrescentou.

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A Bacia do Prata sempre foi uma região onde surgem ciclones. Entretanto, o que estamos observando, é que, com a mudança da circulação atmosférica entre o trópico e a Antártica, os ciclones podem ficar mais intensos, mais perigosos. Por isso, chama a atenção dois ciclones bomba em uma semana, com danos significativos para a população

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Professor do departamento de Geografia da UFRGS e doutor em Climatologia e Mudanças Climáticas, Aquino explicou ainda que, de acordo com recente levantamento, entre 1980 e 2010, 78 ciclones bomba passaram pela Região Sul do Brasil – uma média em torno de 2,5 por ano. Mas apenas 22% deles ocorrem sobre a região continental; a maioria se desenvolve no oceano. “Naturalmente os ciclones bomba sobre o continente causam muito mais estragos, são muito mais destrutivos e motivo de muita preocupação. Mas a crise climática gera cada vez mais eventos extremos e, aqui na Região Sul, ela já vem se manifestando com uma estiagem mais prolongada, o aumento da temperatura e também da precipitação, do volume de chuva. Os gaúchos mais velhos costumam dizer que antigamente era mais frio por aqui. E era mesmo”, afirma Aquino, nascido em Taquari, na região central do Rio Grande do Sul, e hoje diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS, que congrega pesquisadores nacionais e internacionais dedicados à investigação do papel do ambiente glacial no sistema climático, em especial a Antártica.

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O climatologista explicou que o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, o degelo na Antártica e o aquecimento do oceano estão afetando a circulação atmosférica no Hemisfério Sul, provocando essas mudanças no clima e aumentando o número de eventos extremos. “A Bacia do Prata sempre foi uma região onde surgem ciclones. Entretanto, o que estamos observando, é que, com a mudança da circulação atmosférica entre o trópico e a Antártica, os ciclones podem ficar mais intensos, mais perigosos. Por isso, chama a atenção dois ciclones bomba em uma semana, com danos significativos para a população”, explicou o pesquisador da UFRGS. O primeiro fenômeno, pelo número de mortes e pela quantidade de cidades afetadas, já é considerado a pior tempestade a atingir Santa Catarina. Foi mais destrutiva que o furacão Catarina, um inédito furacão tropical formado no Oceano Atlântico e que, quando alcançou o litoral catarinense, em março de 2004, destruiu mais de 1.500 casas e matou 11 pessoas.

Aquino lembrou ainda que o ano de 2020 caminha para ser o segundo mais quente da história, atrás apenas de 2016 – o ano mais quente desde o início das medições em 1880. “Apesar de estarmos num ano considerado neutro, por não haver fenômenos como El Niño ou La Niña, estão sendo registrados temperaturas muito acima das médias, com queimadas na Sibéria e calor de 38 graus no Ártico. O aquecimento global está, inevitavelmente, provocando alterações climáticas e provocando eventos extremos. Não há dúvida alguma que é urgente agir para achatar a curva do aquecimento antes de a chegarmos a um ponto irreversível”, alerta.

Município catarinense alagado após a passagem de ciclone bomba: 12 mortes no estado (Foto: Divulgação/DCSC)
Município catarinense alagado após a passagem de ciclone bomba: 12 mortes no estado (Foto: Divulgação/DCSC)

DNA da Amazônia na chuva do Sul  

Na apresentação promovido pelo ClimaInfo, acompanhada por mais de 100 pessoas, o professor Francisco Aquino também mostrou resultado de pesquisa realizada sobre o ciclone bomba que passou pelo Rio Grande do Sul em 13 de setembro de 2016, que causou uma tempestade, com queda de granizo e ventos de mais de 120 km/h. “Nós recolhemos água da chuva em Porto Alegre para fazer uma análise isotópico. E concluímos que o DNA da chuva que caiu na capital gaúcho durante a passagem do ciclone era totalmente amazônico. É uma prova de como a umidade da Amazônia pode se deslocar rapidamente e provocar uma tempestade ao encontrar a frente fria e temperaturas quentes”, disse o climatologista.

Como em 2016, os pesquisadores da UFRGS recolheram água da chuva para fazer a análise isotônica e identificar seu DNA. “Nossa hipótese é que, efetivamente, isso tenha se repetido nestes ciclones bomba, com umidade vinda da Amazônia, principalmente no segundo quando a precipitação foi ainda mais significativa”, afirmou Francisco Aquino, lembrando que, de 7 a 9 de julho, choveu mais em Porto Alegre do que a média prevista para o mês inteiro. A análise da precipitação no Rio Grande do Sul mostra que tem chovido mais no estado nos últimos anos: em média, 17% a mais no outono, 11% a mais no inverno, 7% no verão e 3% no inverno. “Ao mesmo tempo, os períodos de estiagem estão cada vez mais longos. Toda a Região Sul sofreu com a seca em quase todo o primeiro semestre, com tremendos prejuízos para a agricultura. Ou seja, o volume de chuva aumentou, mas é uma chuva que vem de uma só vez, de maneira intensa. É reflexo da crise climática: tudo aponta para mais eventos extremos, mais ciclones bomba. Precisamos estar preparados”, enfatizou o pesquisador.

O professor Francisco Aquino também destacou que uma pandemia como a da covid-19 foi prevista por pesquisadores que alertavam sobre os impactos das mudanças climáticas sobre o planeta. “O aquecimento global derrete a permafrost (solo congelado do Ártico) e pode liberar vírus congelados há milhões de anos. O desmatamento pode também liberar organismos que afetam a saúde humana. Esses trilhões que países do mundo inteiro estão gastando para conter a pandemia de covid-19 são uma despesa que poderia ser evitada se houvesse investimento em energia renováveis, em transporte público, em saúde e educação de qualidade”, comentou Aquino, insistindo na urgência de enfrentar a crise climática. “Neste ritmo, as mudanças climáticas serão irreversíveis com consequências realmente catastróficas. A multiplicação desses eventos extremos é um alerta”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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