Corte Internacional de Justiça: países podem ser responsabilizados pela crise climática

Decisão histórica da CIJ estabelece que governos têm obrigação legal de reduzir emissões, parar de subsidiar combustíveis fósseis e reparar danos causados a países e comunidades vulneráveis

Por #Colabora | ODS 13
Publicada em 24 de julho de 2025 - 11:39  -  Atualizada em 25 de julho de 2025 - 09:33
Tempo de leitura: 7 min

Ato por justiça climática em frente a Corte Internacional de Justiça, em Haia, Holanda: decisão aponta que Estados podem ser responsabilizados pelo aquecimento global ( (Foto: Teo Ormond-Skeaping / Loss and Damage Collaboration / Divulgação)

Em uma decisão sem precedentes, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) declarou nesta quarta-feira (23/07) que governos que falham em enfrentar a crise climática estão violando o direito internacional. Segundo a decisão, ações governamentais que impulsionam as mudanças climáticas são ilegais e os Estados devem ser responsabilizados legalmente por suas emissões. Pela primeira vez, o mais alto tribunal do mundo deixa claro que governos — têm obrigações legais de cortar emissões de gases de efeito estufa (GEE), evitar danos ambientais e compensar populações afetadas pelas mudanças climáticas.

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A decisão marca um divisor de águas nas disputas climáticas globais e fortalece a responsabilização de grandes emissores. O parecer, solicitado pela Assembleia Geral da ONU após campanha liderada por estudantes do Pacífico Sul e apoiada por mais de 1.500 organizações, foi construído com base em normas internacionais juridicamente vinculantes e reafirma que os impactos climáticos são diretamente causados pela atividade humana e representam uma ameaça urgente aos direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, à saúde e a um ambiente seguro.

A decisão afirma que os países, incluindo aqueles que não são signatários de tratados climáticos, têm o dever de alinhar suas políticas à meta de limitar o aquecimento a 1,5°C, como estabelece o Acordo de Paris, e que isso deve ser feito com o mais alto grau de ambição possível. “A omissão do Estado em tomar medidas adequadas para proteger o sistema climático das emissões de GEE — incluindo a produção e consumo de combustíveis fósseis, concessão de licenças de exploração ou a manutenção de subsídios — pode constituir um ato internacionalmente ilícito, atribuível a esse Estado”, declarou Yuji Iwasawa, presidente da Corte.

Segundo o parecer, não basta aderir voluntariamente a acordos internacionais: o direito internacional exige ação concreta, ambiciosa e baseada nas melhores evidências científicas disponíveis — especialmente os relatórios do IPCC. Além do Acordo de Paris, o parecer reconhece obrigações climáticas estabelecidas em outros tratados, como a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal (e sua Emenda de Kigali), a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção da ONU para Combater a Desertificação, ampliando o alcance legal da decisão.

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Também foi reafirmado o princípio das “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, base da Convenção do Clima da ONU. A Corte reconhece que países desenvolvidos — listados no Anexo I da UNFCCC — têm deveres reforçados de liderança na ação climática, incluindo financiamento, regulação de empresas e apoio aos países em desenvolvimento. “As partes são obrigadas a agir com diligência e garantir que suas NDCs cumpram as obrigações do Acordo de Paris”, declarou Iwasawa. “No contexto atual, dada a gravidade da ameaça representada pelas mudanças climáticas, o padrão de diligência aplicável à elaboração das NDCs é rigoroso. Isso significa que cada parte deve fazer o máximo para garantir que suas NDCs representem a maior ambição possível para realizar os objetivos do acordo”, acrescentou.

Para os juízes, a omissão de um Estado em regular emissões, continuar subsidiando combustíveis fósseis ou permitir a exploração de petróleo e gás pode configurar um ato ilícito internacional. Nesses casos, a Corte afirma que os Estados prejudicados têm direito à reparação integral, inclusive compensações financeiras.

Corte Internacional de Justiça reunida em Haia: países podem ser responsabilizados pelo aquecimento global (Foto; ONU TV / Reprodução)
Corte Internacional de Justiça reunida em Haia: países podem ser responsabilizados pelo aquecimento global (Foto; ONU TV / Reprodução)

Novo capítulo no litígio climático global

A decisão abre caminho para uma nova fase do litígio climático internacional. “O parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça se soma aos pareceres da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Internacional do Direito do Mar no estabelecimento de parâmetros para as obrigações dos Estado no enfrentamento à emergência climática”, destacou Helena Rocha, co-diretora do Programa Brasil e Cone Sul do Cejil – Centro pela Justiça e o Direito Internacional.

Tribunais nacionais e regionais poderão recorrer ao parecer da CIJ como referência para responsabilizar juridicamente governos e corporações que contribuem para o agravamento da crise. Especialistas preveem um aumento de ações judiciais com base nesse novo instrumento legal, especialmente contra empresas de combustíveis fósseis. “Neste sentido, o parecer reconhece que todos os países têm obrigações relativas à redução das emissões de gases de efeito estufa que decorrem de diversos tratados e do direito costumeiro e que a falha em agir pode acarretar um ilícito de Direito Internacional passível de responsabilização”, acrescentou Rocha.

Líder global de clima e energia do WWF (World Wildlife Fund), Manuel Pulgar-Vidal, que presidiu a COP20, disse que a decisão trouxe a “clareza jurídica” que o mundo esperava. “O Tribunal reconheceu corretamente que as mudanças climáticas são uma preocupação comum da humanidade e que um ambiente saudável é a base para a saúde e o bem-estar das pessoas. Este parecer consultivo pode ter implicações de longo alcance para as decisões nacionais e futuras ações judiciais que exijam que os Estados cumpram suas obrigações climáticas, bem como garantam a integridade da natureza e do ecossistema”, afirmou.

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Com base em obrigações vinculantes do direito internacional, a CIJ afirma que não basta a boa vontade: grandes emissores têm o dever legal de cortar emissões e reparar danos causados às populações vulneráveis. A Corte ainda destaca a centralidade da ciência como base para políticas públicas, fortalecendo o respaldo jurídico em negociações internacionais.

O processo consultivo da CIJ teve participação recorde, com 96 Estados e 11 organizações internacionais contribuindo com argumentos jurídicos. Em dezembro de 2024, representantes de povos indígenas e movimentos juvenis, como o PISFCC e o WYCJ, discursaram perante a Corte em nome das comunidades mais impactadas pelas mudanças climáticas.

A conquista é fruto de uma mobilização liderada por jovens estudantes de Direito da Universidade do Pacífico Sul, em colaboração com o governo de Vanuatu, o movimento Pacific Island Students Fighting Climate Change (PISFCC) e a World’s Youth for Climate Justice (WYCJ). Juntos, com o apoio de mais de 1.500 organizações, garantiram a aprovação unânime da resolução na ONU que solicitou o parecer consultivo à Corte Internacional de Justiça .

Um desses estudantes, Siosiua Veikune, de Tonga, estava em Haia para ouvir a decisão da Corte Internacional de Justiça. “Estou sem palavras. Isso é tão emocionante. Há uma tonelada de emoções nos percorrendo. Esta é uma vitória que levamos com orgulho para nossas comunidades”, disse Veikune à BBC. “Esta noite vou dormir mais tranquilo. O CIJ reconheceu o que vivemos — nosso sofrimento, nossa resiliência e nosso direito ao nosso futuro”, afirmou Flora Vano, da ilha do Pacífico de Vanuatu, considerada o país mais vulnerável a eventos climáticos extremos do mundo. “Esta é uma vitória não apenas para nós, mas para todas as comunidades da linha de frente que lutam para serem ouvidas”, adicionou,

John Silk, embaixador das Ilhas Marshall na ONU, um conjunto de atóis afetados pela elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos, disse que a decisão da CIJ significa que mesmo os países que não são signatários de tratados climáticos — principalmente os EUA, que Trump retirou do Acordo de Paris — ainda estão obrigados a agir. “A corte determinou que aqueles que se beneficiaram da exploração de combustíveis fósseis, há décadas, têm uma obrigação para com aqueles de nós que agora sofrem como resultado”, disse Silk à Bloomberg. “Estamos aliviados por termos resolvido isso de forma decisiva”.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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