ODS 1
COP30: apesar de tudo, ainda temos razões para acreditar


Das quedas no desmatamento ao avanço em algumas metas climáticas, precisamos aprender a celebrar as pequenas conquistas


Às vésperas da COP30, encontro climático mais importante do planeta, são muitas e claras as razões que alimentam o pessimismo. E não é necessário ir muito longe para esbarrar com elas, basta olhar para alguns eventos que dominaram o noticiário nos últimos dias. Do tornado no Paraná, com ventos acima de 250 km/h, que devastou a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, deixando seis mortos, dezenas de feridos e centenas de desabrigados; até a volta da escassez hídrica em São Paulo, com o Sistema Cantareira operando com apenas 24% do seu volume útil de água. Enquanto isso, em Belém, no Pará, sede da COP30, as lideranças mundiais sentem de perto o calor humano dos moradores e o calor úmido da Amazônia. Entre um sorvete de cupuaçu e outro de taperebá, alguns dos melhores do Brasil, não será difícil imaginar como ficaria o clima da cidade depois que superarmos a marca de 1,5º Celsius. A linha fina que costura essas histórias de Rio Bonito do Iguaçu, São Paulo e Belém é a mesma: a urgência climática.
Leu essa? COP30 terá que enfrentar a urgência da adaptação climática
A esses exemplos locais poderíamos juntar outros globais, como o negacionismo do governo Trump, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta, que abandonou o Acordo de Paris e não estará na COP30. Seria conveniente também lembrar que 2025 será um dos três anos mais quentes da história da humanidade, juntamente com 2023 e 2024. E, não menos importante, reconhecer, como fez José Eustáquio Diniz neste espaço do #Colabora, que nos últimos 250 anos o ser humano aumentou a sua expectativa de vida e o padrão de consumo graças a um enorme retrocesso ambiental.
A lista de notícias ruins é enorme, vergonhosa. Mas, apesar de tudo isso, ainda existem razões para acreditar que a COP30 pode trazer bons resultados e permitir que cheguemos mais perto dos acordos feitos em Paris há dez anos. Talvez não seja razoável dizer, como fizeram o presidente Lula e o governador Helder Barbalho, que esta será “a melhor COP do mundo”, mas estou otimista. É sério. E vou começar com uma razão bem simples, quase simplória. O homem, como espécie, ocupa o topo da cadeia alimentar, dotado de inteligência superior, pensamento complexo e responsável por várias conquistas. É verdade que já fizemos muita bobagem nos últimos 300 mil anos, mas não precisa ser sempre assim. Não é possível que o ser humano não consiga perceber o risco que corre e não promova uma mudança de rumo. Quem sabe começando em Belém.


Vale destacar também que o mundo já obteve avanços importantes no enfrentamento da crise climática. De acordo com o Observatório do Clima, em 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris, a previsão era de que o mundo caminhava célere para uma temperatura média 3,6ºC mais quente do que o período pré-industrial. Hoje, apesar dos pesares, se consideramos todas as políticas já colocadas no papel, caminhamos para um mundo 2ºC mais quente. É muito, claro, mas estamos caminhando na direção correta.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosOutra razão concreta para algum otimismo é que passamos 29 COPs discutindo metas e indicadores e agora chegou a hora de fazer acontecer, de implementar o que foi combinado. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), por exemplo, segue essa trilha. Trata-se de uma ideia interessante e criativa sugerida pelo Brasil e que vem ganhando apoio de outros países. O objetivo é criar um sistema internacional de pagamento para países que mantêm suas florestas em pé, valorizando o papel dos países tropicais na regulação do clima e na absorção de carbono. O relatório “Caminho Baku-Belém para US$ 1,3 trilhão”, divulgado na semana passada, é outro bom exemplo. Ele propõe ações concretas como, por exemplo, a taxação de atividades poluentes e de luxo, a cobrança de taxas sobre aviação e transporte marítimo, imposto sobre transações financeiras e a troca de dívidas de países em desenvolvimento pela preservação da natureza.
Na linha do copo meio cheio, temos ainda a queda de 11,08% no desmatamento da Amazônia, a terceira menor taxa da série histórica, que começou a ser medida em 1988, e o terceiro ano consecutivo de redução desde o início do governo Lula, que acumula 50% de declínio do desmatamento no bioma em 2025 na comparação com 2022. O Cerrado também manteve a tendência de retração, com queda de 11,49% em relação ao período de agosto de 2023 a julho de 2024. Não é pouca coisa.
A briga não é mais entre esquerda e direita
Em seu livro “Onde Aterrar”, o antropólogo francês Bruno Latour argumenta que as elites mundiais se convenceram de que não haveria vida futura para todos, e decidiram se livrar o mais rápido possível dos “fardos da solidariedade”. Isso explicaria movimentos como o pé no acelerador da produção de petróleo, o fechamento de fronteiras, o aumento das desigualdades e o crescimento das emissões de dióxido de carbono. Latour lembra a metáfora clichê do filme Titanic, quando os passageiros da primeira classe percebem que o naufrágio seria inevitável, apropriam-se dos botes salva-vidas e pedem para a orquestra tocar canções de ninar, enquanto aproveitam a noite escura para fugir do navio antes que a inclinação excessiva chame a atenção das outras classes.
Por outro lado, o autor acredita em uma solidariedade possível para a superação dos graves problemas do atual momento histórico, que ele denomina de “novo regime climático”. Latour propõe o “Terrestre” como um novo “polo de atração” político. Não se trata de um retorno ao local, em um sentido provinciano, mas sim de reconhecer a interdependência entre os seres humanos e os elementos não-humanos que compõem a Terra. Esse “Terrestre” exigiria uma nova forma de política que leve em conta o protagonismo da natureza e a necessidade de habitar o planeta de forma responsável. Para Bruno Latour, o grande conflito político do nosso tempo não é mais entre esquerda e direita, mas entre aqueles que buscam “aterrar” (reconhecendo os limites do planeta e buscando formas de habitar de forma sustentável) e aqueles que buscam a “fuga” (negando a realidade e se isolando das consequências).
Certamente não vamos resolver todas as questões pendentes em uma COP. É fato que ao final do encontro estaremos lamentando as oportunidades perdidas e a falta de ambição, mas é importante comemorar as conquistas, mesmo que sejam pequenas. Vamos precisar de todas elas. Como disse o presidente Lula, em seu discurso no encontro de líderes, “precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”. Faz todo o sentido.
As ameaças ao meio ambiente, incluindo a crise climática, começaram há pouco mais de 200 anos, com a Revolução Industrial, e se agravaram depois das duas grandes guerras mundiais, já a preocupação com a busca de soluções é relativamente recente. A agenda ambiental saiu do nicho dos especialistas e ganhou mais visibilidade na sociedade na década de 1960, quando o debate intelectual sobre conservação começou a se aproximar do movimento da contracultura. Um ponto de virada do ambientalismo foi o lançamento, em 1962, do livro Primavera silenciosa, da bióloga norte-americana Rachel Carson (1907-1964). Publicado primeiramente em fascículos na revista New Yorker, o livro teve uma enorme repercussão nos EUA e no mundo. A partir de uma pesquisa sobre a morte de pássaros no quintal de sua casa, Carson denunciou o uso de pesticidas e seu efeito sobre o ambiente e as pessoas. Hoje somos mais de 8 bilhões de ambientalistas vendo pequenos pássaros morrendo no quintal. Não é possível que não sejamos capazes de mudar essa realidade.
Últimas do #Colabora
Relacionadas
Agostinho Vieira
Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.











































