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Protesto na COP29 contra a falta de responsabilidade dos países ricos no financiamento climático: COP30 enfrentará o imbróglio do financiamento climático (Foto: Kiara Worth / UN Climate Change - 24/11/2024)
COP30 enfrentará o imbróglio do financiamento climático: quem vai pagar a conta?
Dada a complexidade dos fluxos financeiros e a diversidade de atores envolvidos, é crucial um novo contrato político e institucional capaz de impulsionar uma transformação justa
O imbróglio do financiamento climático continua e não será diferente na COP30, que ocorre em novembro, em Belém. É um tema recorrente e que se arrasta há pouco mais de três décadas, quando da adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Considerado um pilar fundamental para viabilizar os investimentos necessários à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, a demanda por recursos vem crescendo à medida que aumentam as necessidades reais de financiamento para manter o aquecimento global dentro dos limites do Acordo de Paris — entre 1,5°C e 2°C. Mas afinal, quanto custará resolver a crise climática e quem vai pagar a conta?
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Um estudo do Grupo de Especialistas Independentes de Alto Nível em Financiamento Climático (IHLEG, na sigla em inglês) vem alertando que é necessário mobilizar, em média, US$ 6,5 trilhões anuais até 2030 e US$ 8 trilhões até 2035 para bancar a transição energética, a adaptação climática e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas nos países mais vulneráveis. Pelos cálculos do grupo, mais da metade desse volume deverá ocorrer em mercados emergentes e países em desenvolvimento, que precisarão de cerca de US$ 2,4 trilhões por ano até 2030 (excluindo a China), e de US$ 3,3 trilhões até 2035.
Muitos dos países mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima são também marcados por alta vulnerabilidade fiscal e níveis elevados de pobreza, o que os torna particularmente dependentes de recursos públicos e financiamento concessional, ou seja, um empréstimo ou ajuda financeira com condições mais favoráveis, como taxas de juros mais baixas ou prazos de pagamento mais longos
O estudo aponta ainda que, deste montante, 40% virão do setor privado — dos quais US$ 400 a 500 bilhões deverão ser aportes internacionais. “Só que os fluxos privados internacionais efetivamente mobilizados hoje para países em desenvolvimento permanecem abaixo de US$ 30 bilhões por ano, ou seja, uma fração do necessário”, chama a atenção a economista Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
Embora seja urgente que os países desenvolvidos aumentem suas contribuições públicas internacionais — o que, de fato, não vem ocorrendo —, Netto defende que o debate sobre financiamento climático vá além do arcabouço tradicional da UNFCCC.
“É necessário adotar uma abordagem mais abrangente e integrada, que considere múltiplas frentes. Em suma, garantir as finanças necessárias para a transição climática exige uma abordagem sistêmica, multissetorial e multinível”, defende Netto, comentando que é preciso reconhecer “a complexidade dos fluxos financeiros, a diversidade de atores envolvidos e a necessidade de um novo contrato político e institucional capaz de impulsionar uma transformação justa e eficaz.”
Temos uma demanda muito maior e crescente por financiamento, seja para mitigação, adaptação e perdas e danos, para nos prepararmos para esse novo clima que já contraímos
Para alavancar o financiamento climático, Netto defende, entre outras alternativas, um maior envolvimento dos bancos multilaterais de desenvolvimento, acesso facilitado dos países emergentes aos fundos climáticos e uma governança global adequada que vai além da Convenção do Clima e inclua fóruns como o G20, reformas do sistema financeiro internacional, maior integração entre agendas de clima, desenvolvimento e estabilidade financeira.
É fato que as necessidades de financiamento e as capacidades de acesso aos recursos públicos variam significativamente entre os países. Levar em conta essas diferenças, argumenta Maria Netto, será crucial nos próximos anos para o avanço de medidas eficazes de financiamento climático. “Muitos dos países mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima são também marcados por alta vulnerabilidade fiscal e níveis elevados de pobreza, o que os torna particularmente dependentes de recursos públicos e financiamento concessional, ou seja, um empréstimo ou ajuda financeira com condições mais favoráveis, como taxas de juros mais baixas ou prazos de pagamento mais longos”, afirma a diretora do iCS.
Dívida climática
Para tentar converter compromissos em resultados e destravar o financiamento climático, o Brasil, que está na presidência a COP30, está produzindo, em parceria com o Azerbaijão, que sediou a COP29, um plano de voo: o “Roadmap de Baku a Belém”. A tentativa é mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para que os países em desenvolvimento consigam fazer a transição climática – um esforço hercúleo, dado que a meta de financiamento climático ficou US$ 1 trilhão abaixo do que fora reivindicado no ano passado, na COP29.
“Há muitas maneiras sutis de os países ricos demostrarem que não estão dispostos a contribuir financeiramente, como, por exemplo, fugindo das negociações sobre o tema”, analisa Stela Herschamnn, especialista em Política Climática do Observatório do Clima (OC). A não aprovação de um financiamento climático adequado ao enfrentamento da crise, tem feito a demanda por recursos não parar de crescer. “Temos uma demanda muito maior e crescente por financiamento, seja para mitigação, adaptação e perdas e danos, para nos prepararmos para esse novo clima que já contraímos.”
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Veja o que já enviamosAté o ano passado, os países ricos eram responsáveis pelo aquecimento e, por isso, pelo custeio da mitigação de suas consequências – a regra estabelecida no Acordo de Paris foi flexibilizada na COP29. Desde então, os países ricos devem estar na “dianteira” desses esforços. “Essa decisão aumentou ainda mais a desconfiança e desconforto entre os países em desenvolvimento”, lembrou Herschamnn, comentando que, desde então, o financiamento climático de US$ 1,3 trilhão reivindicado pelos países em desenvolvimento passou a ser um roteiro importante de como as negociações podem atingir esse novo patamar de recursos na COP30.
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.