COP29 começa aprovando regras para mercado de carbono

Países e ambientalistas reclamam de pressa na aprovação e falta de discussão; mercado de carbono permite compra de créditos para compensar emissões

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 12 de novembro de 2024 - 11:35 • Atualizada em 13 de novembro de 2024 - 10:21

Mukhtar Babayev, presidente da COP29, discursa na plenária inicial em Baku: aprovação polêmica de regras para mercado de carbono (Foto: – Kamran Guliyev)

No dia de abertura da COP29 no Azerbaijão,  quase 200 nações reunidas na Conferência do Clima da ONU concordaram com uma série de regras básicas  para colocar o mercado de créditos de carbono em movimento após quase uma década de discussões. O presidente da COP29, Mukhtar Babayev, saudou o “avanço”, mas disse que mais trabalho era necessário. Mas o acordo foi criticado por alguns países e por ambientalistas – inclusive pela rapidez da aprovação, logo na plenária inicial.

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Outros aspectos-chave da estrutura geral ainda precisam ser negociados, disseram especialistas, mas a decisão aproxima um mercado apoiado pela ONU há muito tempo, negociando créditos de alta qualidade. Babayev celebrou a aprovação da proposta. “Ao combinar compradores e vendedores de forma eficiente, tais mercados poderão reduzir o custo de implementação das NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas] em US$ 250 bilhões por ano. Em um mundo onde cada dólar conta, isso é essencial”, afirmou o presidente da COP29.

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A presidência do Azerbaijão citou repetidamente a “operacionalização total” do Artigo 6 do Acordo de Paris entre suas principais prioridades para a conferência e, no dia da abertura, conseguiu seu objetivo ao fazer com que os países carimbassem regras sobre blocos de construção importantes do novo mercado global de carbono da ONU sob o Artigo 6.4 que foram adotados pelo Órgão de Supervisão do mecanismo no mês passado.

Esse comitê técnico propôs regras por conta própria depois que diplomatas falharam em duas COPs sucessivas em chegar a um acordo para orientar o desenvolvimento de metodologias de crédito de carbono e atividades de remoção de carbono. De surpresa, em sua última reunião antes da cúpula, o Órgão de Supervisão aprovou esses documentos importantes como “padrões” em vez de enviá-los como recomendações a serem disputadas em Baku, como estava previsto. E a decisão da presidência da COP29 em colocar as regras para aprovação logo no dia inicial surpreendeu a maioria – muitos falaram em “golpe” para a aprovação dessas regras para o mercado de carbono.

O golpe aparente deixou os países com uma decisão binária a tomar: aprovar ou rejeitar toda a abordagem. Eles acabaram aprovando com apoio a  uma decisão que “toma nota” da adoção dos documentos pelo Órgão Supervisor, mas reiterando que o painel de elaboração de regras permanece “totalmente responsável” perante a COP e seu trabalho não terminou.

Os críticos acusaram Babayev de apressar as discussões em Baku. “Os estados permitiram que esse movimento desonesto  prevalecesse na busca para começar a COP29 com uma “vitória”. Mas isso dificilmente é uma vitória para as pessoas ou para o planeta. Aprovar essas regras do mercado de carbono sem discussão ou debate estabelece um precedente perigoso para todo o processo de negociação”, protestou Erika Lennon, advogada sênior do Centre for International Environmental Law (CIEL).  “Isso é muito preocupante do ponto de vista processual: ignora a capacidade dos Estados de sequer discutir, muito menos de revisar os padrões antes que entrem em vigor”, acrescentou.

Alguns negociadores também criticaram a forma como o acordo foi feito. Os padrões foram acordados por um pequeno grupo de especialistas técnicos, com alguns países dizendo que não receberam uma palavra justa nas regras finais. Kevin Conrad, diretor executivo da Coalition for Rainforest Nations e ex-enviado climático para Papua Nova Guiné, disse que o conselho supervisor havia excedido seu mandato. “Nós endossamos o que eles fizeram, não a forma como eles fizeram”, disse ele a Reuters.

Um negociador de Tuvalu foi ao plenário para apontar que a nação insular do Pacífico aceitou a decisão “com alguma relutância”, acrescentando que estava “muito desconfortável com essa tendência” de evitar o debate adequado.

Grupos da sociedade civil também criticaram duramente a medida pelo mesmo motivo, mas também porque acreditam que algumas das medidas aprovadas correm o risco de minar a integridade do novo mecanismo de crédito de carbono. Isa Mulder, especialista em políticas públicad da Carbon Market Watch, disse que a decisão “estabelece um precedente ruim para transparência e governança adequada”. “Se esses textos podem ser adotados dessa forma”, ela acrescentou, “onde traçamos a linha?”

Desde o acordo climático de Paris em 2015, a ONU vem elaborando regras para permitir que países e empresas troquem créditos em um mercado transparente e confiável. Os benchmarks adotados em Baku permitirão o desenvolvimento de regras, incluindo o cálculo de quantos créditos um determinado projeto pode receber.

Uma vez instalado e funcionando, um mercado de carbono permitiria que países — principalmente poluidores ricos — compensassem emissões comprando créditos de nações que reduziram gases de efeito estufa acima do que prometeram. Os créditos de carbono teoricamente permitem que países ou empresas paguem por projetos em qualquer lugar do planeta que reduzam as emissões de CO2 ou as removam da atmosfera e usem os créditos gerados por esses projetos para compensar suas próprias emissões. Exemplos de projetos podem incluir o cultivo de manguezais que absorvem CO2 ou a distribuição de fogões limpos para substituir métodos poluentes de cozimento em comunidades rurais pobres.

Pelo texto aprovado em Baku, o novo mercado de carbono da ONU terá um mecanismo compulsório com o objetivo de impedir que desenvolvedores de projetos de crédito de carbono violem direitos humanos ou causem danos ambientais com suas atividades.

Os desenvolvedores de projetos sob o novo sistema de crédito de carbono do Artigo 6.4 da ONU serão obrigados a identificar e abordar potenciais impactos ambientais e sociais negativos como parte de uma avaliação de risco detalhada sob novas regras. Os desenvolvedores também serão solicitados a definir como suas atividades contribuem para metas de desenvolvimento sustentável, como acabar com a pobreza ou melhorar a saúde, juntamente com seu objetivo principal de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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