Concentração de CO2 se aproxima de valores registrados há 14 milhões de anos

A central elétrica de Jänschwalde, na Alemanha, movida a carvão, deverá ser retirada da rede até ao final de 2028. A concentração global de CO2 na atmosfera chegou a 422 ppm em 2023. Foto Patrick Pleul/DPA via AFP

Emissões globais carbono, que estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, atingiram cerca de 40 bilhões de toneladas em 2023

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 13 • Publicada em 19 de fevereiro de 2024 - 08:42 • Atualizada em 28 de fevereiro de 2024 - 09:33

A central elétrica de Jänschwalde, na Alemanha, movida a carvão, deverá ser retirada da rede até ao final de 2028. A concentração global de CO2 na atmosfera chegou a 422 ppm em 2023. Foto Patrick Pleul/DPA via AFP

“Acabou a era do aquecimento global e começou a era da ebulição global”

António Guterres, Secretário-geral da ONU

O aquecimento global representa uma ameaça existencial à humanidade e à biodiversidade. O principal indicador e previsor do aumento da temperatura planetária é o volume de concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, responsável pelo aumento do efeito estufa.

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Antes da Revolução Industrial e Energética – que deu início ao uso generalizado e desregrado dos combustíveis fósseis – a concentração de CO2 na atmosfera, na média, permaneceu abaixo de 280 partes por milhão (ppm), por um largo período. Mas a queima de hidrocarbonetos turbinou o crescimento demoeconômico, ao mesmo tempo que jogava grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera. O clima do Planeta ficou praticamente estável durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). Mas começou a mudar rapidamente no Antropoceno – época em que os seres humanos se transformaram em um força geológica que está colocando em xeque as condições de habitabilidade da Terra.

Nos últimos 250 anos houve um grande aumento do volume populacional e um progresso extraordinário das condições de vida da humanidade, com redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, avanços significativos nos níveis de educação, com significativa melhoria nas condições de moradia e no aumento padrão de consumo. Mas tudo isto teve um custo ambiental terrível, com a aceleração das mudanças climáticas e perda de biodiversidade. Entre 1773 e 2023, a economia global cresceu 156 vezes, a população mundial cresceu 9,1 vezes e a renda per capita cresceu 17 vezes. O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta.

As emissões globais de CO2 que estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram cerca de 40 bilhões de toneladas em 2023.

Em consequência, a concentração de CO2 que manteve uma média entre 200 e 300 ppm durante mais de 800 mil anos, começou a subir no século XIX, atingiu 300 ppm em 1920, chegou a 310 ppm em 1950, alcançou 350 ppm em 1987, registrou 400 ppm no ano do Acordo de Paris, em 2015, e marcou o recorde de 422 ppm em 2023, conforme mostra o gráfico abaixo, da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

Este crescimento exponencial da concentração de CO2 na atmosfera é um fato inédito na história da humanidade e nunca tinha sido visto nos últimos 14 milhões de anos. Segundo o artigo “Toward a Cenozoic history of atmospheric CO2”, publicado na revista acadêmica Science (08/12/2023), a última vez que a atmosfera continha 420 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono foi entre 14 e 16 milhões de anos atrás, quando não havia gelo na Groenlândia e os ancestrais mais próximos dos humanos (hominídeos) ainda não existiam. Isto é muito mais antigo do que os 3 a 5 milhões de anos indicados por análises anteriores.

Este novo estudo é o produto de sete anos de trabalho de um consórcio de 80 investigadores de 16 países e é agora considerado o consenso atualizado da comunidade científica. Se as emissões não sofrerem uma rápida diminuição, a concentração pode aumentar até 600 ou 800 ppm, taxas só alcançadas durante o Eoceno (entre 30 milhões e 40 milhões de anos atrás), quando a vida silvestre e a flora do planeta eram muito diferentes, por exemplo, com insetos enormes.

O gráfico abaixo (Weatherhead, 01/11/2021) mostra que existe uma alta correlação entre os níveis de CO2 na atmosfera e a temperatura global. Quando os níveis de dióxido de carbono estão altos, as temperaturas também ficam altas. As evidências científicas mostram que o aumento da concentração de gases de efeito estufa é um fator de mudança climática de longo prazo. Há cerca de 15 milhões de anos a concentração de C02 ultrapassou a marca de 400 ppm e a temperatura da Terra ficou 4 a 6 graus Celsius acima da média do século XX. O nível dos oceanos estava mais de 15 metros acima dos patamares atuais.

O nível de 350 partes por milhão (ppm) de CO2 na atmosfera é considerado uma meta relativamente segura para manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius, conforme estabelecido no Acordo de Paris. No entanto, não é exatamente o “nível ideal”, mas sim uma meta que os cientistas acreditam ser necessário para evitar impactos catastróficos das mudanças climáticas.

Mas ao invés de cair e reduzir o efeito estufa, a concentração de CO2 continua subindo. O gráfico abaixo, também da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), mostra o crescimento anual da concentração de CO2 na atmosfera e, também, a média decenal de 1960 a 2019 e a média quadrienal de 2020 a 2023. Nota-se que a média decenal foi de 0,86 ppm entre 1960 e 1969, passou para 1,29 ppm na década seguinte, chegou a 2 ppm na primeira década do século XXI, saltou para 2,4 ppm na segunda década do atual século e se mantem em torno de 2,4 ppm no último quadriênio.

O dado de 2023 apresentado no gráfico é provisório, pois a NOAA ainda não divulgou a variação anual. Porém, considerando a diferença de concentração de CO2 entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024 o crescimento anual foi de 3,3 ppm, valor recorde da série histórica. Pior ainda, na semana de 04 de fevereiro a 10 de fevereiro de 2024 a concentração chegou a 425,83 ppm, 5,75 ppm acima do nível da mesma semana do ano de 2023. No ritmo de aumento de 2,4 ppm ao ano, a concentração de CO2 poderia chegar a cerca de 600 ppm no ano 2100, o que seria uma situação catastrófica, pois elevaria as temperaturas para níveis que tornariam inabitáveis a maior parte dos territórios terrestres.

Desta forma, a civilização está percorrendo uma rota perigosa. O aumento da concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato de termos 10 anos seguidos (2014 a 2023) de recordes de temperatura.  O efeito estufa já está trazendo custos enormes para as pessoas, as sociedades e os governos.  Pelo Acordo de Paris as emissões de gases de efeito estufa (GEE) deveriam estar diminuindo, mas, ao contrário, continuam subindo e aumentando o efeito estufa.

O resultado de todo este processo é sabido, pois o aumento das emissões de CO2, elevam a concentração de dióxido de carbono na atmosfera que, por sua vez, amplificam as temperaturas globais. Os números do aquecimento são inquestionáveis e consequências desastrosas são visíveis no dia a dia.

O gráfico abaixo, também da NOAA, mostra as anomalias anuais da temperatura global, entre 1850 e 2023 e as tendências de aquecimento em três períodos selecionados. Observa-se que na maior parte dos anos entre 1850 e 1979 as temperaturas estavam abaixo da média do século XX e a tendência de aquecimento era de apenas 0,02º Celsius por década. Neste ritmo, o mundo gastaria 1.000 anos para aquecer 2º C. No ritmo de 1980-2010 (0,16º C por década) gastaria 125 anos.

E no ritmo veloz do aquecimento do período 2011-2023 (0,34º C por década) o mundo gastaria cerca de 60 anos para aquecer 2º Celsius. Como já houve um aquecimento de cerca de 1,4º C, em relação ao período pré-industrial (1850-1900), pode-se estimar que o mundo chegue aos 2º C, o limite máximo do Acordo de Paris, por volta de 2040. Assim, fica evidente que o planeta está vivenciando uma aceleração do aquecimento global.

Segundo Relatório do Instituto Europeu Copernicus, de 09/01/2024, o ano de 2023 foi confirmado como o ano civil (de janeiro a dezembro) mais quente nos registros de dados de temperatura global que remontam a 1850. A temperatura média global foi de 14,98°C, sedo 0,17°C superior ao valor anual mais elevado anterior (em 2016). O ano de 2023 foi 0,60°C mais quente do que a média de 1991-2020 e 1,48°C mais quente do que o nível pré-industrial de 1850-1900.

O ano passado marcou a primeira vez que todos os dias num ano ultrapassaram 1°C acima do nível pré-industrial de 1850-1900. Perto de 50% dos dias foram mais de 1,5°C mais quentes do que o nível de 1850-1900 e dois dias em novembro foram, pela primeira vez, mais de 2°C mais quentes. Cada um dos meses de junho a dezembro de 2023 foi mais quente do que o mês correspondente em qualquer ano anterior. Os meses de julho e agosto de 2023 foram os dois meses mais quentes já registrados. Setembro de 2023 foi o mês com um desvio de temperatura acima da média de 1991–2020 maior do que qualquer mês no conjunto de dados do Instituto Copernicus. Dezembro de 2023 foi o dezembro mais quente já registado a nível mundial, com uma temperatura média de 13,51°C, 0,85°C acima da média de 1991-2020 e 1,78°C acima do nível de 1850-1900 para o mês.

Em outro relatório, de 09 de fevereiro de 2024, o Instituto Copernicus mostrou que o mês de janeiro de 2024 foi o janeiro mais quente já registrado. A temperatura global do ar na superfície foi de 13,14°C, o que é 0,70°C acima da média de janeiro de 1991-2020 e 0,12°C acima do janeiro mais quente anterior (em 2020). Tendo em conta a média dos últimos doze meses (fevereiro de 2023 a janeiro de 2024), a temperatura média global foi a mais elevada alguma vez já registada, 1,52°C acima da média pré-industrial de 1850-1900.

Dados preliminares de fevereiro de 2024 indicam que outro recorde será quebrado no atual mês. Dados do Instituto Copernicus indicam que a temperatura da superfície global, de 8 de fevereiro, mais uma vez colocou o planeta 2,0°C acima da linha de base do IPCC de 1850-1900, atingindo 2,01°C. As únicas outras vezes que isso aconteceu foi em 17 de novembro de 2023 (2,05°C) e em 18 de novembro de 2023 (2,06°C). Até a metade do mês, todos os dias de fevereiro de 2024 tiveram temperaturas superiores em relação à mesma época do ano, em todos os registros anteriores.

Mas, apesar das altas temperaturas de janeiro e fevereiro, a maior probabilidade é que o ano de 2024 não seja mais quente do que o ano de 2023. Isto porque o fenômeno El Niño começou a enfraquecer no Pacífico equatorial e cresce a possibilidade de instalação do evento La Niña no segundo semestre de 2024.

Os fenômenos climáticos são complexos e a temperatura global não segue uma rota linear e previsível, embora exista uma evidente tendência de aceleração do aquecimento no longo prazo, pois maiores emissões de dióxido de carbono implicam em maior concentração de CO2 na atmosfera, aumentando o efeito estufa e elevando as temperaturas médias do planeta. Já ultrapassamos o limite mínimo de 1,5ºC e estamos no caminho de superar o limite máximo de 2ºC do Acordo de Paris.

A emergência climática é a principal ameaça à vida na Terra. Como disse o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres: “Estamos no caminho para o inferno climático”. Se esta rota não for alterada, as consequências serão catastróficas para os ecossistemas, a economia e a população mundial.

Referências:

THE CENOZOIC CO2 PROXY INTEGRATION PROJECT (CENCO2PIP) CONSORTIUM. Toward a Cenozoic history of atmospheric CO2, SCIENCE Vol. 382, No. 6675, 8 Dec 2023

https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi5177

BETSY WEATHERHEAD. The science everyone needs to know about climate change, in 6 charts. The Conversation, November 1, 2021.

https://theconversation.com/the-science-everyone-needs-to-know-about-climate-change-in-6-charts-170556

COPERNICUS: 2023 is the hottest year on record, with global temperatures close to the 1.5°C limit, 9th January 2024 https://climate.copernicus.eu/copernicus-2023-hottest-year-record

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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