Com alta resiliência, os cactos são espécies de plantas especializadas em resistir à falta de água: Caatinga é uma usina silenciosa de captura de carbono e um laboratório a céu aberto de resistência e inovação climática (Foto: Mirian Fichtner - 21/03/2019)

Caatinga: da invisibilidade à COP30

Caatinga: da invisibilidade à COP30

Por Liana Melo ODS 13

Bioma visto pela ótica da miséria e esterilidade, devido a aridez da região, é uma usina silenciosa de captura de carbono e um laboratório a céu aberto de resistência e inovação climática. Ignorado nas discussões sobre o clima, a região quer estar no centro dos debates sobre as mudanças climáticas

Publicada em 8 de outubro de 2025 - 09:06 • Atualizada em 8 de outubro de 2025 - 11:33

A Caatinga é única. Nenhum outro dos cinco biomas do país é exclusivamente brasileiro e ainda é a maior e a mais diversa floresta seca da América Latina. São mais de quatro mil espécies de plantas e animais, muitos deles endêmicos. Moram no bioma, espalhado por 10% do território nacional, 28 milhões de brasileiros, o que caracteriza a maior população mundial vivendo numa zona árida. Para além de condições naturais adversas, devido ao clima típico do semiárido, com altas temperaturas e longos períodos de estiagem, a Caatinga vive sob ameaça diuturna. Exploração de madeira, queimadas, pastoreiro excessivo de gado, práticas agrícolas inadequadas, com monoculturas e uso descontrolado de agrotóxico, risco crescente de desertificação e, mais recentemente, especialmente na última década, vista como a nova fronteira eólica do país.

Olhem para cá, mas não como vocês sempre olharam. Olhem pra cá com um olhar de que aqui há soluções

Carlos Magno
coordenador do Centro Sabiá

Longe de ser um território de escassez, estigmatizada há décadas por uma visão de miséria e esterilidade, a Caatinga é um bioma de superlativos: uma usina silenciosa de captura de carbono e um laboratório a céu aberto de resistência e inovação climática. O sol inclemente na região acaba com tudo, não poupando gente, bicho ou planta. É um cenário de beleza ímpar: mata rala, arbustos espinhentos e cactos, muitos cactos. As cisternas de placas foram o exemplo mais emblemático da trajetória de convivência com o semiárido, que provocou uma mudança de paradigma importante ao decretar a falência da “indústria da seca”, quando a água era trocada pelo voto.

Só que, à medida que a crise climática avança, sem solução a curto prazo, a Caatinga “pode e deve ser referência no debate climático”, defende Carlos Magno, coordenador do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, que, há 32 anos, atua em Pernambuco.

Às vésperas da COP30, entre os dias 1 e 4 de outubro, lideranças indígenas, quilombolas, assentados, agricultores agroecológicos, cientistas, movimentos sociais e gestores públicos mergulharam no agreste pernambucano. Foram quatro dias vivenciando uma experiência imersiva, quando foram percorridos mais de 400km, em sete municípios, para conhecer soluções de adaptação à crise climática em cidades como, por exemplo, Caruaru, Garanhuns e Buíque. A primeira-dama Janja Lula da Silva esteve presente no primeiro dia do encontro.

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Para romper o bloqueio da invisibilizada no debate ambiental e nas conferências do clima, que perdura há anos, o Centro Sabiá, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), promoveu a Caatinga Climate Week – inspirado em encontros internacionais como Climate Week em Nova Iorque. O objetivo foi colocar a Caatinga no centro do debate: “Foi um chamado global para reconhecer o semiárido pernambucano como um território estratégico na agenda climática”, explicou Magno.

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“A intenção é justamente dar visibilidade tanto ao bioma, por toda sua invisibilidade e por sua importância, por ser um bioma exclusivamente brasileiro, mas também por ser um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas, com suas áreas de desertificação”, comentou Liliana Pires, do ISA, durante o seminário. O bioma vem sendo vítima de uma ausência de infraestrutura adaptada ao clima Semiárido, o que agrava a pobreza e a desigualdade social na região

Caatinga Climate Week ocorreu em Caruaru, pela primeira vez. (Foto: Arthur de Souza)
Caatinga Climate Week ocorreu em Caruaru, pela primeira vez. (Foto: Arthur de Souza)

“Olhem para cá, mas não como vocês sempre olharam. Olhem pra cá com um olhar de que aqui há soluções”, propôs Magno, defendendo uma nova perspectiva sobre a Caatinga. Não mais sob a ótica da escassez, mas com vistas a exportar soluções climáticas de adaptação – tema considerado um dos pilares da COP30. A Caatinga tem potencial enorme de experiências que podem ensinar o Brasil e o mundo a como se adaptar em um contexto de mudanças do clima. E também uma escola viva de projetos de adaptação com justiça social.

Na comunidade Serrote dos Bois, localizada a 7km de distância de Caruaru, a capital do agreste pernambucano, os agricultores locais tiveram que se substituir a tradicional batatinha pela macaxeira — um alimento nativo do Norte e Nordeste do país. A mudança do clima estava inviabilizando a produção da Associação dos Produtores de Batatinha de Caruaru (Aprobaca). Só que o problema, parcialmente resolvido, não foi ainda totalmente solucionado. Os agricultores temem pelo futuro, porque a mudança climática não dá sossego. Com o aumento das temperaturas e os regimes de chuva desequilibrados, a produtividade do cultivo de macaxeira vem sendo fortemente afetada. A reflexão já está no horizonte dos agricultores locais: até que ponto será possível se adaptar às mudanças climáticas?

“A mudança do clima é igual a Covid, atinge a todos, mas os impactos são diferenciados”, comparou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), que também participou da experiência imersiva. Ele chamou a atenção para o fato de que os impactos da mudança do clima vão muito além dos dados estatísticos: “Esses impactos da mudança do clima são um castigo extra para quem não tem condições de se defender e são vítimas da desigualdade social.”

A líder indígena da região, Elisa Pankararu, refletiu em alto e bom som sobre a condição da Caatinga, corroborando com a necessidade urgente de quebrar barreiras e mudar a visão sobre a região: “Historicamente e culturalmente se construiu uma imagem negativa do nosso bioma. Um histórico de preconceito, discriminação e miserabilidade. No imaginário popular, somos vistos como uma região de mulheres feias, maridos magros e crianças magras e feias também. Mas somos beleza e resistência”.

Usina de carbono

A Caatinga é uma usina silenciosa de carbono – um ativo climático estratégico cobiçado pelo mundo. O gás carbônico capturado pelos cactos, arbustos e árvores pequenas do bioma responderam por 50% de todo o carbono sequestrado no país em 2022. Ao mesmo tempo em que captura o carbono, armazena no seu solo, como uma espécie de cofre natural, 72% desse ativo.

A Caatinga é uma solução viva para o planeta e não um problema”. O trecho faz parte do documento que o Instituto Nacional do Semiárido (Insa) quer levar à COP30. A combinação de mineração, agricultura industrial e a expansão desordenada dos parques agrônomos e solares vêm comprometendo a integridade do bioma: 100 mil quilômetros da Caatinga estão em situação crítica.

Segundo Aldrim Perez, as pesquisas do Insa têm demostrado que as florestas do semiárido brasileiro podem retirar da atmosfera até sete toneladas de gás carbônico (CO2) por hectare por ano. Os gases são retidos nas folhas, tronco, raízes e solo. Os estudos concluíram que a região do semiárido é mais eficiente no sequestro de carbono do que outros biomas de climas mais úmidos, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica.  A pesquisa mostrou ainda que até mesmo as regiões mais áridas da Caatinga são capazes de sacar entre 1,5 e três toneladas anuais de gás carbônico, um indicador ambiental bastante expressivo.

O mercado de carbono é um dos tema-chaves da COP30. Não à toa o Brasil, que está na presidência do conferência da ONU, lançou uma proposta história: a Coalizão Aberta para Integração dos Mercados de Carbono, iniciativa que está sendo liderada pelo Ministério da Fazenda.

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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