ODS 1
Acordo de Paris pôs clima na pauta, mas Terra está fervendo
Cinco anos depois do compromisso multilateral pelo planeta, medidas, que eram urgentes naquele momento, precisam se tornar mais ambiciosas imediatamente
O maior tratado de governança global do clima a envolver países ricos e em desenvolvimento pôs definitivamente o tema na ordem do dia de empresas, investidores, governos e organismos internacionais. Não só isso: passou a direcionar a transição para uma economia de baixo carbono em todos os países. A participação do setor privado vem sendo essencial para avanços na redução de gases do eeito estufa (GEE), mas, olhando à frente, será preciso ainda mais engajamento de empresas e governos para corrigir o rumo e eliminar práticas não sustentáveis. O compromisso global assumido pelos países por meio de suas contribuições nacionalmente determinadas, as NDCs, ainda não é capaz de limitar o aumento da temperatura a 1,5º C. Será necessário mais do que vem sendo feito ou, para resumir melhor ainda: a conta não fecha.
A questão climática virou assunto, mas não deslanchou como deveria. A ocorrência de eventos extremos e mais frequentes, altas temperaturas e impactos na biodiversidade foram mais sentidos em cenas difíceis nos últimos tempos: ursos polares passando fome durante o derretimento recorde do Ártico no verão; onças queimadas depois dos incêndios no Pantanal; a nuvem de fumaça de incêndios da Amazônia chegando a São Paulo; a nuvem de gafanhotos ameaçando lavouras no sul do país; e o embranquecimento de corais no Nordeste pelas altas temperaturas dos oceanos. Sem esquecer que estamos isolados há meses, enfrentando uma pandemia global.
Foi justamente a previsão de que assistiríamos a desequilíbrios climáticos mais intensos que uniu 195 países, inclusive o Brasil, há 1.827 dias na capital francesa, para assinatura do acordo. Pela primeira vez, os compromissos foram distribuídos entre os maiores emissores, os países desenvolvidos, e os emergentes, que estrearam no sistema de metas. A responsabilidade passou a ser de todos, com objetivo claro: impedir que o planeta aqueça 2ºC. Se o limite for ultrapassado, os danos serão irreversíveis, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU: desaparecimento de 30% das espécies, além de eventos climáticos mais graves e trágicos.
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Veja o que já enviamosEssa governança global do clima, instituída pelo Acordo de Paris, começou a pautar toda a agenda econômica e vem revolucionando as finanças globais. Grandes investidores e fundos institucionais têm modificado seus portfólios, para beneficiar iniciativas e empresas mais limpas, e retiram recursos de países e companhias não comprometidos com a causa. “Risco climático é risco de investimento”, resume Larry Fink, CEO da maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, que tem US$ 7 trilhões sob sua administração.
Ao mesmo tempo, corrigir o rumo e tornar a economia mais sustentável e regenerativa trazem mais oportunidades de negócio. Estudo recente do WRI Brasil mostrou que o Produto Interno Bruto pode crescer em R$ 2,8 trilhões e gerar 2 milhões de empregos até 2030 com políticas voltadas à economia verde. Na outra ponta, os grandes bancos nacionais anunciaram que pretendem financiar iniciativas sustentáveis e os maiores investidores globais também exigem que as empresas sigam critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).
As principais economias do mundo também dobraram a aposta em políticas e incentivos econômicos verdes, movimento influenciado pela necessidade de maior resiliência frente à crise causada pela pandemia e pela mudança do clima. Reino Unido, Japão, Coréia do Sul, China e União Europeia começaram a adotar políticas para incentivar mudanças na condução dos negócios. Esta é a trajetória indubitável do comércio internacional na corrida em curso – e que temos condições de liderar.
Com isso em mente, o CEBDS vem desenvolvendo proposta de Marco Regulatório para a criação de um mercado de carbono compulsório no Brasil. Passo que permitirá a nossas empresas minimizar gastos, com a liberdade de escolher tecnologias mais adequadas e tomar a decisão de pagar o preço pela emissão, de acordo com seus custos de controle e metas de produção e expansão. Estamos neste caminho: três em cada cinco empresas já atribuem preço ao carbono no Brasil.
Soluções econômicas baseadas na natureza têm o potencial de gerar até US$ 17 bilhões até 2030, segundo estudo recente do CEBDS. Já o Fórum Econômico Mundial estima que há um potencial de US$ 10 trilhões, com a criação de 395 milhões de empregos nos próximos dez anos, caso os negócios optem por soluções baseadas na natureza. O mercado financeiro monitora com lupa o comportamento das empresas, e novos critérios de divulgação de resultados (disclosure) incluem cada vez mais o risco ambiental na matriz de decisão dos investidores.
As ações das empresas e as mudanças nas finanças globais são resultados dos movimentos iniciados com o Acordo de Paris. É neste cenário que elaboramos um novo conceito de futuro, a Visão 2050, com o que esperamos dos negócios daqui a 30 anos no país. Nossos empresários apostam em uma economia circular e regenerativa, que recupere sistemas de apoio à vida para reduzir estragos já causados.
Vivemos uma corrida mundial por uma economia mais limpa, com o presidente eleito dos EUA, Joe Biden, e a China sinalizando o mesmo caminho. Os movimentos recentes dos dois países – maiores economias e principais emissores – eleva as expectativas para os próximos capítulos da governança climática. No fim de 2021, acontece a COP-26, em Glasgow (Escócia), quando discutiremos novas metas para evitar impedir o aumento fatal da temperatura do planeta e a negociação do Artigo 6, essencial para dar a abrangência e alcance necessários para o setor privado alavancar esforços. Será um novo capítulo para o Acordo de Paris e o retorno às mesas de negociação. O setor empresarial estará presente, com sua visão de futuro e disposto a contribuir.
Chegou a hora de, com a cabeça fria, unirmos esforços para esfriar o planeta.
Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.