Opções veganas de produtos como queijo e carne costumam ter alto custo nas prateleiras de supermercados e em restaurantes, afastando muitos consumidores de baixa renda que têm alergia a produtos derivados de animais ou mesmo querem seguir uma dieta mais restritiva. Um leite vegetal, por exemplo, custa em média R$ 20 o litro.
Mas existem substituições bem acessíveis, saborosas e até mais saudáveis que podemos fazer em casa, garante a estudante Rafaela Gomes, de 25. Filha de uma confeiteira e garçonete, ela aprendeu, por necessidade, a produzir os mais diversos doces sem vestígio animal, e hoje repassa seu conhecimento à comunidade onde vive, na Mangueira, Zona Norte do Rio de Janeiro, e também através das redes sociais.
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“A escassez e o direcionamento que as marcas dão para seus produtos faz o preço deles ficar muito alto. Acredito que o mercado hoje pensa que seu consumidor é a Xuxa, que é vegana, não na pessoa da comunidade”, afirma Rafaela, que também não come nada de origem animal.
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Veja o que já enviamosPesquisa do Ibope feita em 2018, encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira, estima que cerca de 7 milhões de brasileiros seriam veganos (3,2% da população). Um outro levantamento, de 2022, feito pelo Ministério da Economia a pedido da CNN Brasil, aponta que, em 10 anos, o número de empresas abertas com o termo “vegano” no nome cresceu mais de 500%.
Adaptações por necessidade
Nascida em Barretos (SP), Rafaela cresceu em meio a livros de receitas que a mãe comprava para fazer e vender doces. Aos 8 anos, aproveitava a ausência da matriarca para tentar fazer igual a ela na cozinha. E sabendo que não poderia gastar todo o material, adaptava o que lia.
Se não tinha tanto ovo, por exemplo, misturava com algo líquido, como óleo, e sempre colocava menos açúcar. Muitas vezes dava errado, ela lembra sorrindo, mas com o tempo foi acertando nas substituições. Na adolescência, era ela quem levava os bolos de aniversário de parentes e amigas – veganos ou não, até porque naquela época nem entendia o conceito, muito menos pensava em trabalhar como a mãe.
O sucesso de seus doces chegou ao Rio de Janeiro em 2017, quando mudou-se para a capital para cursar Museologia na Uni-Rio. Um despretensioso churros que fez para uma amiga correu aos quatro cantos da faculdade pública, e em todos os encontros da turma ela passou a ser a convidada de honra, já que sempre levava um doce.
Sempre atrás de fazer dinheiro para pagar as contas, ouviu de alguns amigos ambulantes a ideia de vender seus produtos, e em 2020 nasceu a Xodó Patú, confeitaria com sede na cozinha de sua casa.
Ela se inscreveu em cursos de empreendedorismo, assistiu a vídeos pela internet com receitas variadas – saudáveis ou não –, e com R$ 700 que tinha no banco comprou os ingredientes mais simples que deu para seus primeiros bolos. Colocou cada um num pote, bateu de porta em porta pela Mangueira, e também levou para as amigas de faculdade.
“Foi aí que lembrei que algumas não comiam ovo e leite, e outras evitavam açúcar, então entendi que precisava existir, dentro da Xodó, alguma coisa mais acessível”, ela conta.
Estranheza com termos como vegano e glúten free
Sem verbas para mais cursos, Rafaela aprendeu nas redes sociais mesmo tudo que podia sobre comida vegana. “Fui procurando receitas e adaptando. Usava todos os leites vegetais que existiam até chegar a um que funcionasse, por exemplo”, conta a confeiteira, que agora vende seus doces pela internet e participa de feiras, enquanto conclui a Faculdade de Museologia.
Escolheu a Páscoa de 2021 para divulgar o seu trabalho, e saiu distribuindo doces para as crianças da comunidade. Muitas mães, no entanto, não deixaram seus filhos provarem suas guloseimas devido à intolerância ao leite ou à diabete. E ao tentar explicar que tinha opção vegana e sem açúcar, deu um nó na cabeça das vizinhas. “Eu entendi que na comunidade as pessoas não estão familiarizadas com o nome vegano. A mãe que tem criança com intolerância à lactose vai sempre buscar por alimento sem proteína do leite. Ela não entende termos como glúten free.”
Ao perceber esses ruídos de comunicação e a falta de informação mesmo, Rafaela foca hoje em compartilhar tudo que aprendeu. Ao distribuir ou vender seus doces, ensina a fazer substituições como usar o bicarbonato de sódio com limão ou vinagre de maçã no lugar do fermento, ou ainda misturar água a uma daquelas garrafinhas de leite de coco concentrado para fazer um leite vegano. Ela custa menos de R$ 7. Até semente de melão vira leite, ela complementa: “Fui sentindo o quanto as pessoas precisam de informação, e numa linguagem acessível. Hoje estou construindo um curso de receitas com termos mais compreensíveis”.
No fim de julho, Rafaela foi convidada a participar da Favela Expo Innovation, evento que reuniu empreendedores das comunidades para mostrar suas iniciativas. No próximo dia 24 de agosto, ela dará sua primeira aula presencial sobre o tema, para mulheres. E já há convite para atuar em eventos de ONGs que trabalham com Fome Zero e acessibilidade. “Hoje meu trabalho é dividido entre a Xodó e o compartilhamento de informações”, conclui.