Em crise, indústria hoteleira ajuda hospitais e vulneráveis

Funcionário na recepção do Hotel Melià, em Barcelona, que passou a receber pacientes com covid-19 que têm alta dos hospitais (Foto: Robert Bonet/NurPhoto)

Redes cedem quartos para profissionais de saúde e doam alimentos, entre outras iniciativas de uma das áreas mais afetadas impactadas pelas consequências da Covid-19

Por Carla Lencastre | ODS 12 • Publicada em 22 de abril de 2020 - 10:08 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 22:21

Funcionário na recepção do Hotel Melià, em Barcelona, que passou a receber pacientes com covid-19 que têm alta dos hospitais (Foto: Robert Bonet/NurPhoto)

A indústria de viagens é desde já uma das mais afetadas em todo o mundo pela pandemia. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que, no caso do Brasil, será também uma das últimas a se recuperar da crise. Em todo o país, apenas na segunda quinzena de março o setor perdeu R$ 11,96 bilhões em receita, o que representa uma queda de 84% em relação ao mesmo período de 2019. Os dois estados com maiores prejuízos foram São Paulo (R$ 4,45 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 1,72 bilhão).

O impacto da crise será duro para a hotelaria, sejam as grandes redes ou os pequenos hotéis independentes. A oferta é muito maior do que a procura, e a alta da taxa de ocupação ainda parece distante. A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) divulgou que o Rio tem apenas 20 mil quartos disponíveis (de um total de 54 mil), e menos de 5% de ocupação. Pelo menos 60 hotéis da cidade suspenderam temporariamente as operações, incluindo os de luxo, como o clássico Belmond Copacabana Palace, fechado pela primeira vez em 97 anos; o Fairmont Copacabana, inaugurado há menos de um ano, e o Fasano, há uma década no Arpoador. A ABIH-RJ estima prejuízo de mais de R$ 130 milhões somente em abril. Na Bahia, o grupo português Pestana anunciou o encerramento definitivo das suas atividades no Pestana Convento do Carmo, há 15 anos no Centro Histórico de Salvador.

Há risco real de que outros hotéis não reabram. Entidades de classe clamam por ajuda governamental, que será mesmo necessária para evitar demissões em massa. Ainda não se sabe quando começa a retomada, mas já ficou claro que o ano de 2020 está comprometido. Neste cenário sombrio, vários hotéis tomam iniciativas solidárias, localizadas ou de grande alcance. O consumidor está de olho. Viajantes e viagens não serão como antes. 

Apresentada no início de abril, a pesquisa “Pulso turismo e covid-19” mostra que 51,03% dos viajantes brasileiros não pretendem consumir produtos de marcas que não tratem clientes e colaboradores de forma adequada durante a crise. A pesquisa foi realizada pelo recém-criado Trvl Lab Laboratório de Inteligência de Mercado em Viagens, uma parceria da Mapie, consultoria de gestão estratégica de serviços na área de hospitalidade, e da Panrotas, plataforma de mídia especializada na indústria de viagens. Segundo a pesquisa, 41,44% dos consumidores estão não apenas acompanhando empresas de viagens como se sentiram estimulados a contribuir de alguma forma com ações promovidas pelas marcas. Destes, 20,55% efetivamente contribuíram. Outro dado mostra que 65% das companhias vão rever estratégias e investimentos (apenas 4% acreditam em um fechamento definitivo).

Inaugurado há menos de um ano, o Fairmont está fechado no Rio de Janeiro IFoto Carla Lencastre)

Manter a reputação durante a crise parece ser fundamental para continuar no jogo quando isso tudo passar. E a indústria de hospitalidade demonstra belos exemplos de solidariedade para com profissionais de saúde e pessoas vulneráveis. Um dos melhores exemplos da hotelaria tem sido ceder quartos vazios, sem custo, para abrigar profissionais de saúde. Foi o que fez o Chelsea, milionário clube da Premier League inglesa que emprestou o Millennium Hotel, dentro de seu estádio (Stamford Bridge) em Londres, para o National Health Service (NHS), o sistema de saúde britânico. E o Claridge’s, um dos hotéis de luxo mais famosos da capital.

Ainda na Grã-Bretanha, a Best Western Great Britain, marca americana que abriga um dos maiores grupos de hoteleiros independentes no Reino Unido, pôs à disposição do NHS os 270 hotéis sob a sua bandeira na Inglaterra, na Escócia e no País de Gales. São mais de 15 mil quartos e mil salas de reuniões. Neste caso, receber profissionais de saúde ou pacientes não é novidade para a tradicional marca. Hotéis da BWGB funcionaram como hospitais durante as duas guerras mundiais. Outras grandes bandeiras, como Holiday Inn (do InterContinental Hotels Group, IHG), Premier Inn e Travelodge, seguem o mesmo caminho.

Do lado de cá do Oceano Atlântico, o Four Seasons New York, luxuoso hotel no epicentro atual da epidemia, está abrigando profissionais de saúde. Também há bons exemplos no Brasil. A rede Dom Rafael, com quatro hotéis em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, cedeu um deles para os funcionários do Hospital Universitário (HUSM) da cidade.

Algumas grandes redes hoteleiras optaram por oferecer tarifas solidárias, mais em conta, para hospitais particulares hospedarem funcionários e prestadores de serviço; órgãos do governo e pessoas em grupo de risco que precisem de um local de isolamento. É o caso da francesa AccorHotels e da americana Marriott International. A Marriott adotou a tarifa solidária em quase 2.500 hotéis nas Américas, entre eles o JW Marriott Rio, em Copacabana; o Residence Inn, na Barra da Tijuca, e o Sheraton Porto Alegre. Nos Estados Unidos, a Marriott e o grupo Hilton, outro gigante da hotelaria, fizeram uma parceria com o cartão de crédito American Express e cederam quartos gratuitamente aos profissionais de saúde em Nova York, Nova Orleans e outras das cidades americanas mais atingidas pela epidemia. 

Outra iniciativa da hotelaria vem na forma de doação de alimentos perecíveis e não perecíveis em estoque ou arrecadados em campanhas locais. Foi o caso do cearense Beach Park, resort e parque aquático fechado desde meados de março que doou 30 toneladas de alimentos em geral e bebidas e fez uma campanha para arrecadar outras 20 toneladas para as comunidades da região de Aquiraz, nos arredores de Fortaleza, que vivem do turismo. O balneário pernambucano de Porto de Galinhas fez a mesma ação. Hotéis, pousadas e restaurantes, todos fechados temporariamente, doaram dez toneladas de alimentos para a população local que trabalha com turismo, e continuam organizando novas campanhas. 

Nos Estados Unidos, a gigante MGM Resorts, que opera alguns dos maiores hotéis e cassinos de Las Vegas, doou o equivalente a 450 mil refeições a instituições americanas. Voltando para o lado de lá do Atlântico, o grupo Monte-Carlo Société des Bains de Mer, que administra o cassino do principado, hotéis de luxo e restaurantes com estrelas Michelin, reuniu voluntários entre os chef de confeitaria do grupo para criar ovos de Páscoa. Foram mais de 700, feitos em três dias especialmente para serem doados ao Hospital de Mônaco. 

Enquanto isso do outro lado do mundo…

Na Ásia, já em uma fase diferente da epidemia, hotéis encontraram novas oportunidades de negócios. Diferentemente das propriedades na Europa e nas Américas que estão abrigando profissionais de saúde, em países da Ásia como Tailândia e Singapura muitos hotéis estão oferecendo quartos a preços reduzidos pelo período de duas semanas. É para quem quer ou precisa fazer quarentena, seja porque teve contato com alguém infectado, porque está voltando para casa vindo de outra região ou porque está temporariamente fora de casa por conta de cancelamentos de voos e fechamento de fronteiras. Há ainda casos de resorts de luxo que foram escolhidos para isolamento social pelos muito ricos de países europeus que chegaram antes da redução dos voos e das fronteiras fechadas. 

Em meados de abril, uma notícia diferente veio da China. O grupo IHG confirmou para 16 de maio um novo hotel de luxo, o Regent Pudong Shanghai. É a primeira inauguração hoteleira anunciada desde o início da pandemia. Ao mesmo tempo, em Londres, o IHG fez parceria com a prefeitura para abrigar vulneráveis em seus hotéis. Hospitalidade de ponta a ponta.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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