Remoções Olímpicas

A casa de Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo, sendo demolida para a construção da Vila Olímpica

Projetos de infraestrutura e eventos como a Rio 2016 expulsam 15 milhões de pessoas por ano de suas casas

Por Flavia Milhorance | ODS 11 • Publicada em 12 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 13 de maio de 2016 - 12:36

A casa de Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo, sendo demolida para a construção da Vila Olímpica
A casa de Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo, sendo demolida para a construção da Vila Olímpica
A casa de Maria da Penha Macena, moradora da Vila Autódromo, sendo demolida para a construção da Vila Olímpica

As casas demolidas da Vila Autódromo viraram um ícone dos despejos realizados para dar espaço às instalações olímpicas. Não foram as únicas do Rio, nem as únicas de cidades que sediam megaeventos. Tampouco é um fenômeno recente ou localizado. O Conselho Norueguês de Refugiados (CNR) está certo de que grandes projetos de infraestrutura, especialmente no caso de eventos esportivos internacionais, têm forçado milhões no mundo a deixarem suas habitações sem muitas garantias em troca.

O exemplo do Rio mostra que por trás da fachada dos grandes eventos, existe muita vulnerabilidade e exclusão. Este tipo de projeto coloca em xeque os objetivos de desenvolvimento inicialmente pretendidos. É um desenvolvimento insustentável, porque está empurrando pessoas ainda mais para a pobreza.

O centro de monitoramento de deslocamentos internos, ligada ao CNR, acompanha o movimento de populações que precisam deixar suas casas devido a desastres naturais ou conflitos e buscar novos locais de moradia dentro de seu próprio país. A cada ano, o órgão publica dados atualizados num relatório, que é usado por organizações como a ONU para buscar novas políticas e acordos. No documento deste ano, divulgado nesta quarta-feira, o órgão quis chamar a atenção para uma peça que faltava:

“Decidimos incluir o grupo de pessoas deslocadas devido a projetos públicos ou privados, que vão desde obras de transporte, barragens etc. até eventos esportivos. Existe uma grande quantidade de pesquisa isolada sobre o assunto, mas não há dados globais que dão a amplitude do fenômeno. Pelos poucos dados que temos, no entanto, acreditamos que o impacto é enorme. Há milhões e milhões de pessoas deslocadas por essa razão ao redor do mundo a cada ano”, explica Alexandra Bilak, diretora interina do centro e uma das autoras do relatório “Global Report on Internal Displacement (GRID 2016)”.

A ideia é tornar mais consistente e contínua a coleta de informações sobre o grupo. Estimativas parciais citadas pelo relatório apontam para 15 milhões de pessoas deslocadas anualmente devido a projetos de infraestrutura. Na China, seriam 80 milhões de deslocamentos entre 1950 e 2015; e na Índia, 65 milhões, entre 1947 e 2010.

Em poucos casos, as remoções seguem boas práticas e garantem compensações. Mas geralmente, diz o relatório, as populações sofrem constantes violações de direitos humanos, especialmente no caso de indígenas e pobres.

Neste ano, o documento destaca as remoções relacionadas às Olimpíadas do Rio, citando o caso da Vila Autódromo, e descreve o processo desde 2009, após as indicações da cidade para sediar os jogos e a Copa do Mundo. O texto critica a falta de informação prestada aos moradores durante o processo, as baixas compensações financeiras, a longa distância das antigas moradias imposta às famílias e a série de confrontos entre organizações, moradores e autoridades policiais.

“Com o exemplo do Rio, queríamos mostrar que atrás da fachada dos grandes eventos, existe muita vulnerabilidade e exclusão”, comenta Alexandra. “Existem milhares de exemplos como esse no mundo, então é claro que este tipo de projeto está colocando totalmente em xeque os objetivos de desenvolvimento inicialmente pretendidos. É um desenvolvimento insustentável, porque está empurrando pessoas ainda mais para a pobreza”.

Quando questionado sobre o assunto, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, costuma dar outra versão. Em duas entrevistas recentes, uma no “El País” e outra no “SwissInfo (SWI)”, Paes disse que, embora entidades estimem milhares de remoções na cidade, o único caso de fato relacionado às Olimpíadas foi o da Vila Autódromo. Mesmo assim, o processo foi negociado e ninguém saiu de lá forçado. “Esse foi um processo dramatizado e explorado politicamente”, criticou o prefeito ao “SWI”.

Milhões de deslocamentos por desastres naturais e conflitos

Além de incluir o caso de remoções para obras de infraestrutura, o CNR reuniu, pela primeira vez numa única publicação, os números de deslocamentos internos devido a conflitos e desastres naturais. Segundo Alexandra, assim é possível ter uma visão mais completa da situação no mundo, além de mostrar que a relação entre causas e consequências dos deslocamentos não é isolada.

“Tendemos a pensar que os deslocamentos ocorrem por situações específicas”, afirma Alexandra. “Mas nunca há uma única razão para a pessoa se mudar, a menos que seja um caso como o da Síria, onde casas são bombardeadas diariamente. Na maioria, no entanto, este processo é mais complexo”.

“No contexto, geralmente há instabilidade política, violência constante, junto com incertezas econômicas, que ainda podem ser intensificadas por pressões ambientais à subsistência”, completa.

Os 144 mil deslocamentos no Sudão, por exemplo, foram causados por conflitos violentos, cujas raízes estão na seca e na degradação ambiental, responsável por provocar uma crise alimentar, que, agravada, deixou famílias famintas e sem suporte do governo. No Haiti, assentamentos informais superlotados e a inabilidade das autoridades em garantir segurança e a reconstrução do país após o terremoto de 2010 formam o pano de fundo para os 1,5 mil deslocamentos.

No total, segundo o relatório, foram mais de 27,8 milhões de novos deslocamentos internos em 127 países durante 2015, mais do que as populações de Nova York, Londres, Paris e Cairo combinadas. Destes, 19,2 milhões estão associados a desastres naturais, mais do que o dobro dos referentes a conflitos e violência (8,6 milhões).

Entre os deslocamentos por conflitos, 4,8 milhões estão no Oriente Médio ou Norte da África e estão relacionados aos desdobramentos da Primavera Árabe e do fortalecimento do Estado Islâmico. Iêmen, Síria e Iraque representam mais da metade do total global.

No caso daqueles ocasionados por desastres naturais, a maioria ocorreu em países em desenvolvimento. O Sul e o Leste da Ásia são os mais afetados. Índia (3,7 milhões), China (3,6 milhões) e Nepal (2,6 milhões) têm os maiores números absolutos. No Brasil, segundo o relatório, seriam 59 mil por desastres, no caso, ocasionados pelas enchentes e desabamentos, bem conhecidos do brasileiro.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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