O Rio de Janeiro pode fazer mais para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas

Rio, 41 graus: redução de árvores, o aumento do congestionamento e a explosão do concreto contribuíram para o aumento da temperatura média (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Uso crescente de tijolo, cimento e aço torna a cidade mais vulnerável a inundações, à elevação do nível do mar e outros impactos do aquecimento global

Por Instituto Igarapé | ODS 11ODS 13 • Publicada em 7 de abril de 2021 - 09:18 • Atualizada em 9 de abril de 2021 - 12:17

Rio, 41 graus: redução de árvores, o aumento do congestionamento e a explosão do concreto contribuíram para o aumento da temperatura média (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Robert Muggah e Julia Sekula*

Há poucas cidades mais vulneráveis ao aquecimento global do que o Rio de Janeiro. Com mais de 80 quilômetros de litoral, grande parte da cidade corre risco de ficar submersa. A elevação do nível do mar e das temperaturas tornarão grande parte da “cidade maravilhosa” inabitável. Entretanto, seus residentes parecem estar amplamente alheios à ameaça iminente. Em vez de tornar a cidade à prova dos impactos climáticos e investir em soluções voltadas à natureza, autoridades locais estão dobrando o uso de cimento, tijolo e aço. Isso pode tornar uma situação ruim ainda pior.

Parte dos motivos pelos quais o Rio é tão vulnerável ao aumento do nível do mar, enchentes e superaquecimento se dá pela natureza caótica de seu desenvolvimento urbano. Entre 1960 e 2020, a população triplicou. A maior parte do crescimento populacional deveu-se à migração, que contribuiu para superlotação, escassez de moradias populares e expansão de assentamentos informais ou favelas. Hoje, há quase 7 milhões de pessoas comprimidas na cidade e cerca de 13,5 milhões espalhadas pela Região Metropolitana. Previsivelmente, os residentes mais pobres e bairros mais vulneráveis da cidade estão mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas.

A combinação de urbanização superveloz e planejamento urbano desorganizado contribuiu para um rápido esgotamento da cobertura florestal natural. Embora abrigue o maior parque urbano do mundo, o Rio de Janeiro é entrecruzado por vastos corredores de transporte, espaços públicos cobertos de concreto e projetos de construção mal concebidos. A redução de árvores, o aumento do congestionamento e a explosão do concreto contribuíram para o aumento da temperatura média de 0,05 Celsius ao ano. Mudanças no microclima também aumentaram a severidade dos efeitos das ilhas de calor, enchentes e deslizamentos de terra.

Os impactos das mudanças climáticas são distribuídos de forma desigual. O estado do Rio de Janeiro registrou mais de 328 desastres naturais desde 2003. Um dos mais devastadores, uma grande tempestade e uma série de deslizamentos de terra em 2011, matou mais de 800 pessoas e deixou 30.000 desamparados e desabrigados. Também expôs dezenas de milhares a doenças transmitidas por água contaminada, como a leptospirose. O Banco Mundial estima os custos da tragédia em mais de US$ 2 bilhões. Ainda assim, na década que passou desde o desastre, menos de US$ 500 milhões foram investidos na reconstrução de infraestruturas deficientes, muito menos em torná-las à prova de clima. Em 2012, a cidade começou a construir quatro reservatórios subterrâneos e um túnel de desvio para melhorar o controle de enchentes leves ou médias,, mas eles são inadequados para conter as ameaças iminentes.

As mudanças climáticas provavelmente contribuirão para o aumento das temperaturas e do nível do mar nos próximos anos. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas estima que, em um cenário provável, as temperaturas médias globais aumentarão 2ºC até 2050. As mudanças de temperatura no Rio de Janeiro levarão a ondas de calor mais longas, mais severas, mais frequentes e mais letais. O aquecimento global também aumentará a elevação do nível do mar: as cidades brasileiras já registraram aumentos de 1,3 mm ao ano (entre 1953 e 2011). Alguns cientistas do clima preveem um aumento de até um metro no nível do mar antes de 2050, inundando pelo menos 10% da superfície do Rio. Não são apenas imóveis residenciais e comerciais que estão em risco, mas também fazendas e indústrias.

Existem poucos estudos científicos atualizados disponíveis que avaliam as potenciais consequências das mudanças climáticas no Rio de Janeiro. Na verdade, existem poucos estudos disponíveis sobre a elevação do nível do mar, erosão costeira ou ilhas de calor sobre a maioria das cidades brasileiras. No entanto, mais de 60% da população vive em cidades costeiras: Rio Grande, Florianópolis, Paranaguá, Santos, Vitória, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém estão especialmente em risco. Uma cidade que começou a entrar em ação é Santos, onde fica o porto mais movimentado da América Latina. Depois de reconhecer o aumento progressivo do nível do mar, a cidade introduziu deduções fiscais para investimentos em energia alternativa e promoveu telhados verdes, reflorestamento, barreiras naturais, canais de drenagem e estações de bombeamento.

Mulheres se penduram nas grandes do Jardim Botânico para fugir das ruas alagadas. Foto Carl de Souza/AFP
Mulheres se penduram nas grandes do Jardim Botânico para fugir das ruas alagadas da inundação: Rio vulnerável a enchentes e aumento do nível do mar (Foto: Carl de Souza/AFP – 09/04/2019)

As cidades brasileiras podem reforçar suas defesas contra as mudanças climáticas, mas precisam intensificar suas iniciativas com urgência. Isso começa com a formulação de planos atualizados que enfatizam a adaptação, a mitigação e são construídos com base em consultas públicas. As cidades brasileiras estão ficando para trás: 11 das 27 capitais do país têm planos desatualizados (que excedem a renovação obrigatória de dez anos). Até o momento, apenas sete cidades brasileiras estão realmente monitorando as emissões de gases de efeito estufa. Somente Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro projetaram estratégias de adaptação ou mitigação.

Cidades de todo o Brasil podem aprender com o exemplo de Curitiba, reconhecida mundialmente por iniciativas inovadoras. Na década de 1980, a cidade estabeleceu uma estratégia para proteger áreas verdes, promover a reciclagem e investir na gestão de resíduos. Seu programa de “troca verde” permuta itens reciclados por alimentos. A proporção da cidade de mais de 64 m2 de área verde por habitante é quatro vezes maior que a de São Paulo e bem acima do padrão internacional. Hoje, Curitiba é uma das apenas duas cidades do Brasil com um plano de adaptação climática, o que lhe valeu a designação de cidade mais sustentável da América Latina.

A erosão costeira, o aumento das inundações, a baixa cobertura vegetal e o calor escaldante já estão tornando partes do Rio de Janeiro inabitáveis. Esses efeitos são sentidos de forma mais aguda nas áreas mais pobres da região metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo Bangu, Caju, Nova Iguaçu e São Gonçalo. Embora áreas mais ricas tendam a experimentar temperaturas menos intensas, isso pode mudar em breve. O Rio tem opções, desde cidades-esponja — que implantam uma combinação de espaço construído reaproveitado, jardins pluviais, lagoas e pântanos para armazenar o excesso de água — até projetos ambiciosos de eco-restauração, como telhados verdes em favelas e corredores verdes. As soluções baseadas na natureza não são apenas um complemento, mas a chave para a sobrevivência da cidade.

*Robert Muggah é cientista política e diretor de Pesquisas do Instituto Igarapé; Julia Sekula é economista e coordenadora do Programa de Clima e Segurança do Instituto Igarapé

Instituto Igarapé

O Instituto Igarapé é um think and do tank independente, dedicado à integração das agendas de segurança, clima e desenvolvimento. Nosso objetivo é propor soluções e parcerias a desafios globais por meio de pesquisas, novas tecnologias, influência em políticas públicas e comunicação.

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