ODS 1
Nigéria e Butão: contrastes entre crescimento da população e avanço econômico


Aumento populacional e da densidade demográfica não têm impulsionado a inovação, a produtividade e o bem-estar como imaginou a economista Ester Boserup


A Nigéria e o Butão são dois países antípodas em termos populacionais e econômicos. A população da Nigéria – país no noroeste da África, no golfo da Guiné, banhado pelo Oceano Atlântico – é grande e cresce rapidamente, enquanto a população do Butão, no interior da Ásia, a leste da Cordilheira do Himalaia, é muito pequena e deve apresentar decrescimento populacional na segunda metade do século XXI. O contraste econômico também é marcante, pois a renda per capita está estagnada na Nigéria e cresce rapidamente no Butão.
O gráfico abaixo mostra que a população da Nigéria, a maior de todo o continente africano, era de 95 milhões de habitantes em 1990, chegou a 186 milhões em 2016, alcançou 233 milhões em 2025 (já ultrapassou o tamanho demográfico do Brasil) e está estimada em 263 milhões de habitantes em 2030. Mas a despeito de todo este crescimento populacional, o avanço econômico foi pequeno.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA renda per capita da Nigéria, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), era de US$ 3,3 mil em 1990, passou para US$ 6,04 mil em 2016, caiu para US$ 5,8 mil em 2025 e está estimada em US$ 6 mil em 2030, segundo dados do FMI. Ou seja, a renda per capita cresceu entre 1990 e 2016, mas tem se mantido estagnada entre 2016 e 2030. O alto crescimento demográfico nigeriano não ajudou no aumento do poder de compra.


O gráfico abaixo mostra que a população do Butão era de 548 mil habitantes em 1990, chegou a 750 mil em 2016, alcançou 795 mil em 2025 e está estimada em 822 mil habitantes em 2030. Em contrapartida, o avanço econômico foi grande.
A renda per capita do Butão, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), era de US$ 3,27 mil em 1990, passou para US$ 12,2 mil em 2016, subiu para US$ 15,2 mil em 2025 e está estimada em US$ 19,7 mil em 2030. Ou seja, o baixo crescimento demográfico do Butão não prejudicou o aumento do poder de compra.


O gráfico abaixo compara a evolução da renda per capita da Nigéria e do Butão durante 4 décadas. Nota-se que a renda per capita do Butão era ligeiramente menor do que a renda per capita da Nigéria em 1990. Em 2016, a renda per capita do Butão já era duas vezes maior. Para 2030, a estimativa do FMI é que a renda per capita do Butão seja mais de 3 vezes maior do que a renda per capita da Nigéria.


A economista dinamarquesa Ester Boserup (1910-1999) propôs uma teoria que inverteu a visão malthusiana da sua época. Enquanto Thomas Malthus via o crescimento populacional como uma ameaça à subsistência (levando a escassez de alimentos), Boserup argumentou que o aumento da densidade demográfica, especialmente em áreas rurais, impulsiona a inovação e a intensificação agrícola.
Ela escreveu que, sob pressão populacional e com a escassez de terras, os agricultores são incentivados a adotar métodos de cultivo mais intensivos, como o encurtamento dos períodos de pousio (descanso da terra) e o investimento em trabalho e tecnologias para aumentar a produtividade. Ou seja, a necessidade criada por uma população maior leva à invenção e ao desenvolvimento.
Porém, os exemplos da Nigéria e do Butão não corroboram a teoria da economista dinamarquesa. A Nigéria tem uma área geográfica de 924 mil km² e tinha uma densidade de 41 hab/km² em 1950, passando para 261 hab/km² em 2025 e deve chegar a 524 hab/km² em 2100. O Butão tem uma área geográfica de 38 mil km² e tinha uma densidade demográfica de 4,5 hab/km² em 1950, passando para 21 hab/km² em 2025 e deve cair para 18 hab/km² em 2100.
Podemos considerar que, embora Boserup tenha argumentado que a pressão populacional pode incentivar a inovação e a intensificação, ela não afirmou que isso levaria automaticamente ao desenvolvimento econômico em todas as circunstâncias. Existem muitos outros fatores que desempenham um papel vital na trajetória de um país e a comparação entre Nigéria e Butão ilustra isso muito bem. Por que Nigéria e Butão apresentam resultados diferentes?
Governança e Estabilidade Política: A Nigéria enfrenta desafios significativos em termos de governança, corrupção, instabilidade política e segurança. Esses fatores minam a confiança dos investidores, dificultam o desenvolvimento de infraestrutura e prejudicam a eficiência econômica. O país tem sofrido com a estagnação do PIB per capita, e especialistas apontam a necessidade de reformas estruturais urgentes.
Diversificação Econômica: A economia da Nigéria é altamente dependente do petróleo. A volatilidade dos preços do petróleo e a falta de diversificação em outros setores (como manufatura e serviços de alto valor agregado) tornam o país vulnerável a choques externos e limitam seu potencial de crescimento sustentável.
Qualidade da Infraestrutura e Serviços Básicos: Apesar da alta densidade em certas áreas, a Nigéria ainda sofre com deficiências críticas em infraestrutura, como eletricidade, transporte e saneamento. A falta desses serviços essenciais eleva os custos de fazer negócios e dificulta a produtividade.
Capital Humano e Instituições: O Butão, embora com menor densidade, tem focado em um modelo de desenvolvimento único, baseado na filosofia da “Felicidade Interna Bruta” (FIB). Isso se traduz em investimentos significativos em educação e saúde, além de uma governança mais estável e focada no bem-estar da população.
Fatores Geográficos e Recursos Naturais: O Butão se beneficia de seus recursos hídricos abundantes, que permitem a geração de energia hidrelétrica, uma importante fonte de receita através da exportação para a Índia. A Nigéria, embora rica em petróleo, não conseguiu traduzir essa riqueza em prosperidade generalizada devido aos fatores mencionados acima.
Vulnerabilidade a choques externos: Ambos os países podem ser afetados por choques externos, mas a maneira como respondem a eles e a resiliência de suas economias variam. A Nigéria, por exemplo, foi significativamente afetada pela queda dos preços do petróleo e pela pandemia de COVID-19, resultando em uma queda acentuada do PIB per capita em anos recentes.
A comparação entre o desenvolvimento econômico e demográfico da Nigéria e do Butão evidenciam algumas limitações da Teoria de Boserup:
- Não linearidade e outros fatores: A relação entre densidade populacional e desenvolvimento econômico não é linear e é fortemente mediada por uma série de outros fatores, como políticas governamentais, qualidade das instituições, acesso a capital, infraestrutura, educação, saúde e estabilidade política.
- Inovação nem sempre é suficiente ou acontece: Boserup pressupõe que a pressão populacional levará à inovação. No entanto, em contextos em que há barreiras significativas (por exemplo, falta de acesso à tecnologia, pouca educação, governança ineficaz), essa inovação pode não ocorrer ou não ser suficiente para impulsionar o desenvolvimento.
- Foco na agricultura: A teoria original de Boserup estava mais focada nas mudanças e intensificações na agricultura. Embora o conceito de que a “necessidade gera inovação” possa ser expandido para outros setores, seu impacto em economias altamente urbanizadas e industrializadas pode ser diferente.
Para agravar a situação, a Nigéria e sua capital Lagos, sem dúvida, são muito vulneráveis aos efeitos da crise climática e esses impactos têm consequências diretas e severas em sua economia e no bem-estar de sua população:
- Elevação do nível do mar e vulnerabilidade de Lagos:
- Lagos, a maior cidade da Nigéria e um importante centro econômico, está localizada em uma região costeira de baixa altitude e é extremamente suscetível à elevação do nível do mar. Isso ameaça infraestruturas vitais, propriedades e a própria existência de comunidades costeiras.
- As inundações litorâneas já são um problema recorrente e a tendência é piorar com o aquecimento global, deslocando populações, destruindo meios de subsistência e exigindo investimentos massivos em infraestrutura de proteção.
- A intrusão de água salgada também afeta os aquíferos de água doce, comprometendo o acesso a água potável em áreas costeiras e adjacentes.
- Ondas de calor e impacto na produção agrícola:
- A Nigéria já experimenta ondas de calor intensas e frequentes, especialmente nas regiões norte e central. Essas altas temperaturas são prejudiciais para a agricultura, pois afetam negativamente o crescimento das plantas, a produtividade das lavouras e a saúde do gado.
- A escassez de água resultante da evaporação acelerada e das mudanças nos padrões de chuva (mais secas e inundações erráticas) também compromete a segurança alimentar.
- Para um país onde uma parcela significativa da população depende da agricultura de subsistência, a redução na produtividade agrícola leva à insegurança alimentar, aumento dos preços dos alimentos e empobrecimento, especialmente nas comunidades rurais.
- Além das ondas de calor, a Nigéria tem sido severamente afetada por inundações extremas, como as de 2022, que causaram mortes, deslocamentos massivos e destruíram vastas áreas cultiváveis em 33 dos 36 estados do país.
Quando combinamos esses impactos climáticos com os desafios que já apresentados anteriormente (má governança, dependência do petróleo, falta de infraestrutura e instabilidade), fica claro porque a Nigéria, apesar de sua grande população (que poderia, em teoria, gerar inovações como Boserup sugere), está tendo grandes problemas para se desenvolver.
A crise climática age como um multiplicador de ameaças, exacerbando problemas existentes e criando novos obstáculos ao desenvolvimento. Portanto, a crise climática é, sem dúvida, um fator crucial na equação do desenvolvimento da Nigéria. Ela mostra que mesmo que a densidade populacional possa, em tese, criar um ambiente para a inovação, outras variáveis, como a vulnerabilidade climática e a capacidade de um país de se adaptar a ela, são igualmente — ou até mais — determinantes para a prosperidade.
A Nigéria está em uma situação difícil, onde a pressão demográfica se junta à pressão climática, exigindo soluções complexas e investimentos maciços em resiliência, adaptação e desenvolvimento sustentável para romper o ciclo de estagnação. Sem dúvida, o alto crescimento demográfico da Nigéria não é o caminho para vencer a armadilha da extrema pobreza.


O Butão, localizado nas montanhas do Himalaia, com sua menor densidade e foco em um desenvolvimento mais alinhado com a natureza e o bem-estar, está em uma posição mais favorável para enfrentar os desafios climáticos, mesmo que não esteja imune a eles.
O caso do Butão mostra que, mesmo com baixa densidade populacional, um foco em desenvolvimento sustentável, bem-estar e investimentos estratégicos pode levar a um crescimento significativo do PIB per capita. O Butão está aproveitando o 1º bônus demográfico e já está se preparando para aproveitar o bônus da longevidade e o bônus do decrescimento populacional que ocorrerá na segunda metade do século XXI.
Assim, a comparação entre Nigéria e Butão evidencia que a teoria de Boserup, embora relevante para compreender a relação entre crescimento populacional e inovação agrícola, não pode ser vista como uma lei universal do desenvolvimento. O caminho para a prosperidade depende de uma combinação complexa de fatores institucionais, ambientais, culturais e políticos, que mediam ou até anulam os efeitos da densidade populacional.
Se, de um lado, a Nigéria enfrenta um ciclo de vulnerabilidades agravado pela crise climática e pela má governança, de outro, o Butão mostra que escolhas estratégicas voltadas à sustentabilidade e ao bem-estar coletivo podem abrir caminhos alternativos de progresso. Em última análise, a lição que emerge é que não basta contar cabeças, é preciso também construir instituições resilientes, políticas eficazes e uma visão de futuro capaz de harmonizar população, ambiente e desenvolvimento.
Referência:
ESTER BOSERUP. The Conditions of Agricultural Growth: The Economics of Agrarian Change under Population, London, GEORGE ALLEN & UNWIN LTD, 1965
https://www.biw.kuleuven.be/aee/clo/idessa_files/boserup1965.pdf
Últimas do #Colabora
Relacionadas


José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.