ODS 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Conheça as reportagens do Projeto Colabora guiadas pelo ODS 1.
Veja mais de ODS 1Estudo do ITDP Brasil, para analisar os principais desafios de acesso às escolas públicas de ensino infantil e fundamental nas 20 maiores cidades brasileiras, mostra que cerca de 1,3 milhão de crianças entre 0 e 5 anos precisam caminhar por mais de 15 minutos para chegar até uma creche ou pré-escola e aproximadamente 1,2 milhão, entre 6 e 14 anos, não conseguem acessar uma escola de ensino fundamental no mesmo período de tempo. Essa multidão de alunos representa 35% das crianças nestas faixas nos 20 municípios mais populosos do Brasil.
No seu 7º Boletim MobiliDADOS em Foco, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, da sigla em inglês para Institute for Transportation and Development Policy, entidade internacional de promoção do transporte ambientalmente sustentável e equitativo) aponta que a caminhada e a bicicleta já são os modos mais utilizados nos deslocamentos das crianças e seus cuidadores para as escolas. “Na retomada das aulas no cenário pós quarentena, os transportes ativos, como a caminhada e a bicicleta, que são os mais utilizados nos deslocamentos para as escolas, ganham ainda mais relevância. como alternativas eficientes para garantir a mobilidade e minimizar a exposição aos riscos sanitários”, destaca o boletim, coordenado pelo gerente de políticas públicas do ITDP Brasil, Bernardo Serra.
Como tantas coisas no Brasil, este tempo de percurso até a escola também é muito desigual entre as metrópoles brasileiras. Mais da metade das crianças entre 0 e 5 anos de idade – e respectivos cuidadores – precisam caminhar mais de 15 minutos para acessar uma escola pública de ensino infantil em Porto Alegre (59%), São Luís (59%), Maceió (58%), São Gonçalo (54%), Belo Horizonte (51%) e Brasília (50%). Esse percentual só fica abaixo de 20% no Rio de Janeiro (19%) e em Recife (17%), onde essas unidades de ensino estão mais bem distribuídas no território.
Para as crianças entre 6 e 14 anos, esse panorama é mais homogêneo, mas há cidades onde pelo menos 30% da população não chega a uma escola em 15 minutos de caminhada: São Luís (36%), Brasília (31%), Campinas (30%), Campo Grande (30%) e Goiânia (30%). Os menores percentuais de crianças mais longe da escola ficam em Manaus (11%), Recife (12%), São Paulo (13%) e Belém (14%).
Esses deslocamentos já são majoritariamente realizados a pé e em bicicleta e as ações para melhoria das condições de deslocamento de pedestres e ciclistas envolvem reduzir velocidades máximas na vias, gestão e fiscalização de calçadas, identificar cruzamentos críticos e fazer tratamento de intersecções, ações educativas com motoristas, implantar ciclovias ou ciclofaixa. Esse tipo de ação não envolve necessariamente custos elevados para o orçamento público
O estudo do ITDP destaca o uso de bicicleta como forma de melhorar significativamente o acesso às escolas nas 20 maiores cidades brasileiras. No ensino infantil, o número total de crianças entre 0 e 5 anos que precisam caminhar mais de 15 minutos para acessar uma escola pública tem potencial para diminuir em 94% se o deslocamento do cuidador fosse realizado por bicicleta. O percentual é da mesma ordem para crianças e adolescentes que precisam acessar uma escola pública do ensino fundamental. Bernardo Serra lembra ainda que a bicicleta aumenta também a possibilidade de escolha do local de estudo. “Na prática, as crianças de 0 a 5 anos conseguem acessar em média uma escola de ensino infantil por caminhada em 15 minutos. Nesse mesmo tempo, elas poderiam chegar até 9 escolas se estivessem acompanhadas de um cuidador pedalando uma bicicleta”, ressalta o gerente de políticas públicas do ITDP.
As análises do boletim consideraram somente os deslocamentos por modos ativos por serem os mais utilizados para acesso às escolas nas cidades brasileiras e por serem recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reduzir riscos de diversas doenças cardiovasculares, diabetes, e muitas outras ligadas à obesidade e inatividade. De acordo com o ITDP Brasil, o foco no acesso às escolas em até 15 minutos a pé ou por bicicleta foi escolhido por ser considerado o tempo desejável para deslocamentos de mães, pais e crianças na primeira infância para acessar destinos cotidianos como creches, postos de saúde, parques, mercados, hortas comunitárias, escolas e locais para trabalho.
As 20 cidades analisadas no estudo representam 21% dos alunos matriculados no ensino infantil e no ensino fundamental do país – deste total, cerca de 46% das crianças no ensino infantil e 70% no ensino fundamental estão matriculadas em escolas públicas. Caminhar ou andar de bicicleta é uma escolha lógica, principalmente para a população de baixa renda que sofre com as tarifas do transporte público: nessas cidades, apenas 11% dos alunos matriculados no ensino infantil usam o transporte escolar público e esse percentual alcança somente 18% para os alunos do ensino fundamental.
Desafio para os gestores municipais
O boletim do ITDP também aponta alternativas para os novos prefeitos para melhorar a mobilidade ativa nas cidades brasileiras. “No debate de cenários pós-quarentena, os transportes ativos (a pé e em bicicleta), que já são os mais utilizados nos deslocamentos para as escolas, ganham ainda mais relevância como alternativa eficiente para garantir a mobilidade e minimizar a exposição aos riscos sanitários. Morar perto de uma escola, com caminho seguro para o deslocamento familiar por caminhada ou bicicleta, se tornará ainda mais importante para o acesso à educação e a qualidade de vida nas cidades”, aponta o documento.
De acordo com o Boletim MobiliDADOS, são três pilares de atuação prioritária para as prefeituras: a criação de espaços públicos seguros e saudáveis no entorno das escolas para que os deslocamentos fomentem interações positivas entre crianças e cuidados; o estímulo ao uso da bicicleta a partir da criação de infraestruturas cicloviárias e condições mais seguras de circulação; e a melhor distribuição de equipamentos no território para facilitar o acesso a oportunidades para a maior parte da população que não possui recursos para o uso diário de modos individuais.
A escola é um local que pode ser melhor aproveitado para conscientização e formação de alunos e pais para o uso de modos ativos. Esses modos já são os mais utilizados para o deslocamento em direção às escolas. No entanto, muitas vezes, as áreas mais periféricas são onde a qualidade da infraestrutura é mais deficiente
Bernardo Serra destaca que essas intervenções são viáveis para os orçamentos municipais. “Esses deslocamentos já são majoritariamente realizados a pé e em bicicleta e as ações para melhoria das condições de deslocamento de pedestres e ciclistas envolvem reduzir velocidades máximas na vias, gestão e fiscalização de calçadas, identificar cruzamentos críticos e fazer tratamento de intersecções, ações educativas com motoristas, implantar ciclovias ou ciclofaixa. Esse tipo de ação não envolvem necessariamente custos elevados para o orçamento público”, afirma o gerente de Políticas Públicas do ITDP Brasil. “Com a pandemia da Covid-19, a ampliação de espaço para que os deslocamentos a pé possam ser realizados com distanciamento social seguro se tornou uma questão essencial de saúde pública”, acrescenta.
Espaços públicos e saudáveis exigem intervenções nas vias para garantir a segurança das crianças e seus cuidadores – pedestres e ciclistas estão entre as principais vítimas. “Essas ações, com destaque para redução da velocidade e aumento do espaço dedicado para pedestres e ciclistas na via, são fundamentais. Para o uso da bicicleta, destacam-se também as ações educativas de formação de crianças para o uso da bicicleta”, aponta Serra. O documento do ITDP aponta ainda que a implementação dessas medidas deve ser pensada a partir das rotas para as escolas e com o engajamento com mães, pais e alunos que realizam esses deslocamentos, além dos professores e outros profissionais das escolas.
O gerente do ITDP alerta para qualidade do serviço entregue na ponta, principalmente em áreas periféricas e de baixa renda. “Essas escolas precisam ter professores, equipamentos, refeitórios. Muitas vezes as escolas em áreas mais periféricas sofrem com baixa qualidade da entrega do serviço ou deficiência dos equipamentos. A escola é um local que pode ser melhor aproveitado para conscientização e formação de alunos e pais para o uso de modos ativos. Esses modos já são os mais utilizados para o deslocamento em direção às escolas. No entanto, muitas vezes as áreas mais periféricas são onde a qualidade da infraestrutura é mais deficiente”, frisa Bernardo Serra.
O estímulo ao uso da bicicleta é uma iniciativa imposta pela pandemia que já está em curso em diversas cidades do mundo, que estão promovendo o deslocamento em duas rodas para garantir a mobilidade das pessoas com distanciamento social seguro. No Brasil, entretanto, a bicicleta ainda é percebida como um meio de transporte inseguro pela maioria da população em função da violência no trânsito e da falta de infraestrutura.
Durante a pandemia, cidades como Belo Horizonte, Fortaleza e Porto Alegre se mobilizaram para implantar novas infraestruturas cicloviárias. O estudo do ITDP aponta, contudo, que mesmo em capitais em que o percentual da população próxima da infraestrutura cicloviária está entre os mais elevados no contexto brasileiro, como Fortaleza (36%) e Recife (24%), a cobertura das escolas ainda é baixa. Apenas 36% das escolas de ensino infantil e fundamentais estão próximas da infraestrutura cicloviária em Fortaleza, e 22% no Recife. O estudo do ITDP defende, além da redução de velocidades máximas para tornar o uso da bicicleta mais seguro, a distribuição do sistema de bicicletas compartilhadas por toda a cidade e a implementação de bicicletários em estações de transporte e nos equipamentos públicos.
O documento do ITDP defende que os gestores promovam debates e planos para tornar as cidades mais compactas, com uso misto e maior distribuição de oportunidades em todo o território da cidade, tendência que vêm se tornando prioridade para prefeitas e prefeitos no mundo inteiro. O boletim lembra que, em sua campanha para reeleição à prefeitura de Paris, Anne Hidalgo estabeleceu como um de seus principais compromissos promover o acesso a empregos, serviços médicos, escolas, mercados e lazer a todos os habitantes em até 15 minutos de suas casas. A cidade de 15 minutos também é um dos pontos centrais da agenda de prefeitos que fazem parte da rede C40 – Grupo C40 de Grandes Cidades para Liderança do Clima, do qual Rio, São Paulo e Salvador são integrantes e Curitiba é associada. Iniciativas similares podem ser encontradas em planos da região metropolitana de Sydney, em que o objetivo é criar uma cidade de 30 minutos; em Melbourne onde o objetivo é criar bairros de 20 minutos;, e em Cingapura onde o objetivo é que 90% das viagens nos horários de pico não ultrapasse 45 minutos.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Está de volta ao Rio após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. É criador da página no Facebook #RioéRua, onde publica crônicas sobre suas andanças pela cidade.