Cidades da Amazônia lideram emissões de gases de efeito estufa no país

Desmatamento na Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, entre os municípios de São Félix do Xingu e Altamira, no Pará: estado tem maior percentagem de área desmatada entre os mais de 8 mil quilômetros de floresta derrubados em 2020 (Foto: Agência Pará – 25/08/2019)

Desmatamento coloca São Félix do Xingu, no Pará, na liderança do ranking dos maiores poluidores. Entre os dez municípios que mais poluem, estão São Paulo, Rio de Janeiro e Serra, no Espírito Santo

Por Liana Melo | ODS 11ODS 13 • Publicada em 4 de março de 2021 - 10:40 • Atualizada em 5 de outubro de 2021 - 12:06

Desmatamento na Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, entre os municípios de São Félix do Xingu e Altamira, no Pará: estado tem maior percentagem de área desmatada entre os mais de 8 mil quilômetros de floresta derrubados em 2020 (Foto: Agência Pará – 25/08/2019)

Se fosse um país, São Félix do Xingu, no sudoeste do Pará, seria o 111º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. O município está à frente de Uruguai, Noruega, Chile, Croácia, Costa Rica e Panamá, segundo o ranking global de emissões do World Resources Institute (WRI). Considerada uma das capitais do desmatamento no país, das 29,7 milhões de toneladas brutas de CO2 jogadas na atmosfera em 2018, 25,44 milhões foram provenientes das mudanças de uso da terra. O município, com o dobro da área da Holanda, tem mais gado do que gente, fazendo a cidade hospedar o maior número de cabeças de gado do país. Não à toa, a agropecuária respondeu por 4,22 milhões de toneladas de CO2.

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É a primeira vez que o Observatório do Clima, uma organização com 50 parceiros, edita a versão do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) incluindo um inventário dos 5.570 municípios brasileiros. O inventário das emissões cobriu o período de 2000 a 2018 e levou três anos para ser concluído. O mapeamento analisou um conjunto de 200 fontes emissoras.

Arte de Fernando Alvarus
Arte: Fernando Alvarus

Entre os dez campeões de gases de efeito estufa do Brasil, sete deles estão na Amazônia, onde o desmatamento foi a principal fonte de emissões: Altamira, Pacajá e Novo Repartimento (PA) e mais Porto Velho (RO), Colniza (MT) e Lábrea (AM). Juntos, eles emitiram 172 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) – volume superior às emissões de países inteiros, como Bélgica, Filipinas e Peru.

Até hoje menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa

“Até hoje menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa”, calcula Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, comentando que o raio X das emissões municipais no país pode servir de “estímulo para promover o desenvolvimento local com redução das emissões e enfrentamento das mudanças climáticas”.

Entre os dez municípios campeões de emissões no país, três deles estão fora da Amazônia Legal. São eles: São Paulo, Rio de Janeiro e Serra, no Espírito Santo. Pela ordem, a capital paulista ficou em quarto lugar, o Rio em nono e o município capixaba em décimo. O principal vetor da poluição foi o transporte, que se destacou como responsável pelas emissões nas duas capitais, enquanto em Serra, que abriga uma siderúrgica, as emissões foram geradas por processos industriais. Este foi o setor onde se encontrou mais dificuldades de acessar dados de nível de atividades no âmbito municipal.

Do total dos municípios brasileiros, mais de dois terços das emissões de gases de efeito estufa estiveram associadas ao uso da terra, incluindo o desmatamento e a agropecuária em 4.677 cidades no país. A agropecuária respondeu por 65,8% das emissões, enquanto o desmatamento foi responsável por 18,2% dos gases de efeito estufa emitidos pelos municípios brasileiros. O setor de energia respondeu por 14,2%, resíduos, por 1,5%, e processos industriais e uso de produtos, por 0,3%.

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São Félix do Xingu foi campeão em agropecuária e em desmatamento. O desmatamento também fez disparar as emissões per capita dos municípios amazônicos. Cada morador de São Félix do Xingu, por exemplo, emitiu 225 toneladas de CO2e por ano, quase 22 vezes mais que a média de emissões brutas per capita do Brasil, 12 vezes mais que a dos Estados Unidos e seis vezes mais que a do Qatar, o país com maior emissão per capita no mundo. Situação ainda pior é a de Colniza, no noroeste de Mato Grosso: sexto maior emissor do país, com 14,3 milhões de toneladas de CO2e emitidas em 2018, Colniza tem a maior emissão per capita bruta do Brasil: 358 toneladas. É como se cada habitante do município tivesse mais de 300 carros rodando 20 quilômetros por dia.

São Paulo liderou as emissões em energia, como ocorreu na maior parte das capitais brasileiras e das regiões metropolitanas devido ao uso de combustíveis fósseis no transporte. Serra concentrou a poluição proveniente de processos industriais e o Rio de Janeiro foi o líder em gases provenientes de resíduos.

Por outro lado, alguns municípios amazônicos extensos com muitas áreas protegidas também têm grandes remoções de gases de efeito estufa. Isso reduz as chamadas emissões líquidas. O campeão de remoções é Altamira, o maior município do Brasil em área, que tem remoções de mais de 22 milhões de toneladas de CO2e. São Félix do Xingu tem remoções de 10 milhões de toneladas

“Por outro lado, alguns municípios amazônicos extensos com muitas áreas protegidas também têm grandes remoções de gases de efeito estufa. Isso reduz as chamadas emissões líquidas. O campeão de remoções é Altamira, o maior município do Brasil em área, que tem remoções de mais de 22 milhões de toneladas de CO2e. São Félix do Xingu tem remoções de 10 milhões de toneladas”, chamou a atenção .Azevedo.

Enquanto a União Europeia já anunciou uma estratégia de carbono zero em 2050 e editou uma lei que obriga os Estados-membros a implementar políticas públicas para uma transição justa, e os Estados Unidos retornaram ao Acordo de Paris, após a vitória de Joe Biden, o Brasil vive uma situação paradoxal. Enquanto o governo federal adota uma retórica negacionista em relação à emergência climática, alguns governos estaduais e municípios vêm, como observou Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade (ICS),  assumindo o protagonismo na agenda climática brasileira.

Em uma década considerada fundamental para a negociação climática, onde há uma pressão mundial para o aumento das ambições para conter a emergência climática, o estudo é um compilado de informações científicas fundamental para orientar políticas públicas. Afinal, é nas cidades onde a batalha do clima será vitoriosa ou derrotada. O Brasil é o quinto maior emissor global de gases de efeito estufa.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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