Euro 2020: Twitter poderia impedir ataques racistas antes que aconteçam?

Para pesquisadores, rede social tem ferramentas para barrar postagens com mensagens de ódio em eventos de grande visibilidade

Por The Conversation | ODS 10 • Publicada em 14 de julho de 2021 - 08:50 • Atualizada em 17 de agosto de 2021 - 09:13

Marcus Rashford lamenta pênalti perdido na final da Euro 2020: alvo de ofensas racistas após jogo que, para pesquisadores, poderiam ser evitadas pelo Twitter (Foto: Frank Augstein /Pool /AFP – 11/07/2021)

(Nicole Ferdinand, John Bustard e Nigel L. Williams*) – Enquanto a empolgação crescia na Inglaterra antes da final do Euro 2020 contra a Itália, os fãs acessaram o Twitter para expressar orgulho em sua equipe diversificada e inspiradora. Também havia uma ansiedade nervosa com a chance de ganhar um grande torneio pela primeira vez em 55 anos. Muitos usaram a hashtag #Euro2020final para entrar na conversa antes e durante a primeira metade da partida.

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Após a derrota na disputa de pênaltis, uma imagem sombria, mas familiar, emergiu. Usuários do Twitter usaram a hashtag #Euro2020final para postarem mensagens racistas contra os jogadores negros Bukayo Saka, Marcus Rashford e Jadon Sancho. Os três atacantes da Inglaterra perderam pênaltis na decisão contra os italianos. (Saka, 19 anos, nascido em Londres, é filho de nigerianos; Rashford, filho de Manchester, com avó nascida no Caribe, tem 23 anos; Sancho, de 21, também londrino, tem pais nascidos em Trinidad e Tobago – nota do tradutor.)

[g1_quote author_name=”Marcus Rashford” author_description=”Atacante do Manchester United e da Inglaterra, ao responder ofensas racistas” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Nunca vou me desculpar por ser quem eu sou e por ter vindo de onde eu vim

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Tweets usando #Euro2020final tornaram-se um lembrete preocupante dos profundos cismas que permeiam a sociedade inglesa. Para os cidadãos britânicos negros, os tweets racistas refletiam uma mensagem desanimadora sobre sua contínua exclusão da cultura dominante no Reino Unido.

Como pesquisadores de mídia social que rastrearam eventos online analisando palavras-chave, tópicos e sentimentos organizados em hashtags, não ficamos surpresos com o que vimos no Twitter após a derrota da Inglaterra. Antecipando o abuso e a intimidação pós-jogo, arquivamos os tweets antes do início e ficamos de olho no Twitter depois que o resultado foi anunciado. Estávamos familiarizados com o poder do futebol inglês para dominar as conversas do Twitter .

Manifestação antirracista em frente a painel com imagem do atacante Rashford em Manchester: pesquisadores criticam Twitter por não usar ferramentas para barrar mensagens de ódio (Foto: Lindsay Parnaby / AFP)

Usamos a ferramenta de acesso público TAGS, que arquiva as postagens do Twitter por meio de uma interface de programação de aplicativo de pesquisa. Conseguimos coletar 32.765 tweets usando a hashtag #Euro2020final na hora anterior ao início do jogo, 100.282 durante a partida e 44.554 após a partida até meia-noite.

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Em seguida, aplicamos a modelagem de tópicos, uma abordagem que usa aprendizado de máquina para identificar temas subjacentes em grandes corpos de texto para explorar o conteúdo em inglês do texto do tweet.

As visualizações a seguir apresentam os três tópicos mais proeminentes durante cada período de tempo e as três palavras-chave mais proeminentes associadas a cada um deles.

Antes da final: positividade e diversidade

Antes da partida, houve um enquadramento positivo, em vez de negativo, das origens internacionais da seleção inglesa, com muitos compartilhando histórias de imigração, diversidade e uma “mudança” na Inglaterra. Também foram discutidas as esperanças dos fãs por uma vitória tão esperada e as discussões sobre um incidente com fãs na praça Trafalgar envolvendo a polícia.

Durante a partida: a empolgação do gol inicial

Durante a partida, as discussões giraram em torno do gol marcante de Luke Shaw no início da partida, o empate da Itália e os resultados finais. Shaw estava entre os tópicos mais populares discutidos.

Depois da derrota: abuso racial

Após a partida, o tema do abuso racial emergiu. Embora as verdadeiras postagens racistas tenham sido tuitadas por um pequeno número de pessoas, deve-se notar que a estrutura das discussões online, onde comentários individuais são compartilhados rapidamente entre os postadores, ampliou esse conteúdo em uma tempestade online que gerou respostas de altos funcionários do governo .

Outro aspecto sombrio dos tweets pós-jogo foram as discussões em torno da ligação entre violência doméstica e futebol.

Técnico da Inglaterra, Gareth Southgate consola o jovem Saka, de 19 anos, após a derrota nos pênaltis: ataques racistas pelo Twitter (Foto: Laurence Griffiths / Pool / AFP - 11/07/2021)
Técnico da Inglaterra, Gareth Southgate consola o jovem Saka, de 19 anos, após a derrota nos pênaltis: ataques racistas pelo Twitter (Foto: Laurence Griffiths / Pool / AFP – 11/07/2021)

Nossa análise levanta uma questão importante sobre se o Twitter deveria assumir um papel mais proativo no monitoramento e prevenção da disseminação de abusos racistas após eventos como a final da Euro 2020. O Twitter respondeu ao abuso em sua plataforma usando uma combinação de automação baseada em aprendizado de máquina e revisão humana para remover mais de 1.000 tweets e suspender permanentemente várias contas.

No entanto, esta ação falhou em suprimir efetivamente a imagem negativa que surgiu após a final #Euro2020. Nós apontamos que o Twitter poderia tomar medidas para impedir tempestades de ofensas online, mesmo antes de começarem.

Os trolls do Twitter sabem que conteúdo racista ou de ódio sobre um evento de grande visibilidade será amplamente condenado online. Mas a condenação de conteúdo racista (ou de ódio) serve apenas para ampliar ainda mais o impacto dessas postagens sobre este evento. Qualquer mensagem positiva será ofuscada pelas discussões de postagens racistas ou de ódio.

O que é surpreendente é que o Twitter permite que o processo continue. Não há ambiguidade sobre esses resultados, apenas variabilidade na escala. Em contraste com a exploração limitada que realizamos, o Twitter tem arquivos de tempestades de ataques online em vários contextos e deveria estar ciente das condições, características e resultados dessas ocorrências.

Com base nesse conhecimento, as cascatas imediatas de ataques que resultam no ciclo previsível de conteúdo de ódio e subsequente condenação poderiam ser minimizadas usando ferramentas que o Twitter já desenvolveu, como fazer com que os usuários repensem seus tweets que podem incluir linguagem prejudicial. Essas ferramentas podem ser adaptadas para fornecer avisos que incentivem os usuários a pensar antes de retuitar e diminuir a taxa de reações a conteúdo racista ou de ódio. Embora não seja uma solução abrangente, capaz de funcionar em qualquer caso, essas ferramentas podem ser aplicadas em eventos de grande visibilidade – como a final do Euro 2020 – para conter a disseminação de abusos online.

Claro, fazer isso levanta questões sobre os direitos à liberdade de expressão. O Twitter recebeu reação negativa por ter suprimido uma reportagem do New York Post sobre Hunter Biden (filho do presidente Joe Biden, alvo constante de Donald Trump e seus aliados – nota do tradutor). Mas, em alguns casos, especialmente onde há potencial para violência ou uma ameaça imediata contra pessoas ou grupos, pode haver uma justificativa razoável para a ação.

Ainda há dúvidas sobre quando intervir e até que ponto a intervenção pode empurrar discussões de ódio e ataques racistas para outras plataformas. Ainda assim, pode valer a pena explorar – as discussões no dia seguinte à final do Euro 2020 deveriam ter sido sobre uma equipe que fez história, não sobre o abuso racista que um pequeno número de trolls foi capaz de transformar em uma tempestade.

* Nicole Ferdinand é professora e pesquisadora em Gestão de Eventos na Oxford Brookes University; John Bustard é professor de Transformação Digital, na Ulster University; e Nigel L. Williams é pesquisador em Gerenciamento de Projetos, na University of Portsmouth

(Tradução: Oscar Valporto)

The Conversation

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