Adultização: documentário mostra indústria de exploração infantil nas redes sociais

“Infância em Caixa” descreve lógicas de redes sociais que lucram com a imagem de crianças e adolescentes

Por Micael Olegário | ODS 10
Publicada em 18 de agosto de 2025 - 09:35  -  Atualizada em 18 de agosto de 2025 - 15:33
Tempo de leitura: 6 min

Cena de Infância em Caixa; presença de crianças na internet impulsiona publicidade infantil e, em muitos casos, a adultização e exploração (Foto: Reprodução/Infância em Caixa)

Vídeos monetizados e explorados por uma indústria de publicidade infantil e a adultização de crianças nas redes sociais. Esses são alguns dos temas que a jornalista e criadora de conteúdo Nathália Braga investiga no documentário “Infância em Caixa”. A produção analisa algumas lógicas que aparecem também na denúncia feita pelo youtuber Felipe Bressanim, o Felca, sobre como os algoritmos de plataformas estimulam a adultização, sexualização e exploração comercial da imagem de crianças e adolescentes.

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“Existe esse pilar muito forte da movimentação comercial que o Felca trouxe e as pessoas entenderam, mas existe um outro pilar que, por vezes, fica apagado que é a responsabilização das plataformas”, aponta Nathália. Para a jornalista, o modo como os algoritmos podem ser condicionados para mostrar imagens de crianças evidencia que as plataformas possuem capacidade técnica para lidar com a exploração infantil on-line, mas, ao invés disso, escolhem estimular o consumo e tempo de tela dos usuários para ganhar dinheiro.

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No documentário, lançado em abril, Nathália detalha os processos que envolvem a produção de conteúdo por crianças e mostra como perfis, canais, marcas e, principalmente, as plataformas lucram com a publicidade infantil. “Infância em Caixa” também apresenta relatos de três famílias de influenciadores mirins brasileiros e exemplos de diversas legislações e normas ignoradas pelas empresas de tecnologia responsáveis pelas redes sociais. 

Da mesma forma que está comprovado que um vídeo de uma menina de biquíni é usado para propósitos terríveis, um vídeo de um menino sem camisa também

Nathália Braga
Jornalista e criadora de conteúdo

“Sinceramente, duvido muito que uma plataforma vai abrir mão de toda essa cadeia de lucro para remover a vulnerabilidade de crianças das redes”, comenta Nathália. Moradora da Baixada Fluminense, ela conta que o documentário surgiu a partir do seu projeto de conclusão de curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do contato com o tema em 2014.

“As famílias não dominam as regras das redes sociais e muito menos aplicam as melhores práticas para proteger os filhos”, aponta Nathália. Segundo ela, uma das práticas comuns na publicidade on-line que também é usada com crianças é a de ‘mostrar os recebidos’ (produtos comprados na internet). Neste caso, as empresas raramente procuram as famílias para publicidade irregular; em vez disso, muitas famílias investem na compra de produtos na esperança de atrair a atenção das marcas. Outro dos reflexos da busca por lucros online evidenciados no filme é a configuração de um trabalho artístico infantil sem os devidos cuidados e responsabilidades éticas e legais.

Repercussão e propostas de lei

Após a repercussão da denúncia feita por Felca, o vídeo com o título “adultização” atingiu mais de 40 milhões de visualizações no YouTube. O debate também chegou ao Congresso Nacional e gerou um “efeito Felca” entre os parlamentares, com a apresentação de 35 projetos de lei com propostas sobre o tema em apenas um dia, segundo levantamento do Núcleo Jornalismo.

“Produções audiovisuais cumprem esse propósito de alertar e educar a população sobre como as redes sociais funcionam e, principalmente, o que as pessoas podem fazer de diferente, tanto a nível de denúncia, quanto a nível de mudança de hábitos e de responsabilização das plataformas”, afirma Nathália Braga. Contudo, a jornalista lembra que diversos outros projetos para proteger os direitos de crianças e adolescentes na internet já foram barrados antes.

Uma das propostas mais amplas ligadas à proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais é o PL 2.628/2022. Parado na Comissão de Comunicação, a proposta se baseia no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e prevê diversos mecanismos para resguardar os direitos de crianças e adolescentes na internet, incluindo aspectos sobre privacidade de dados e publicidade.

O PL chegou a receber apoio de entidades ligadas à infância, como o Instituto Alana. Entre alguns dos pontos da proposta, estão a proibição de práticas de perfilamento comportamental com finalidade de publicidade infantil, além de obrigatoriedade das plataformas desenharem sistemas que impeçam o acesso a materiais ilegais ou prejudiciais, como pornografia. 

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Nathália começou a se interessar pelo tema na graduação; documentário rendeu minissérie sobre adultização de meninos (Foto: Reprodução)
Nathália começou a se interessar pelo tema na graduação; documentário rendeu minissérie sobre adultização de meninos (Foto: Reprodução)

Adultização de meninos

No vídeo sobre adultização, Felca descreve como meninas se tornaram vítimas de redes de exploração e pedofilia, por vezes, com apoio de familiares. O mesmo pode acontecer com os meninos. Como um desdobramento de “Infância em Caixa”, Nathália Braga produziu uma minissérie sobre adultização e hiperssexualização de meninos na internet.

Um dos exemplos citados pela jornalista são clipes de músicas que mostram meninos dançando e sensualizando ao lado de mulheres. Porém, Nathália aponta que essa não é a única situação que configura a adultização de meninos. “Da mesma forma que está comprovado que um vídeo de uma menina de biquíni é usado para propósitos terríveis, um vídeo de um menino sem camisa também é. E um vídeo de um menino 100% vestido, mas com um discurso adultizado também é usado de forma completamente prejudicial”, pontua ela.

As redes sociais também importam lógicas patriarcais e misóginas da sociedade, o que é igualmente monetizado pelas plataformas. “Existe uma versão parecida com esse experimento que o Felca fez, mas  simulando o perfil de um menino adolescente, e vemos que em questão de segundos, começa a aparecer conteúdo violento”, explica Nathália, sobre a rapidez com que os algoritmos são condicionados para encontrar conteúdos sobre violência e misoginia.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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