Nas ruas sem enxergar: ‘Ou você come comida do lixo ou faz coisa errada. Eu fico com fome’

Bibi ficou em situação de rua após ter sido abandonada pela família. Por conta de uma bactéria na retina perdeu a visão e teve que se adaptar a uma nova vida

Por Luiza Trindade | ODS 1ODS 10 • Publicada em 27 de julho de 2021 - 11:29 • Atualizada em 3 de agosto de 2021 - 10:11

Bibi: adaptação a uma nova vida depois de perder a visão | Reprodução/Vozes das Ruas

Bibi: adaptação a uma nova vida depois de perder a visão | Reprodução/Vozes das Ruas

Bibi ficou em situação de rua após ter sido abandonada pela família. Por conta de uma bactéria na retina perdeu a visão e teve que se adaptar a uma nova vida

Por Luiza Trindade | ODS 1ODS 10 • Publicada em 27 de julho de 2021 - 11:29 • Atualizada em 3 de agosto de 2021 - 10:11

Roberta Kelly, mais conhecida como Bibi, tem 39 anos e está em situação de rua há pelo menos cinco. É frequentadora das rondas do Projeto Ruas, em Copacabana, bairro com a segunda maior população de rua do Rio de Janeiro, segundo a Prefeitura. Lá, ela não passa despercebida: conversa com todo mundo, faz todas as atividades propostas pela ONG e adora defender suas opiniões.

Assista ao episódio de Vozes das Ruas:

Quando propus que conversássemos, no início de 2020 (anteriormente à pandemia de coronavírus), ela logo ficou desconfiada. Não nos conhecíamos, por que dividiria sua história comigo? Desconversou e não deu muita atenção. Depois, percebeu  que eu estava conversando com outras pessoas, e a curiosidade bateu. Responderia às minhas perguntas, mas enfatizou que não teria muito tempo.

Juntamente com outras três histórias, Bibi faz parte da nova série documental do #Colabora, Vozes das Ruas. A produção traz depoimentos gravados durante as rondas da ONG Projeto Ruas, que presta apoio e assistência a pessoas sem moradia no Rio de Janeiro.

Mais: Todas as histórias da série Vozes das Ruas

Em julho de 2019, Bibi perdeu a visão por conta de uma bactéria na retina. Desde então, sua vida mudou completamente. “Foi horrível, antes eu enxergava tudo. Aí eu dormi enxergando e acordei cega. Para mim, ali, o mundo acabou. Fiquei sem chão. Agora que eu “tô” me acostumando”, divide. 

Mais: Estupros, humilhações e agressões – a vida das mulheres em situação de rua em São Paulo

Dormi enxergando e acordei cega. Para mim, ali, o mundo acabou. Tem umas pessoas que enxergam a gente como lixo, como nada. Me sinto mal, estranha, por estar na rua

Ela conta que precisou pedir apoio para realizar coisas básicas do seu dia a dia e acabou fazendo amigos que a ajudam. Bibi foi abandonada pela família e não gosta de entrar nesse assunto. Mas fala com muito carinho que encontrou uma “nova família maravilhosa”, que são os voluntários da ONG. Apesar da assistência, reforça que estar cega na rua é um desafio. “O que me dá felicidade é o dia que eu consigo fazer alguma coisa sozinha. Hoje eu atravessei a rua sozinha, fiquei escutando para ver se não vinha carro e atravessei”. 

Além da dificuldade por conta da deficiência, existe o preconceito escancarado por ela estar em situação de rua. “Tem umas pessoas que enxergam a gente como lixo, como nada. Me sinto mal, estranha, por estar na rua”. Para ela, para não passar fome você tem duas opções: “Ou você come comida do lixo, ou você faz coisa errada. Como eu não faço nem um nem outro, eu fico com fome”. 

Recentemente, meses depois da entrevista, soubemos que Bibi realizou uma cirurgia nos olhos com o apoio da Igreja e teve uma ótima recuperação. Chegou a ficar um tempo na na instituição, mas voltou para a rua. Bibi participou das ações emergenciais realizadas pelo Projeto Ruas ao longo da pandemia. Essas ações consistem em levar quentinhas para a população sem teto. 

Mais: Para milhares de pessoas, ficar em casa significa ficar nas ruas

Colabora lança ‘Vozes das Ruas’, série com depoimentos de brasileiros em situação de rua
Bibi: “Foi horrível, antes eu enxergava tudo. Aí eu dormi enxergando e acordei cega. Para mim, ali, o mundo acabou. Fiquei sem chão” (Reprodução/Vozes das Ruas)

Luiza Trindade

Luiza Trindade é jornalista e cineasta. Seu documentário de estreia é o "Adelante - A luta das venezuelanas refugiadas no Brasil", uma co-produção com a editoria Celina, do jornal O Globo. Ainda abordando esse tema realizou um curta-documental de uma oficina artística com o apoio da PARES Cáritas e do Acnur. Os registros ficaram expostos no Sesc Madureira por um mês em 2019. Luiza trabalhou como assistente de direção no filme "Lulli", da Netflix, e também dirigiu e roteirizou o videoclipe "Granada", da cantora Bia B.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *