Mumbuca: moeda social eletrônica

Prefeitura de Maricá usa royalties do petróleo para reduzir desigualdade e escolhe banco comunitário como repassador oficial dos seus programas de renda mínima

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 12 de setembro de 2018 - 08:40 • Atualizada em 28 de setembro de 2020 - 17:52

Mumbuca, moeda social de Marica. Foto de Gustavo Stephan

Mumbuca, moeda social de Marica. Foto de Gustavo Stephan

Prefeitura de Maricá usa royalties do petróleo para reduzir desigualdade e escolhe banco comunitário como repassador oficial dos seus programas de renda mínima

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 12 de setembro de 2018 - 08:40 • Atualizada em 28 de setembro de 2020 - 17:52

No lugar de porta giratória, onde o cliente de um banco comercial é obrigado a despejar, praticamente, todos os seus pertences, e, ainda assim, corre o risco de não ser liberado pelo detector de metais; água, cafezinho e pipoca. O mimo é corriqueiro. O agrado se repete ao longo do dia, especialmente no começo do mês, quando a fila se estende até a esquina, serpenteando na calçada. Quem chega cedo, se acomoda nas cadeiras de plástico, dispostas lado a lado, na varanda. A longa espera na fila não causa tédio, irritação ou estresse. É quando o correntista do Banco Mumbuca coloca a conversa em dia com um amigo, vizinho ou parente. Todos ali se conhecem.

Temos uma dívida histórica com essa população, por isso os indígenas recebem mais que os outros beneficiários dos programas de renda mínima da prefeitura

Funcionando numa casa modesta, de dois andares, no centro de Maricá, o Banco Mumbuca pegou emprestado o nome do rio que corta vários bairros da cidade, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, para batizar a instituição financeira. Ao completar cinco anos em julho, o Mumbuca já nasceu digital, no formato de cartão magnético, despejado pelas máquinas POS (pontos de serviço). Sua moeda social nunca foi impressa, como sempre ocorreu com os bancos comunitários em operação no país. A diferença acaba aí. De uso restrito aos 283 estabelecimentos comerciais locais cadastrados no banco, têm de tudo um pouco: birosca, restaurante, farmácia, loja de material de construção, papelaria e até barraquinha de cachorro-quente.

Sede do Banco Mumbuca, em Marica. Foto de Liana Melo

Repassador oficial dos programas de transferência de renda mínima da prefeitura de Maricá, o banco tem 13 mil correntistas. As famílias cadastradas recebem R$ 110,00, o equivalente a 110 mumbucas por mês. Os Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã, população indígena da etnia guarani da Aldeia da Mata Verde Bonita, localizada nas proximidades da cidade, recebem três vezes mais da prefeitura: 330 mumbucas. “Temos uma dívida histórica com essa população, por isso os indígenas recebem mais que os outros beneficiários dos programas de renda mínima da prefeitura”, explica Diego Zeidan, secretário municipal de Economia Solidária.

Na contramão do Rio de Janeiro, que está submerso numa crise econômica e, praticamente, falido,  Maricá entrou na rota do pré-sal, em 2010. Foi quando descobriu-se um megacampo na Bacia de Santos, batizado de Campo de Lula. Devido a sua localização fronteiriça, 49% dos recursos da exploração do pré-sal vão parar nos cofres da prefeitura da cidade. O campo entrou em operação e, rapidamente, transformou-se num recordistas de pagamento de royalties do petróleo no estado, mas a riqueza do subsolo não chegava às mãos de todos. Um total de 13 mil famílias de Maricá viviam em situação de extrema vulnerabilidade social. Foi quando a prefeitura decidiu usar os royalties do petróleo para enfrentar a pobreza. Nascia o Banco Mumbuca, que já começou com um caixa gordo de R$ 2 milhões, por ter sido escolhido como o repassador oficial dos programas de renda mínima da prefeitura.

Mumbuca, moeda social de Marica. Foto de Gustavo Stephan
Ao contrário dos bancos tradicionais, o Mumbuca não tem burocracia para o correntista abrir uma conta bancária (Foto de Gustavo Stephan)

Estamos crescendo

como cupim

O próximo passo é transformar o Banco Mumbuca em correspondente bancário da Caixa Econômica Federal, podendo receber o pagamento dos boletos do programa “Minha Casa, Minha Vida”. São ao todo, três mil unidades na cidade. As negociações estão avançadas. “Estamos crescendo como cupim”, brinca o teólogo, educador e, hoje, banqueiro João Joaquim de Melo Neto. Fundador do primeiro banco comunitário do país, o Palma, no Ceará, Joaquim passou a se dividir entre Fortaleza e Maricá, desde que virou presidente do Banco Mumbuca.

Conversível ao Real, o Mumbuca está mudando a vida do comércio de Maricá. A loja o Mundo das Embalagens , por exemplo, já triplicou de tamanho, e de faturamento, desde que a moeda social passou a circular na cidade, há cinco anos. “Metade das nossas vendas são em Mumbuca”, comemora o gerente da loja, Douglas Santos, comentando que foi um dos primeiros a cadastrar seu comércio no Banco Mumbuca. Hoje, o estabelecimento já tem quatro concorrentes no quarteirão onde está localizada, no centro da cidade. Beneficiários dos programas de renda mínima da prefeitura vão Mundo das Embalagens comprar produtos, que são revendidos em bairros distantes do centro da cidade. “Viramos fornecedores”, diz Santos.

Adriana Barcelos reformou o quarto com Mumbuca. Foto de Jorge Andre/ Ecosol Marica
Adriana Barcelos reformou o quarto com Mumbuca (Foto de Jorge Andre/ Ecosol Maricá)

A maricaense Adriana Barcelo Elias estava recém-separada, quando decidiu voltar à cidade natal. Enquanto esteve casada, ela morou no Rio. Sem condições de alugar um quarto para morar, decidiu morar na casa da mãe. Seus três filhos já estavam crescidos e cada um deles já tinha constituído suas próprias famílias. Em Maricá,  Adriana descobriu que tinha direito ao benefício do programa renda mínima da prefeitura, mas como nunca tinha recebido um tostão, tinha acumulado R$ 2 mil, ou 2 mil Mumbucas. Foi com este dinheiro que conseguiu reformar o conjugado em que mora, atualmente, no terreno onde vive sua mãe. “Esse dinheiro é abençoado”, comemora.

Bancos do Bem

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Mumbuca: moeda social eletrônica

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