Que tal ajudar a produzir suas frutas e verduras?

Os consumidores visitam os agricultores e aprendem também a plantar (Foto Evelyn Cianfarano)

Consumidores tornam-se coprodutores de alimentos em um movimento que cresce no Brasil e melhora vida no campo

Por Luciana Cabral-Doneda | Economia VerdeODS 15 • Publicada em 27 de novembro de 2017 - 18:16 • Atualizada em 4 de dezembro de 2017 - 17:22

Os consumidores visitam os agricultores e aprendem também a plantar (Foto Evelyn Cianfarano)
Tânia é uma entusiasta das CSAs: mais do que consumo, uma filosofia (Foto Luciana Cabral)
Tânia é uma entusiasta das CSAs: mais do que consumo, uma filosofia (Foto Luciana Cabral)

Já imaginou ser, além de consumidor, coprodutor de frutas, verduras e cereais que chegam à sua mesa? Sim, isso é possível até para os mais urbanos seres humanos. E é uma filosofia de consumo difundida em países como Japão, Estados Unidos e Alemanha. Por aqui,  recebeu o nome de Comunidade que Sustenta a Agricultura  (CSA),  um modelo de desenvolvimento agrário sustentável no qual o escoamento de produtos orgânicos é feito diretamente para o consumidor, numa relação direta entre quem produz e quem consome. A cada ano mais CSAs são criadas, proporcionando aos pequenos agricultores a garantia do investimento na sua produção e maior participação da comunidade nas áreas agrícolas próximas às grandes cidades. Atualmente existem mais de 60 CSAs em funcionamento no país.

Como funciona?

Cada coprodutor contribui com uma quantia fixa mensal, que, no Brasil, varia de R$ 130 a R$ 180, dependendo da região. Os agricultores se comprometem a entregar semanalmente uma cesta com os seus produtos – tudo sem agrotóxico!  Uma semana vem alface, batata doce, almeirão, morangos, feijão; na outra, cenouras, couve-flor, mexericas, rúcula, aipo… A variação depende das estações do ano, do clima, do preço das sementes e mudas. O agricultor se organiza com a renda fixa. O consumidor tem a garantia de produtos frescos e sem veneno, além de ser “obrigado” a variar seus alimentos e trabalhar sua criatividade na cozinha.

Depois de 17 anos sem férias, um agricultor de Botucatu, em São Paulo, confessou, com lágrimas nos olhos, que depois de entrar para uma CSA conseguiu enfim uns dias de descanso remunerado

Ao participar de uma CSA,  produtor pode se dedicar livremente à sua produção, sem se sentir pressionado pelas oscilações de mercado, pois ele tem a garantia de escoamento da produção. E existe também a divisão da responsabilidade que aproxima quem produz e quem consome, além de evitar o desperdício de alimentos. Este modelo de produção protege as pequenas estruturas agrícolas e seus produtores, que optam por plantar um alimento livre de veneno que, no entanto, tem menos rentabilidade. Por isso é muito importante estabelecer relações de confiança, e o agricultor deve apresentar todas as informações sobre os seus gastos.

Esse tipo de organização converge para o resgate da solidariedade camponesa, em detrimento da concentração de capital que marca a lógica do agronegócio.

“Depois de 17 anos sem férias, um agricultor de Botucatu, em São Paulo, confessou, com lágrimas nos olhos, que depois de entrar para uma CSA conseguiu enfim uns dias de descanso remunerado”, conta o pedagogo André Garcia, ex-coordenador de uma CSA de Curitiba, no Paraná, que estudou agricultura biodinâmica na mais antiga CSA do Brasil em atividade, a Demétria, em Botucatu, que já tem mais de cinco anos, reproduzindo o modelo que já dá certo há décadas nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, na China.

É uma nova forma de economia? 

As CSAs têm como maior inspirador o austríaco Rudolf Steiner, criador da pedagogia waldorf e da agricultura biodinâmica,  e a ideia foi trazida para o Brasil por Hermann Pohlmann, que já praticava na Alemanha, em 2011.  A  biodinâmica prevê novas formas de propriedade em que a terra deveria ser mantida pela comunidade, a partir de novas formas de cooperação  em que redes de relações humanas substituem o sistema tradicional de empregador/empregado e cria novas formas de economia baseada não no lucro, mas nas necessidades das pessoas. “É uma tecnologia social, um remédio para a terra”, define Garcia.

Os consumidores visitam os agricultores e aprendem também a plantar (Foto Evelyn Cianfarano)
Os consumidores visitam os agricultores e aprendem também a plantar (Foto divulgação CSA/Brasil)

“Esse tipo de organização converge para o resgate da solidariedade camponesa, em detrimento da concentração de capital que marca a lógica do agronegócio. É importante assinalar que o campesinato é uma classe que se organiza há milênios. Por isso insisto na ideia de resgate, e não apenas de contraponto. Foram os atravessadores e concentradores de renda – e de terra – que chegaram depois, portanto cabe aos camponeses (somente Brasil e Estados Unidos falam em “agricultores familiares”, nomenclatura do Banco Mundial) afirmar as características de seu modo de produção, fundado, sim, na solidariedade entre seus pares, e não na concentração de terra e renda. Trata-se de mais uma iniciativa no sentido da resistência, em meio a um conflito provocado por aqueles que avançam sobre os territórios tradicionais”, avalia o pesquisador Alceu Castilho, editor do Observatório De Olho nos Ruralistas.

Como se sentem esses coprodutores?

Em Curitiba, no Paraná,  desde julho de 2015, os agricultores Carlos e Silvia Kmiecick estão vinculados à CSA Sítio São Carlos, localizados em Campo Magro, na periferia da cidade. Toda quarta-feira eles entregam seus produtos na Escola Waldorf Turmalina. Desde que aderiram ao CSA, Silvia e Carlos foram pouco a pouco reduzindo a sua participação nas feiras livres e se sentiram mais seguros para ampliar a família. Sílvia já está grávida do segundo filho.  Além de receber os produtos, os associados participam da distribuição e, uma vez por mês, são convidados a ir até o sítio participar do plantio, do roçado, da limpeza dos legumes. Silvia e Carlos ensinam  também educação ambiental aos coprodutores, principalmente para as crianças. “Assim realmente nos sentimos corresponsáveis com a produção dos alimentos que consumimos, para minha família é restaurador, nos sentimos fazendo a diferença, mesmo que seja pequena”, afirma a psicóloga Tânia Alves, 43 anos, mãe de Luna, 11, e Ravi, 4. 

Os produtores das CSAs mantêm contato constante com os consumdores 9Foto Luciana Cabral)
Os produtores das CSAs mantêm contato constante com os consumdores 9Foto Luciana Cabral)

Para Tânia, fazer parte de uma CSA não é só comércio, mas sim a confiança, visto que o consumidor sabe de onde vem o alimento que está consumindo. Os agricultores, além de seguirem as culturas anuais de frutas e hortaliças, seguem parâmetros da CSA Brasil, que estimula o plantio de alimentos que precisam de menos água para serem produzidos. Plantar alface, por exemplo, tem um custo ambiental muito maior do que plantar quiabo. Um sistema de agricultura solidária e mais sustentável, sem intermediários, com ajuda dos coprodutores para a organização da distribuição e o financiamento de sua produção. Para os envolvidos, fazer parte de uma CSA é promover também saúde: individual, consumindo produtos orgânicos; ambiental, respeitando a natureza; social, porque ajuda o agricultor a ficar no campo; econômico, oferecendo preços justos e estimulando a economia local; saúde cultural, porque respeita a diversidade, e espiritual porque aproxima as pessoas da natureza.

Como é o movimento pelo mundo?

Espalhados pelo mundo, em países tão diversos quanto Japão, Estados Unidos, Cuba, França, Marrocos, China, Portugal ou Mali, esses grupos de pequenos agricultores e consumidores têm criado comunidades em torno de alimentos cultivados localmente, baseadas em princípios de ajuda mútua, compartilhamento dos riscos e tarefas coletivas. Os nomes das iniciativas de agricultura comunitária pelo mundo são diferentes, mas na essência são  agricultores e cidadãos-consumidores que estão se adaptando às culturas locais.

Um dos primeiros grupos da “era moderna” da agricultura comunitária surgiu na Alemanha, nos anos 1960, em Fuhlhagen, perto de Hamburgo, na fazenda Buschberg. No Japão, em 1971, Teruo Ichiraku, filósofo e líder de cooperativas agrícolas,  alertou os consumidores para os perigos do uso de produtos químicos na agricultura e desencadeou o movimento da agricultura orgânica no país. Três anos mais tarde, um grupo de mães e donas de casa preocupadas com este assunto juntaram-se a um grupo de agricultores familiares e formaram o primeiro Teikei (Parceria). Atualmente são 20 milhões de japoneses participando dos Teikei em todo o país.

Em 1985, Jan Vandertuin divulgou a CSA de Topinambour, perto de Zurique, na Suíça, nos Estados Unidos, e ali Robyn Van En semeou o conceito em conferências de agricultura orgânica e biodinâmica.  Ao longo das décadas de 1980 e 1990, os grupos de CSA  dos Estados Unidos floresceram  com a criação de mais de 1000 comunidades, envolvendo cerca de 4 milhões de coagricultores. No Brasil, foi em 2011, no Fórum Mundial Social em Porto Alegre, que o conceito da CSA foi apresentado pela primeira vez como um grande potencial para o futuro da agricultura no Brasil. “A roda da economia gira mais rápido com o agronegócio, mas com o tempo os agricultores ficam doentes com os agrotóxicos, a terra empobrece, a qualidade dos alimentos cai, aos poucos estamos despertando para a necessidade de cuidar de nós mesmos e do nosso planeta”, alerta Garcia. E, ao lado de tantas outras iniciativas, como as hortas comunitárias, os grupos de compra solidários, as feiras de orgânicos, as CSAs apresentam atualmente um forte potencial de crescimento e de amadurecimento de um modelo mais sustentável de agricultura.

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