Produção e preservação lado a lado no campo

Floresta e agricultura associadas em uma propriedade rural (Foto Fernando Maia)

Mais de 4 milhões de propriedades já foram registradas no Cadastro Ambiental Rural, que é ferramenta para combater desmatamento

Por Claudia Silva Jacobs | Conteúdo de marca • Publicada em 8 de março de 2018 - 08:00 • Atualizada em 18 de março de 2020 - 17:27

Floresta e agricultura associadas em uma propriedade rural (Foto Fernando Maia)

Uma sigla de três letras tornou-se um ferramenta essencial para combater o desmatamento no Brasil: CAR, o Cadastro Ambiental Rural, ainda pouco conhecido de boa parte dos brasileiros, mas indispensável para ambientalistas, produtores rurais e governos. Criado em 2012, como instrumento auxiliar de regulamentação da lei que criou o Código Florestal, o CAR oferece respostas para uma série de perguntas indispensáveis para a política de preservação e recuperação das florestas brasileiras. Depois de completados os registros de todas as propriedades rurais do país, começaremos a ter acesso a números que, anteriormente, eram apenas suposições. Ou seja: saberemos com mais exatidão quantos milhões de hectares precisam ser reflorestados ou recuperados com vegetação nativa para atender o Código Florestal. O CAR vem sendo a solução para enfrentar um problema que de fato existe: a dificuldade do Brasil em identificar e combater o desmatamento.

Não tenho dúvidas que o CAR é um grande passo. Governo, produtores, cientistas e sindicatos rurais trabalhando juntos. É fundamental mostrar que os produtores estão buscando alternativas responsáveis, para produzir melhor. Já tem muita gente buscando a regularização de suas terras, o replantio de espécies nativas, a preservação de reserva legal e o respeito às áreas de preservação permanente

O CAR é um registro eletrônico exigido para todos os imóveis rurais, que atualmente são obrigados por lei a manter uma área de vegetação nativa, a título de Reserva Legal. Na Amazônia Legal, são 80% do terreno, 35% na área do Cerrado e 20% nas demais regiões do país. Além da área de reserva legal, o cadastro deve registrar também as Áreas de Preservação Permanente, outra exigência do Código Florestal, que trata da manutenção de vegetação nativa no entorno de corpo hídricos, nascentes, encostas com declividade superior a 45% e topos de morro.

O Cadastro Ambiental Rural é uma ferramenta para combater o desmatamento e fomentar o reflorestamento (Foto Fernando Maia)
O Cadastro Ambiental Rural é uma ferramenta para combater o desmatamento e fomentar o reflorestamento (Foto Fernando Maia)

“Não tenho dúvidas que o CAR é um grande passo. Governo, produtores, cientistas e sindicatos rurais trabalhando juntos. É fundamental mostrar que os produtores estão buscando alternativas responsáveis, para produzir melhor. Já tem muita gente buscando a regularização de suas terras, o replantio de espécies nativas, a preservação de reserva legal e o respeito às áreas de preservação permanente”, destaca José Felipe Ribeiro, pesquisador da Embrapa Cerrados.

Com 65% de sua vegetação natural preservada, segundo o Mapa do Bioma (IBGE, 2016), o Brasil ainda tem potencial para aumentar esse número com a participação dos produtores rurais, já que cerca de 30% do território nacional são dedicados à agricultura e à pecuária. “O CAR é um grande projeto. Mais de 4 milhões de produtores já fizeram seus cadastros. Agora, nós, da Embrapa, temos todo o mapeamento do país, com grande precisão. Os estados recebem as áreas preservadas pelos produtores através das imagens. Aí, podem verificar com máxima precisão os cadastros. O importante é gerir os 177 milhões de hectares de áreas destinadas à preservação no interior das propriedades privadas. E isso vem acontecendo”, destaca Evaristo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial.

De acordo com um levantamento da Nasa e do Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil tem 7,6% de suas áreas cultivadas com agricultura; são 18,3% nos EUA; 17,7% na China, e 60,5% na Índia. Com o CAR o levantamento do território nacional será mais preciso. “A área cultivada, de acordo com os nossos levantamentos, está em torno de 7,8 por cento do território nacional, que é uma média muito baixa em comparação a outros países. No relatório apresentado pela Agência Espacial Americana, a Nasa, no final do ano passado, o Brasil tem 7,6% do seu território de áreas agrícola, muito abaixo de países europeus. A Dinamarca cultiva 76,8%, a Irlanda, 74,7%; os Países Baixos, a Alemanha 56,9%.. O Brasil tem um potencial incrível, e os agricultores estão fazendo a sua parte, produzindo e preservando. Os números estão aí para comprovar ”, defende Miranda.

Ao final de 2017, seis anos após a criação do cadastro, há cerca de 4,7 milhões de imóveis rurais registrados. O prazo final para registro é maio deste ano.

Cadastro Ambiental Rural (Arte Fernando Alvarus)
Cadastro Ambiental Rural (Arte Fernando Alvarus)

 

Monitoramento por satélite

Ministra do Meio Ambiente à época da criação do CAR e atualmente copresidente do Painel dos Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente, Izabella Teixeira destaca as características “revolucionárias e inéditas” da iniciativa. Ela explica que, junto com o cadastro, foi criado um sistema de monitoramento de satélite para validar os dados declarados pelos agricultores, essa parte tecnológica pode ser base para diferentes segmentos, como mapeamento dos cursos dos rios, por exemplo. Todo esse material pode ajudar a avaliar os esforços que precisam ser dedicados à preservação de cada região.
“O CAR é um instrumento inovador, único, inédito no mundo e com grande credibilidade. É um grande instrumento de caráter demonstrativo. O CAR foi um ponto de convergência entre ruralistas e ambientalistas, que concordaram sobre a necessidade de se criar um documento, baseado em tecnologia de ponta, que pudesse balizar o novo código ambiental”, destaca a ex-ministra.

Tranquilidade para agricultores

Aos 72 anos, Domingos Inácio Salgado é um dos que já está com sua situação regularizada via CAR. Produtor de soja, milho e feijão em Minas Gerais, ele está satisfeito com a transparência oferecida pelo programa. “O CAR facilitou a vida do produtor. O cadastro veio trazer tranquilidade não só para os produtores, como para o país inteiro. Agora, podemos ter um retrato verdadeiro da área rural e não apenas notícias sem provas. Muita gente, principalmente nas cidades, tinha uma visão errônea do que acontecia no campo. Agora, já se sabe que temos muito mais áreas preservadas do que se imaginava. E isso é bom para a imagem do país também no exterior”, avalia, destacando a própria experiência: “O CAR é um documento simples, que todo mundo pode fazer, como se fosse um Imposto de Renda. Depois do CAR tenho certeza de que estou com tudo organizado, com minhas áreas de reserva legal e área de preservação permanente dentro da lei”.

Unir pecuária, agricultura e florestas em uma só área é um dos caminhos para reduzir impacto ambiental (Foto Fernando Maia)
Unir pecuária, agricultura e florestas em uma só área é um dos caminhos para reduzir impacto ambiental (Foto Fernando Maia)

Como funciona o CAR?

O processo de regularização de terras rurais por meio do CAR passa por etapas. O cadastro eletrônico, no qual são informados nome do proprietário, localização, área de vegetação nativa remanescente, área de preservação permanente, áreas construídas, entre outros itens, é apenas o primeiro passo, lembrando que todas essas informações são georreferenciadas. Depois de enviado o formulário, com as coordenadas geográficas de cada ponto, o Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) emite um recibo, e os produtores podem acompanhar on-line a análise da situação de sua propriedade que será feita pelo órgão estadual competente, com finalização prevista para 2020. Durante este período, o CAR pode estar ativo, pendente ou cancelado. Caso detectadas irregularidades, começa o processo de regularização, no qual o proprietário assina um termo de compromisso e busca as alternativas para manter o cadastro ativo, através do PRA, o Plano de Regulamentação Ambiental.

Com esses mecanismos, está sendo criada uma base de apoio à preservação de vegetação nativa e biodiversidade, auxiliando organizações como a Embrapa na consultoria de produtores que necessitem restaurar áreas degradadas, com o fornecimento de mudas de plantas nativas, acompanhamento técnicos e análises de solo e hidrografia.

O desafio da fiscalização

Com 4 milhões de propriedades rurais já cadastradas, o maior desafio ao sucesso do CAR é a capacidade de fiscalizar e monitorar se os produtores estão fazendo a recuperação ambiental necessária.
No estado de Minas Gerais, por exemplo, são cerca de 700 mil imóveis rurais. A missão árdua de fiscalizar e reconhecer os cadastros que estão sendo feitos até dia 31 de maio é do Instituto Estadual de Florestas (IEF). De acordo com Mariana Megali, gerente de Cadastro Ambiental Rural da secretaria de Meio Ambiente do estado de Minas, quase 656 mil imóveis já estão na base de dados. No momento, os órgãos ligados à fiscalização estão elaborando um plano de ação para definir como será a abordagem dos fiscais para a conferência dos dados, quais ou que categorias de imóveis serão vistoriadas in loco, já que é inviável visitar todas as propriedades rurais do estado.
“Estamos articulando como será todo o procedimento e quais serão as prioridades. O grande desafio é operacionalizar todo esse sistema. O CAR é um processo dinâmico, que pode ser atualizado a todo tempo. Por isso, não dá para se precisar quando teremos concluído esse processo de validação dos cadastros”, explica Mariana, ciente de que muitos proprietários estão esperando com urgência a confirmação de seus cadastros, pois, a partir deste ano, muitos produtores vão precisar estar ativos no cadastro para obterem financiamentos bancários, entre outros serviços.

Apex-Brasil

 

 

Claudia Silva Jacobs

Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com

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