México e Brasil: juntos na alegria, na violência e na corrupção

Policiais patrulham a aldeia indígena Nahuatzen, no estado de Michoacan: milhares de índios bloquearam estradas em protesto contra as eleições, revoltados contra a corrupção (Foto Enrique Castro/AFP)

Adversários na Copa do Mundo, os dois países têm vários pontos em comum, da polarização entre esquerda e direita à desigualdade

Por Valquiria Daher | ODS 11ODS 8 • Publicada em 30 de junho de 2018 - 17:57 • Atualizada em 11 de julho de 2018 - 13:19

Policiais patrulham a aldeia indígena Nahuatzen, no estado de Michoacan: milhares de índios bloquearam estradas em protesto contra as eleições, revoltados contra a corrupção (Foto Enrique Castro/AFP)
Policiais patrulham a aldeia indígena Nahuatzen, no estado de Michoacan: milhares de índios bloquearam estradas em protesto contra as eleições, revoltados contra a corrupção (Foto Enrique Castro/AFP)
Policiais patrulham a aldeia indígena Nahuatzen, no estado de Michoacan: milhares de índios bloquearam estradas em protesto contra as eleições, revoltados contra a corrupção (Foto Enrique Castro/AFP)

Época de Copa do Mundo é líquido e certo. Todo dia, toda hora, um estereótipo é usado para descrever uma população. Japonês é disciplinado, argentino é raçudo, alemão é frio… até que provem o contrário. Para brasileiros e mexicanos, sobra sempre a alegria. Bobagens, por vezes racistas, à parte, talvez poucos países sejam tanto o espelho do Brasil como o México. Mas se estamos juntos na tal alegria, o mesmo vale para a tristeza. Violência, corrupção, desigualdade são alguns dos problemas comuns às duas nações, cujas seleções  se enfrentam nesta segunda (2/07), às 11h, pelas oitavas-de-final do mundial de futebol. Países de grandes dimensões, superpopulosos e pouco desenvolvidos, outros pontos menos conhecidos também nos  aproximam de nossos verdadeiros ‘hermanos’.

Eleições polarizadas. Os mexicanos foram às urnas neste domingo (1/06), apenas quatro meses antes do Brasil. E lá como cá, há uma polarização entre esquerda e direita. Já comparado a Lula, Andrés Manuel López Obrador, do partido Movimento de Regeneração Nacional (Morena), finalmente, venceu, em sua terceira corrida à Presidência. Com o crescimento da candidatura de esquerda, marcada por mensagens contra o sistema e o neoliberalismo e denunciando a “máfia no poder”, explodiu uma campanha para espalhar o medo, afirmando que AMLO promoverá uma “venezualização” do país, que teria vínculos com a Rússia e que destruirá a economia. O segundo colocado nas pesquisas era Ricardo Anaya, do conservador Partido de Acción Nacional, que, apoiado por uma coalizão, tentou se promover com um social-democrata. Com as denúncias de corrupção contra o atual governo, o candidato da situação, Jose Antonio Meade, do Partido Revolucionário Institucional, entrou na disputa totalmente enfraquecido.

AMLO, como Obrador é chamado, comemora a vitória nas urnas (Foto Alfredo Estrella/AFP)
AMLO, como Obrador é chamado, comemora a vitória nas urnas (Foto Alfredo Estrella/AFP)

Assassinatos de políticos. O pleito mexicano foi marcado pela violência, que afeta o país brutalmente desde 2006. Foram contabilizados 136 assassinatos desde setembro do ano passado, quando começou a campanha eleitoral. Histórias brutais se sucederam, como a do candidato a deputado Fernando Purón, baleado pela costas quando tirava uma selfie. O político havia combatido o cartel Los Zetas, quando era prefeito de Piedras Negras, Coahuila. O cenário é tão tenso que há preocupação sobre a presença dos eleitores nas urnas. Sem estatísticas oficiais, o Brasil ainda se pergunta “quem matou Marielle?”. Nas eleições de 2016, o Superior Tribunal Eleitoral afirmou que houve 28 assassinatos com motivação aparentemente política.

Protesto contra os políticos na Cidade do México, às vésperas das eleições (Foto Ulises Ruiz /AFP)
Protesto contra os políticos na Cidade do México, às vésperas das eleições (Foto Ulises Ruiz /AFP)

Violência e narcotráfico. No ranking dos 132 países mais inseguros do mundo, feito pela ONG Social Progress Imperative, em 2017, o México está em nono lugar, um pouco à frente do Brasil, no 11º. Para elaborar a lista, foram levados em conta número de homicídios, de crimes violentos, percepção da criminalidade, terrorismo e mortes no trânsito. Em outro levantamento, da Organização Mundial da Saúde, nosso país supera o vizinho dos Estados Unidos em número de assassinatos: são 30,5 homicídios por 100 mil habitantes por aqui, contra 19 em terras mexicanas. Os números, portanto, não deixam dúvidas da violência extrema a que as populações dos dois países são submetidas, mas há diferenças. No México, a maioria dos assassinatos acontece no contexto da guerra dos cartéis do narcotráfico e está concentrada no campo de atuação desses grupos. Enquanto algumas cidades têm índices de homicídios de países desenvolvidos, outras estão entre as mais violentas do mundo, como a turística Los Cabos. São comuns as imagens de corpos mutilados e queimados em beiras de estradas ou mulheres degoladas flutuando em rios. E chocou o mundo o caso dos 43 estudantes sequestrados e desaparecidos sem rastros. Há indícios de que o tráfico se infiltrou em várias estruturas governamentais. “Não consigo pensar em outro país onde o crime organizado alcançou tanto poder como no México”, diz Sergio Aguayo, especialista em segurança da universidade El Colegio de Mexico.  

Intervenção militar.  Quando começou a intervenção militar no Rio de Janeiro, o México foi usado como exemplo de fracasso desse tipo de ação. Não é à toa. A escalada de violência no país começou justamente a partir de 2006, quando então presidente Felipe Calderón decidiu usar as forças armadas para combater o narcotráfico.  A estratégia deu errado e o resultado foi a fragmentação dos grupos. Hoje há cerca de 400 cartéis no México e sua luta por poder é uma das origens de tanta violência.

Corrupção. Entre 176 países, o México está em 123º lugar no Index de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, enquanto o  Brasíl é o 79º da lista. Escândalos se acumulam no atual governo, do presidente Enrique Peña Nieto. Um deles envolveu a primeira-dama que teria comprado uma mansão de uma empreiteira que presta serviço para o governo, com facilidades.    

Desigualdade. Com índices de desenvolvimento humano equivalentes (0,754 para o Brasil e 0,762 para o México), os dois países sofrem com a concentração de renda. Segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), dois terços da riqueza estão em poder de 10% das famílias do país. Já um levantamento do IBGE aponta que os 10% brasileiros mais ricos detêm 43,3% da renda total do país. Os 10% mais pobres ficam com 0,7%.

Valquiria Daher

Formada em Jornalismo pela UFF, nasceu em São Paulo, mas cresceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi repórter do jornal “O Dia”, ocupou várias funções no “Jornal do Brasil” e foi secretária de redação da revista de divulgação científica “Ciência Hoje”, da SBPC. Passou os últimos anos no jornal “O Globo”, onde se dedicou ao tema da Educação. Editou a Revista “Megazine”, voltada para o público jovem, e a “Revista da TV”. Hoje é Editora do Projeto #Colabora e responsável pela Agência #Colabora Marcas.

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