Emissões de metano do Brasil sobem 6% em quatro anos

Relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa revela tendência de alta, impulsionada por aumento do rebanho e falta de ações de mitigação

Por Oscar Valporto | ODS 13
Publicada em 27 de agosto de 2025 - 12:38  -  Atualizada em 27 de agosto de 2025 - 13:00
Tempo de leitura: 8 min

Rebanho de gado em Mato Grosso do Sul: pecuária é a maior responsável por emissões de metano no Brasil que subiram 6% (Foto: Rachel D’Ávila / Embrapa – 13/04/2022)

As emissões de metano brasileiras aumentaram 6% entre 2020 e 2023, ano em que o Brasil atingiu o segundo maior nível de CH4 lançado na atmosfera – 21,1 milhões de toneladas. A explicação, segundo documento lançado nesta quarta-feira (27/8) pelo Observatório do Clima, está no pasto: a maior parcela do metano emitido aqui vem da fermentação entérica (o “arroto” do boi), com 14,5 milhões de toneladas, o equivalente a 406 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2023, mais do que todos os gases de efeito estufa emitidos pela Itália no mesmo ano.

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Os responsáveis pelo relatório Brasil 2045: Mitigação das Emissões de Metano (um adendo ao documento ‘Bases para a 2ª NDC do Brasil – 2030-2035, do Observatório do Clima) alertam que o  metano é um gás de efeito estufa que pode aquecer o planeta muito mais do que o gás carbônico (CO2). Suas moléculas, embora tenham vida útil mais curta na atmosfera (entre 10 e 20 anos), têm potencial de aquecimento global 28 vezes maior que o do CO2 num período de cem anos. “É um cenário preocupante. As emissões de metano apresentam um comportamento sistematicamente ascendente, levado pelo aumento do rebanho e pela falta de mudanças estruturais nos setores”, afirmou David Tsai, coordenador do SEEG – Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa – durante a apresentação do relatório a jornalistas, através dos canais digitais do OC.

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Em novembro de 2021, o Brasil aderiu ao Compromisso Global do Metano, acordo assinado durante a COP26, em Glasgow, em que mais de 150 países assumiram o compromisso de reduzir em 30% as emissões globais desse gás até 2030, em relação aos níveis de 2020. “Mas o metano foi deixado de lado. Nenhuma meta foi cobrada, nenhuma reunião foi feita para implementação. A bem da verdade, nenhum país fez qualquer esforço para reduzir as emissões de metano”, criticou Claudio Angelo, coordenador do OC, lembrando que o Brasil é o quinto maior emissor de CH4 do mundo (atrás de China, Estados Unidos, Índia e Rússia). “Como todos esses que estão na nossa frente, o Brasil também não fez quase nada para implementar o compromisso de Glasgow”, acrescentou.

De acordo com o SEEG, desde 2015, as emissões de metano estão crescendo no país. “Ao contrário das emissões de carbono, que vem sendo reduzidas, as emissões de metano seguem com a tendência ascendente por falta de ações efetivas”, atestou o cientista David Tsai, também gerente de projetos do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), lembrando que, no Brasil, o metano responde por 25% das emissões totais dos gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global.

Historicamente, a agropecuária é o setor brasileiro que mais emite metano. Em 2023, respondeu por 75,6% das emissões, com 15,7 milhões de toneladas, sendo 98% originadas na pecuária. O Brasil possui o segundo maior rebanho bovino do mundo e lidera as exportações de carne. Ano a ano, o IBGE registra novos recordes de cabeças no pasto: de 218,2 milhões em 2020 para 238,6 milhões em 2023. “Nós temos experiências do agronegócio no país que mostram ser possível reduzir as emissões com a recuperação de pastagens e uma gestão mais eficiente do corte”, destacou o engenheiro ambiental Gabriel Quintana, especialista em emissões de GEE pelo setor Agropecuário, na apresentação do relatório.

O setor de resíduos é o segundo mais poluente em metano no país e fica bem longe do líder, com 3,1 Mt emitidas em 2023. Sua principal fonte são os dejetos orgânicos despejados em lixões. Em seguida, estão o setor de mudanças de uso da terra e florestas (1,33 Mt), cujo destaque são as queimadas; o de energia (0,55 Mt) e o de processos industriais e uso de produtos (0,02 Mt), nos quais as preocupações se voltam respectivamente para a utilização precária de lenha em residências (mais da metade das emissões do setor de energia) e as chamadas emissões fugitivas da cadeia de petróleo e gás, que vêm de pequenos vazamentos, “flares” e outros escapes no processo de produção e refino.

Ações de mitigação

Os números levantados pelos pesquisadores do SEEG do OC reforçam a necessidade de uma resposta rápida e coordenada para a mitigação das emissões de metano pelo Brasil. “Limitar o CH4 na atmosfera é um passo importante para controlar o aumento da temperatura da Terra e pode oferecer resultados mais rápidos em comparação com as emissões de carbono, permitindo que a gente ganhe tempo para a transição e a eliminação dos compustíveis fósseis”, apontou Tsai.

O relatório destaca que reduzir o metano em 45% é crucial para diminuir o aquecimento global em 0,3 ºC até 2040. O documento também detalha e acrescenta ações de mitigação de metano para atingir ou ir além do patamar de emissões totais da NDC formulada pelo Observatório do Clima no ano passado – NDC é a sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, documento que elenca os compromissos dos países para cumprir o Acordo de Paris.

Na versão formulada pelo OC em 2024, o Brasil conseguiria reduzir suas emissões totais com vistas a tornar-se carbono negativo até 2045. “O Observatório do Clima tem mostrado tecnicamente que, para liderar a ambição climática mundial, o Brasil precisa focar em soluções de regeneração florestal, recuperação de solo e adoção de energias renováveis. Ao mesmo tempo, terá de reduzir as emissões de metano, lidando com a magnitude da atividade pecuária, a precariedade da gestão de resíduos sólidos e a pobreza energética”, afirmou David Tsai, coordenador do SEEG.

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Os sistemas de produção de carne e leite são os que têm maior potencial de contribuir para mitigar o metano do setor de agropecuária. Segundo Gabriel Quintana, também analista de ciência do clima do Imaflora, mesmo mantendo o crescimento do rebanho, é possível cortar mais de um quarto do metano até 2035 em relação a 2020. “Para isso, é preciso melhorar a dieta animal, reduzir o tempo de abate do gado de corte e investir na melhoria genética do rebanho de corte e leite, junto com uma série de outras estratégias que favorecem a produtividade dos sistemas”, explicou.

No setor de resíduos, as políticas mitigatórias passam pelo fechamento de todos os lixões até 2028, a ampliação de reciclagem e o melhor aproveitamento do biogás dos aterros sanitários. “Com essas providências já conseguiríamos reduzir em quase um terço as emissões do setor de resíduos”, disse Joice Oliveira, analista regional de monitoramento, reporte e verificação do ICLEI América do Sul. “Isso significa não apenas menos impacto nas mudanças climáticas, mas também cidades mais limpas, uso de energia renovável a partir do lixo e ganhos diretos para a saúde da população”, acrescentou.

No setor de mudança de uso da terra, desmatamento, no caso do Brasil, as queimadas são a fonte de emissão de metano. Bárbara Zimbres, pesquisadora do Ipam, chamou a atenção para o fato de que os incêndios em vegetação nativa (que vêm aumentando em função das mudanças climáticas) ainda ficam de fora do Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, a fonte oficial de dados do Brasil sobre as emissões causadas por atividades humanas, elaborado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. “Como só são contabilizadas as emissões por fogo associadas ao desmatamento, o estudo do SEEG mostra que essa lacuna precisa ser solucionada à medida que cresce a relevância do fogo como agente de degradação nos biomas brasileiros”, disse.

As principais fontes de emissão de metano dos setores de energia e de processos industriais são, tecnicamente, controláveis, de acordo com Ingrid Graces, engenheira ambiental e pesquisadora do Iema. “No caso da queima de lenha, trata-se de um problema climático e social. Para que a transição energética seja justa neste caso, é preciso garantir acesso universal a fogões eficientes, sobretudo, em periferias e áreas rurais, entre outras medidas. Quanto às emissões na exploração de combustíveis fósseis, as empresas precisam primar por gestão e compromisso, adotando monitoramento rigoroso e práticas de controle operacional”, disse.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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