ODS 1
Guerra às sobremesas
Governo britânico exige que bares e restaurantes sirvam porções menores de doces
Diante de um aumento assustador nos índices de obesidade entre a população britânica nos últimos anos, o governo escolheu mais um alvo na guerra para tentar melhorar a qualidade da alimentação no Reino Unido: as sobremesas. O Ministério da Saúde advertiu que cafés, restaurantes e pubs devem começar a servir porções menores de doces, e com menos quantidade de açúcar. Aquele brownie gigante servido com generosas bolas de sorvete e calda em diferentes estabelecimentos de Londres, entre outros doces tão grandes quanto, parece um bom negócio para o consumidor, mas tem seu preço.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Para Oliver, o consumo de junk food tem que ser tratado como o cigarro. Ele defende a restrição de propaganda antes das 21h e acha que só diminuir o tamanho dos bolos, donuts, cookies e outras tentações açucaradas não vai adiantar.
[/g1_quote]Menores de idade consomem, em média, uma quantidade de açúcar três vezes acima do recomendado no país, enquanto 62% dos britânicos estão acima do peso ou obesos (25%). A gordura, que provoca doenças como diabetes, hipertensão e problemas cardíacos, já é encarada como uma crise de saúde pública, reflexo de hábitos cada vez mais desastrosos e que afetam, principalmente, as comunidades de baixa renda, reproduzindo o que acontece em outros lugares menos desenvolvidos do mundo. Os índices de obesidade britânicos são os piores da Europa Ocidental.
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Veja o que já enviamosA estratégia do governo britânico para combater o problema, classificado como uma epidemia principalmente entre crianças, tem provocado polêmica. Além de exigir a redução das sobremesas, as autoridades da área de saúde anunciaram recentemente que fabricantes de alimentos e bebidas que reduzirem 20% de açúcar dos seus produtos escaparão de um imposto sobre refrigerantes que está previsto para entrar em vigor em dois anos. Além disso, escolas públicas foram orientadas a promover pelo menos uma hora de atividades físicas diárias no ensino primário. O chef Jamie Oliver, hoje uma celebridade internacional e conhecido por sua campanha pela melhoria da qualidade da comida servida nas escolas públicas britânicas, protestou. Ele e várias outras organizações dedicadas a combater a obesidade acham que o governo da primeira-ministra Theresa May está subestimando o problema e deveria ter planejado o reforço da legislação, e não apenas apostado em decisões voluntárias por parte de fabricantes e restaurantes – como a tal redução das sobremesas. Para eles, é preciso fazer muito mais para que o Reino Unido não siga o caminho dos EUA (mais de 30% dos americanos são obesos).
– Se você olhar a estratégia do governo, a única coisa que é obrigatória, e eu posso dizer honestamente que lutei para colocá-la lá, é o imposto sobre bebidas açucaradas. Tire isso e não sobra nada – disse Oliver.
Especialistas também advertem que planos nacionais contra a obesidade infantil não podem focar apenas em crianças em idade escolar. Antes da educação formal começar, já é crucial garantir uma alimentação saudável. O número de crianças acima do peso dobrou nos últimos 20 anos no Reino Unido. Um quarto dos menores entre 2 e 5 anos já enfrenta o sobrepeso. A genética não pode levar a culpa sozinha. Os hábitos alimentares é que precisam ser revistos.
Especialista em saúde pública infantil, a professora Amy Brown, da Universidade de Swansea, lembrou, num artigo para o site The Conversation, que o Reino Unido tem um dos mais baixos índices de amamentação do planeta (estudos comprovam que bebês que são amamentados têm menos chance de se tornarem crianças obesas). Três quartos dos bebês começam a comer refeições sólidas – muitas vezes industrializadas e pobres em nutrientes – antes dos cinco meses. “Claramente faltam educação, apoio e investimento nessas áreas”, escreveu a especialista.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Num planeta tão maltratado pela desnutrição, falar em obesidade pode parecer problema de país rico, mas não é bem assim. Cientistas de diferentes partes do mundo divulgaram este ano um relatório que estima em 641 milhões o número de pessoas obesas (com índice de massa corporal igual ou acima de 30).
[/g1_quote]Num planeta tão maltratado pela desnutrição, falar em obesidade pode parecer problema de país rico, mas não é bem assim. Cientistas de diferentes partes do mundo divulgaram este ano um relatório que estima em 641 milhões o número de pessoas obesas (com índice de massa corporal igual ou acima de 30) – número que coincide com o da Organização Mundial de Saúde (OMS). Se há quatro décadas o número de pessoas abaixo do peso era o dobro do de obesos, hoje a obesidade prevalece. Nos países de alta renda, como é o caso do Reino Unido, a população mais pobre é a mais afetada. O Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla em inglês, considerado o maior sistema público de saúde do mundo) deixa isso bem claro em seu site: “Renda, privação social e etnia têm um impacto importante sobre a probabilidade de desenvolvimento da obesidade. Por exemplo, mulheres e crianças de classes socioeconômicas mais baixas são mais propensas à obesidade do que os mais ricos”.
A dimensão do problema, que tem um custo incalculável para o sistema de saúde, e a dificuldade de encontrar políticas eficazes de prevenção são hoje assuntos frequentes na imprensa britânica. Em setembro, a BBC exibiu pela primeira vez na história, a autópsia de uma mulher obesa, para demonstrar os estragos causados pelo excesso de gordura. O objetivo era educativo, mas nem todo mundo aprovou. Os jornais “The Guardian” e “The Independent”, por exemplo, criticaram o documentário por discutir a obesidade como se ela fosse um problema individual da vítima, algo que ela poderia ter resolvido, talvez, se tivesse buscado ajuda, e não uma questão social, cultural, médica e psicológica extremamente complexa.
Jamie Oliver, um dos principais porta-vozes da campanha contra a obesidade infantil, tem dado uma série de entrevistas para criticar a estratégia de Theresa May, que, segundo ele, “suavizou” o plano original do ex-premier James Cameron. Para Oliver, o consumo de junk food tem que ser tratado como o cigarro. Ele defende a restrição de propaganda antes das 21h e a proibição da venda de comidas altamente calóricas nas proximidades do caixa dos supermercados, quando consumidores tendem a comprar por impulso. Só diminuir o tamanho dos bolos, donuts, cookies e outras tentações açucaradas – hoje tão comuns na dieta britânica quanto chá com biscoitos – não vai adiantar.
Os EUA adotaram recentemente uma medida que pode ser eficiente. Desde dezembro, cadeias de lanchonetes e restaurantes são obrigadas a exibir nos cardápios o valor calórico de cada prato. Um estudo da Universidade Johns Hopkins mostrou que os estabelecimentos que já se adaptaram à regra acabam, naturalmente, oferecendo opções mais saudáveis para os clientes.
Jornalista, PhD em Mídia e Comunicação pela Universidade de Westminster e professora visitante do Departamento de Humanidades Digitais do King's College de Londres.