Línguas indígenas correm o risco de desaparecer

Museu do Índio lança livros, gramáticas e dicionários para tentar preservar os idiomas e a cultura dos povos originais

Por Denis Kuck | ODS 9 • Publicada em 27 de outubro de 2017 - 21:30 • Atualizada em 29 de outubro de 2017 - 14:40

Trabalho de documentação em vídeo da cultura Kaipó. Foto Museu do Índio
Trabalho de documentação em vídeo da cultura Kaipó. Foto Museu do Índio
Trabalho de documentação em vídeo da cultura Kaipó. Foto Museu do Índio

Segundo os critérios estabelecidos pela Unesco, uma língua corre o risco de desaparecer quando é falada por menos de 1 milhão de pessoas.  O português, portanto, não está ameaçado. Só no Brasil são mais de 200 milhões de pessoas, com diferentes sotaques, usando a língua de Camões. No entanto, nem só de “bom dia”, “tudo bem” e “obrigado” vivem os brasileiros. Antes da chegada de Cabral por aqui, os antigos habitantes já falavam mais de 1.200 dialetos diferentes. Hoje, sobrevivem no país, com muito custo, apenas 160 línguas indígenas. Se considerarmos que existem aproximadamente 800 mil índios espalhados pelo território nacional, distribuídos em cerca de 200 etnias, toda essa rica diversidade corre um sério risco de extinção.

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Perto de 40% dos povos indígenas têm menos de 500 indivíduos, então a viabilidade de reprodução dessas línguas é mínima. Quase metade dos idiomas indígenas está em altíssima situação de risco, podem sumir em 10 ou 15 anos

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Pensando na preservação e revitalização dos idiomas originais do território que hoje chamamos de Brasil, o Museu do Índio coordena, desde 2009, um projeto de preservação da cultura e das línguas indígenas. Como resultado, foi produzido um vasto material: livros, gramáticas, dicionários, arquivos sonoros, exposições, fotos e filmes – muitos premiados em diversos festivais.

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“Perto de 40% dos povos indígenas têm menos de 500 indivíduos, então a viabilidade de reprodução dessas línguas é mínima. Quase metade dos idiomas indígenas está em altíssima situação de risco, podem sumir em 10 ou 15 anos”, afirma o diretor do Museu do Índio, José Carlos Levinho.

Índio Kaiapó aprende a usar os softwares de documentação linguística e cultural, criados pelo Instituto Max Plank, da Alemanha. Foto Museu do Índio
Índio Kaiapó aprende a usar os softwares de documentação linguística e cultural, criados pelo Instituto Max Plank, da Alemanha. Foto Museu do Índio

Novas tecnologias a serviço da tradição

A primeira etapa, batizada de Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas (ProgDoc), realizada até 2015, foi uma parceria entre o Museu do Índio, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Unesco. Com orçamento de cerca de R$ 9 milhões, o projeto atuou em 135 aldeias de norte a sul do país, beneficiando 35 mil pessoas. O material está reunido na instituição, mas alguns povos também contam com parte do acervo em suas aldeias.

Levinho afirma que a “globalização, com acesso a televisão, rádio, telefonia celular e internet, resulta em perdas culturais para os indígenas”. Apesar disso, ressalta que eles trocam influências como qualquer civilização.

Um dos pilares do programa é a participação direta dos índios, boa parte deles jovens. Eles realizaram oficinas no museu, no Rio de Janeiro, e em suas aldeias, para aprender a utilizar novas tecnologias como câmeras, celulares e computadores. Assim, puderam registrar aspectos relevantes de sua língua e cultura.

“Os índios ganharam bolsas e passaram por um processo de formação de uso de softwares de documentação linguística e cultural, criados pelo Instituto Max Plank, da Alemanha. A decisão do que seria registrado foi deles”, diz Levinho. Foram formados 95 pesquisadores indígenas em documentação linguística, pesquisa e registro de culturas.

Último falante da língua Apiaká morreu

As línguas mais ameaçadas são as dos povos com menor população. Para se ter ideia do desafio, durante a execução do programa, o único falante que se tinha notícia do idioma Apiaká, etnia que habita o Mato Grosso, morreu – após ter dado um depoimento em vídeo. Situação semelhante ocorreu com o Umutina, povo que também vive no Mato Grosso. Por outro lado, o idioma dos pataxós estava em vias de extinção, mas esforços liderados pelos próprios índios, principalmente mulheres professoras, fez com que a etnia voltasse a usá-lo.

A língua dos grupos Guarani, Tikuna, Terena, Macuxi e Kaigang contam com mais de 20 mil falantes. Nenhuma, no entanto, pode ser considerada segura. Os idiomas indígenas são ricos e diversificados. Alguns têm semelhanças entre si, mas outros são tão distintos quanto o japonês é do português.

Lolawenakwaene, da aldeia Enawenê-nawê, que habita o noroeste do Mato Grosso, pensa em seus netos e bisnetos quando fala da importância da parceria com o Museu do Índio. “Hoje estamos fortes, mas estamos cercados como bois por não indígenas, é como uma avalanche. Um dia os jovens vão poder ver os registros e aprender como seus avós faziam”, afirma em sua língua original. A intérprete é a antropóloga Ana Paula Rodgers, que trabalhou ao lado de quatro pesquisadores da tribo para documentar em áudio o ritual Salumã, que abrange um vasto repertório de cantos.

Índio da tribo Ticuna faz registros das tradições de sua aldeia. Foto Museu do Índio
Índio da tribo Ticuna faz registros das tradições de sua aldeia. Foto Museu do Índio

O projeto do museu, inicialmente concentrado nos idiomas mais ameaçados, entra agora em uma nova fase, feita com povos isolados ou recém-contatados, que sofreram menos influências externas e ainda mantêm fortes suas línguas nativas.

A nova etapa, chamada de Projeto Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural dos Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica, teve a sua verba cortada pela metade. O orçamento restante gira em torno de R$ 5 milhões, resultado de um acordo entre Funai, Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores e Unesco.

“A ideia é criar mecanismos de preservação, para que no futuro não tenhamos apenas que documentar. Vamos trabalhar com 12 etnias e produzir material mais focado, como um evento específico, um ritual ou a produção de um utensílio importante”, esclarece Levinho.

Apesar das iniciativas para revitalizar as línguas indígenas, especialistas afirmam que falta uma política governamental sobre a questão. “O estado não instrumentaliza a escola para conservar a cultura indígena. Por que devo abrir mão do patrimônio cultural dos xavantes e manter o patrimônio dos fazendeiros de café do Vale do Paraíba? Por que devo acabar com o estilo arquitetônico dos povos Jê e manter o estilo arquitetônico dos donos de terra do século passado?”, questiona Levinho.

Denis Kuck

Denis Kuck é jornalista desde criança, quando acompanhava o pai repórter nas sessões da CPI do PC, em Brasília. Anos depois, formou-se pela UFRJ, foi assistente do escritor Fernando Morais e trabalhou nas redações do Ciência Hoje, O Globo, Agência EFE e do irreverente Perú Molhado, de Búzios. Recentemente, no Comitê Rio 2016, foi editor/repórter do jornal distribuído dentro da Vila Olímpica, o Village Life. Atualmente, é freelancer e editor do Notícias em Português, publicação de Londres.

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2 comentários “Línguas indígenas correm o risco de desaparecer

  1. Paulo disse:

    Sensacional a Matéria, “Línguas indígenas correm o risco de desaparecer”.
    Eu conheço esse projeto e gostei muito de ver ele publicado para que as pessoas entendam um pouco da riqueza de nosso patrimônio linguístico e o risco que se tem de tudo ir por água abaixo. Além de mostrar que os povos originários não são “índios genéricos”, e que existe sim uma pluralidade enorme no que diz repeito a cultural material e imaterial.
    Parabéns ao Colabora e ao Museu do Índio

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