Desembargadora que difamou Marielle recebeu R$ 681 mil em 2017

Piscina da casa de Teresópolis da desembargadora Marília de Castro Neves (Reprodução/Facebook)

Caso seja punida, Marília de Castro Neves Vieira poderá no máximo ser aposentada, com vencimentos proporcionais

Por Lauro Neto | ODS 8 • Publicada em 26 de março de 2018 - 09:54 • Atualizada em 26 de março de 2018 - 14:40

Piscina da casa de Teresópolis da desembargadora Marília de Castro Neves (Reprodução/Facebook)
A desembargadora Marília de Castro Neves: CNJ investiga manifestações contra Marielle (Reprodução/Facebook)
A desembargadora Marília de Castro Neves: CNJ investiga manifestações contra Marielle (Reprodução/Facebook)

A desembargadora Marília de Castro Neves Vieira dificilmente será punida de forma rigorosa pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ter disseminado no Facebook a falsa informação de que “a tal Marielle (…) estava engajada com bandidos” e “foi eleita pelo Comando Vermelho”. A pena administrativa máxima é a aposentadoria compulsória, com os vencimentos proporcionais. Nada mau para uma magistrada que recebeu R$ 681.205,30 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) em 2017. Só em dezembro, foram R$ 102.761,52 de rendimentos totais, mais do que o triplo do que prevê o teto constitucional de R$ 33.763,00 (todos os valores são brutos).

A remuneração paradigma da desembargadora, ou salário-base, é R$ 30.471,11. O que triplicou o total de créditos naquele mês são as chamadas “vantagens eventuais”: mais R$ 30.471,11, de gratificação natalina;  R$ 27.085,40, de férias; e R$ 4.265,95, de abono de 13º. Tudo dentro da lei. Somem-se a isso as “vantagens pessoais”, de R$ 4.265,00 no caso de Marília, por abono de permanência, previsto em emenda constitucional para os servidores públicos que têm tempo suficiente para se aposentar, mas que continuam na ativa.

Não perca as contas. Para completar, faltam as “indenizações” às quais ela tem direito mensalmente: R$ 1.825,00, de auxílio-alimentação, e R$ 4.377,00, de auxílio-moradia. Apesar de ter um teto, Marília é uma dos 17 mil magistrados beneficiados por liminares concedidas pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em 2014, que estenderam o auxílio-moradia a todos os juízes do país, mesmo que tenham imóveis próprios.  Mas, bem antes disso, o TJ-RJ já pagava essa e outras regalias, graças a uma lei sancionada pelo então governador Sérgio Cabral, em 2009. Em dezembro do ano passado, Fux finalmente liberou para a votação em plenário a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4393, contra os penduricalhos na Justiça do Rio, mais de cinco anos após ter pedido vistas. A matéria estava prevista para ser analisada em março de 2018, mas ainda não foi pautada.

Piscina da casa de Teresópolis da desembargadora: ela se revolta com as acusações de privilégio do Judiciário (reprodução/Facebook)
Piscina da casa de Teresópolis da desembargadora: ela se revolta com as acusações de privilégio do Judiciário (reprodução/Facebook)

Auxílio-moradia e duas casas com piscinas

Em seu perfil do Facebook “Euzinha.Marilinha”, em que disseminou as mentiras sobre Marielle, além de emitir opiniões preconceituosas contra professores com síndrome de Down  e questionar a Lei Maria da Penha, a desembargadora ostenta fotos de duas casas com piscinas. “Essa é a face sul do meu apartamento. Estrelas 8 na Montanha e na Água…. Espetáculo!!!!”, escreveu, num post de 2015.  Após a repercussão do caso Marielle, internautas têm feito críticas nos comentários de suas publicações que ainda estão visíveis: “more, o feng shui se enquadra no auxílio-moradia?”, ironizou um deles.

Piscina de um dos imóveis da desembargadora, que recebe auxílio-moradia (Reprodução/Facebook)
Piscina de um dos imóveis da desembargadora, que recebe auxílio-moradia (Reprodução/Facebook)

Noutro post, de dezembro de 2016, que não está mais disponível em sua timeline, Marília criticava a “mídia comprada pelo executivo e pelo legislativo” ao discordar de uma reportagem da revista “Isto é” sobre os supersalários de servidores públicos. No mesmo texto, ela classificou o CNJ como “um órgão espúrio composto em sua maioria por completos despreparados nomeados pelo Executivo e pelo Legislativo”. Desde novembro de 2017, o CNJ publica em seu site as planilhas com os salários de magistrados de 93 tribunais e conselhos de Justiça brasileiros. De lá, foram retirados as informações sobre os valores dos salários da desembargadora publicados nesta matéria.

O desabafo da desembargadora contra o CNJ (Reprodução/Facebook)
O desabafo da desembargadora contra o CNJ (Reprodução/Facebook)

Mesmo que o Corregedor do CNJ, João Otávio de Noronha, tenha determinado, na última terça-feira, a apuração da conduta da desembargadora, se um processo administrativo disciplinar for instaurado para julgá-la, o prazo para conclusão dos trabalhos é de 140 dias, podendo ser prorrogado. Entre as penas previstas pela resolução 135/2011 do CNJ, estão a advertência, para magistrados negligentes no cumprimento dos deveres do cargo; a censura, em caso de reincidência; e a remoção compulsória do órgão em que atue e transferência para outro.

“Se houver alguma punição, no máximo haverá uma censura, que é uma advertência mais severa, que vai para a ficha funcional”, explica Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. “Mas acho que ela tem que ser punida, mesmo que seja simbolicamente”, opina.

Como o cargo de Marília é vitalício, ela não pode ser demitida. Assim, a punição máxima para ela seria a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Mas Serrano acha muito improvável isso acontecer. Um dos motivos previstos para essa pena, de acordo com a resolução, é proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.  

Para se ter uma ideia do quão longo e arrastado pode ser esse processo, o juiz Rafael de Oliveira Fonseca foi punido pelo TJ-RJ com a aposentadoria compulsória em 2013, por autorizar escutas ilegais, destruir gravações e receber dinheiro para livrar milicianos da prisão. Mas só em fevereiro, quase cinco anos depois da decisão inicial, a pena foi mantida pelo CNJ, uma vez que o juiz criminal de Itaguaí havia recorrido quando condenado.

Do MP ao TJ pelo quinto constitucional

Marília é desembargadora desde 2006, quando a então governadora Rosinha Garotinho criou 10 cargos de desembargador e duas novas Câmaras Cíveis, entre elas, a 20ª, na qual a magistrada trabalha. Oriunda do Ministério Público do Rio, onde estava desde 1985, ela foi nomeada desembargadora pelo quinto constitucional, que garante um quinto das vagas em tribunais estaduais a membros do MP com mais de 10 anos de carreira, indicados em lista sêxtupla pelo órgão. Na época, seu então marido, Marfan Vieira Martins, era Procurador-Geral de Justiça, função que também ocupou no governo de Sérgio Cabral.

Nas redes sociais, Marília diz não ver relação entre os supersalários da magistratura e o déficit contas públicas. “Não foi o Judiciário que assaltou o Rioprevidência – ao contrário – são as nossas contribuições, acima do comum, que têm sustentado o sistema previdenciário nacional”, ela escreveu no mesmo post em que detona o CNJ.

No contracheque de novembro de 2017, em que recebeu R$ 74.795,83, a desembargadora teve, de fato, descontados R$ 4.265,95 de contribuição previdenciária. Mas, como todo mês, recebeu outros R$ 4.265,95 de “vantagens pessoais” por abono de permanência. Ou seja, ficam elas por elas. Mesmo com os descontos de R$ 7.510,19 de Imposto de Renda e outros R$ 8.602,17 em descontos diversos, a magistrada ganhou R$ 54.417,52 líquidos, mais de R$ 20 mil acima do teto constitucional. Nesse mês, além dos costumeiros auxílio-moradia (R$ 4.377,00) e auxílio-alimentação (R$ 1.825,00), ela recebeu “vantagens eventuais” de R$ 13.542,70 (férias), mais R$ 10.157,03 (abono de 1/3 de férias) e R$ 10.157,04 de gratificação por exercício cumulativo.

Vencimentos da desembargadora no mês de novembro, segundo CNJ (reprodução)
Vencimentos da desembargadora no mês de novembro, segundo CNJ (reprodução)

De joguinhos online à política

A presença da desembargadora no Facebook mudou nos últimos anos. Se hoje há muitos posts políticos, de apoio ao juiz Sérgio Moro e com críticas ao PT e à esquerda, em 2014, sua atividade se resumia a jogos on-line, como Farm Heroes. Um ano antes, ela era fã de páginas de humor, como  “Não Sabe Brincar? Não Desça para o Play”, “Mortícia Estressada”, “Família Addams Depressão” e “Homens canalhas”. Chegava a postar mais de 40 piadas por dia.

Com formação católica, ela frequentou os colégios Marista e dos Santos Anjos, mas, nas redes sociais, flertava com o espiritismo e o budismo, compartilhando conteúdo de páginas como “Rede Amigo Espírita”, “Divulgando o Espiritismo” e “Porque Ele (Deus) vive”.

Foi nessa época, em um post de 1º de março de 2013, que a desembargadora protesta contra a cultura do ódio: “Não consigo entender como, em vista de tanta beleza e de tanta coisa pra fazer, ainda existam pessoas que dediquem seu tempo a nutrir ódios abstratos por pessoas que professam convicções políticas diversas das suas…. Cruzes!!!!! Isso só pode ser muita falta de sexo!!!!”. 

Dois dias depois, Marília compartilhou outra publicação positiva:  “Quanto mais a gente faz o amor circular, mais amor a gente tem”, na qual chama a atenção um comentário deixado pelo filho dela Thiago.  “Então faz circular mais, fica a dica”.

O #Colabora enviou mais de uma dezena de perguntas à desembargadora, mas, até a publicação desta reportagem, não havia obtido resposta.  

Lauro Neto

Carioca, mas cidadão do mundo. De carona na boleia de um caminhão ou na classe executiva de um voo rumo ao Qatar, sempre de malas prontas. Na cobertura de um tiroteio na cracolândia do Jacarezinho ou entrevistando Scarlett Johansson num hotel 5 estrelas em Los Angeles, a mesma dedicação. Curioso por natureza, sempre atrás de uma boa história para contar. Jornalista formado na UFRJ e no Colégio Santo Inácio. Em 11 anos de jornal O Globo, colaborou com quase todas as editorias. Destaque para a área de educação, em que ganhou o Prêmio Estácio em 2013 e 2015. Foi colunista do Panorama Esportivo e cobriu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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3 comentários “Desembargadora que difamou Marielle recebeu R$ 681 mil em 2017

  1. Ed disse:

    Mermão eu nunca vi um doxing tão bem travestido de noticia, até a quantidade de piadas que as páginas pessoais da desembargadora você foi buscar, falou da formação católica dela e que ela “flertava” com outras religiões, além de sensacionalizar os comentários prévios dela no facebook. Isto que escreves é pura e simplesmente uma vergonha, nem noticia deve ser, você colabora para que a opinião de pessoas “não comuns”, tipo desembargadores e vereadores, valam mais que as dos cidadãos que realmente sofrem com a realidade. Essa mulher ganha o salário que ela ganha por que ela ESTUDOU, e passou! E uma vez lá ela continua sendo cidadã e ela pode falar o que ela quiser e bem entender ora bolas caralho de asas. Esse teu artigozinho de bosta não é pra contribuir em nada, e sim fazer um doxing baseado nas ações e preferências de uma desembargadora com o intuito de gerar ódio contra ela. #JornalismoVergonha

  2. Dan Sampaio disse:

    Parabéns e obrigada, Lauro Neto, por nos trazer um retrato tão claro acerca de figura tão preconceituosa e ignorante!
    Espero que o Judiciário e o Ministério Público (origem da “Deusembargadora”) estejam envergonhados.

  3. Cidadão p...da vida disse:

    Passou porra nenhuma, ela foi “INDICADA” e vive nessa mamata eterna, e com certeza a sua contrapartida para o serviço público é zero!!! Estamos cheios desses farsantes disfarçados de defensores de aproveitadores do dinheiro alheio. E ainda me aparece um idiota como esse defendendo um lixo desse, faça-me o favor. Só defende um traste desse quem também vive de mamata ou está usufruindo de penduricalhos também e tem medo dessa mamata acabar!!! Pra mim tem que cortar é tudo, esses super cidadão não oferecem nada de especial pra serem tratados com esta realeza, é muito fácil tendo o poder de criar ou modificar leis em benefício próprio, tá na hora desse lixo de comportamento e oportunidade rapino terminar.

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