O novo feminismo mostra sua(s) cara(s)

O documentário #PrimaveraDasMulheres traça um panorama do movimento feminista no Brasil por um mosaico de vozes

Por Telma Alvarenga | ODS 5ODS 9 • Publicada em 19 de outubro de 2017 - 08:06 • Atualizada em 24 de outubro de 2017 - 13:20

Uma das manifestações de mulheres mostradas no filme: “Somos gigantes”. Foto: Divulgação

Dríade Aguiar, da Mídia Ninja, dá um depoimento emocionante sobre a solidão da mulher negra: sua avó, sua mãe e sua tia lutaram para criar os filhos sozinhas. Quando trabalhava no Ministério da Cultura, nas reuniões, sentava-se no fundo da mesa, onde todos os outros integrantes eram homens. Tinha que levantar o dedo, pedindo licença para falar. Olivia Byington, cantora e escritora, faz um relato forte, de oito minutos, sobre o estupro que sofreu. Rendida por um homem com uma faca,  no alto da Gávea, bairro nobre da Zona Sul carioca, foi levada para um terreno baldio. “Quando eu fui entrando ali para dentro, senti que ia morrer”.  Violência, solidão, discriminação estão em alguns dos relatos das entrevistadas para o documentário #Primavera das Mulheres, de Antonia Pellegrino, roteirista e produtora executiva, e Isabel Nascimento e Silva, diretora, que estreia nesta quinta-feira (19 de outubro), às 23h, no GNT.  Mas também sobre espaço na tela para falar de esperança, união, força, vitórias, comemoração. A filósofa e escritora Marcia Tiburi festeja a “geração espontânea” de um movimento que, de outubro de 2015 ao início de 2016, se alastrou pelas redes sociais, ganhou as ruas do país e foi “ocupando corações e mentes”.

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Bolsonaro disse numa entrevista que as feminazis têm que morrer. Feminista não é feminazi. Nazi é quem está dizendo que alguém tem que morrer, não somos nós

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Também estão no filme a atrizes Nathalia Dill e  Juliana Alves, a cineasta Anna Muylaert, a pesquisadora e mestre em filosofia política Djamila Ribeiro, a jornalista e filósofa Carla Rodrigues, a vereadora Marielle Franco, a estudante Vitoria dos Santos, ativista do #OcupaEscola, e muitas outras mulheres, das mais diversas profissões, idades e vertentes do movimento – desde feministas radicais a jovens youtubers, passando por militantes transgêneros e do movimento de mulheres negras. O filme se propõe,  através de um mosaico de vozes, a apresentar os novos feminismos – com todas as suas nuances -, principalmente para aqueles que não são versados no assunto.  “É para esclarecer e trazer as pessoas para o debate”, diz Isabel.

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Isabel e Antonia, no set:  80 horas de depoimentos. Foto: Divulgação

Uma das coordenadoras da campanha #AgoraÉQueSãoElas, que deu origem a um blog na Folha de S. Paulo, Antonia Pellegrino, 37 anos, vê no filme um “sentido pedagógico”, para fazer frente à desinformação, às notícias falsas, ao conservadorismo. “Existe uma criminalização dos movimentos identitários por uma parte da sociedade”, diz a roteirista e produtora. “Precisamos abrir o diálogo com a pessoa que recebe no whatsapp um vídeo dizendo que ideologia de gênero é mudar sexo de criança. Isso é fakenews. É uma mensagem emitida por endereços muito específicos com intenções claras de promover o obscurantismo.  (Jair) Bolsonaro (deputado federal) disse numa entrevista que as feminazis têm que morrer. Feminista não é feminazi. Nazi é quem está dizendo que alguém tem que morrer, não somos nós”.

Recheado de imagens de manifestações que pulularam no país entre 2015 e 2016, o documentário faz uma historiografia do novo feminismo no país, lembrando suas bandeiras e marcos. A explosão aconteceu na esteira das manifestações no Canadá, em 2011, quando, após uma série de estupros em um campus universitário, um policial disse às estudantes: “Se vocês não querem ser estupradas, não se vistam como vadias”. Em resposta, foi criada a Marcha das Vadias, que ganhou versões em diversos países, inclusive no Brasil.

Estava lançada a fagulha de um movimento que se espalharia pelos quatro cantos do país e que, impulsionado pelo poder multiplicador das redes sociais,  não parou mais de crescer. Em 2015,  através da hashtag #PrimeiroAssédio, milhares de mulheres quebraram anos, décadas, de silêncio, para relatar abusos sexuais  que sofreram na infância e adolescência, muitas vezes dentro de casa.

As entrevistas para o documentário foram individuais e em grupos. Algumas vezes, o pau quebrou entre as entrevistadas. Mas esses embates não estão no filme.  “Há divergências entre as diversas correntes do feminismo, mas esse não era o nosso foco”, diz Antonia. “Tem gente que não quer fazer o ativismo da construção de pontes. Eu acho contraproducente”.

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Tem um front no cinema que é fundamental. É um meio muito machista

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Foram 80 horas no set de filmagem e outras tantas na ilha de edição com o desafio hercúleo de condensar as conversas em apenas 1h20 de filme. “As mulheres foram escolhidas a dedo, são todas muito inteligentes e deram depoimentos muito ricos, potentes, impressionantes”, diz Antonia. “Ficamos com um material muito rico. Mergulhar nele valeu por um mestrado”.

A experiência só reforçou na dupla o desejo de continuar dado voz às mulheres em sua luta contra a opressão.  “Tudo o que eu puder fazer para dar mais espaço para as mulheres, brancas, negras, eu vou fazer, para que elas não tenham mais que ficar no final da mesa, como a Dríade. Tem um front no cinema que é fundamental. É um meio muito machista”, diz Isabel Nascimento e Silva, que, aos 29 anos, dirige seu primeiro filme, após ter trabalhado como assistente de cineastas como Andrucha Waddington, Mauro Mendonça Filho e Carolina Jabor, na Conspiração Filmes.

Isabel, que foi diretora do Bela Cozinha e do Superbonita, no GNT,  faz parte da plataforma multimídia  Hysteria, que será lançada em novembro pela Conspiração e só terá mulheres na produção audiovisual. “As equipes serão 100% femininas –  da elétrica e maquinaria à direção, finalização… As mulheres têm que puxar umas às outras, em rede”, diz ela, que é curadora do projeto.

Antes mesmo de estrear, #PrimaveraDasMulheres já ganhou o volume 2. Com parte do material que não foi usado, Antonia e Isabel fizeram um segundo filme, que estão negociando para exibir no GNT, no ano que vem. O foco é violência e poder.  “O que abre e embala o filme é uma fala da Marcia Tiburi que resume uma questão que ficou evidente o tempo todo das filmagens: o fato de as mulheres estarem no topo da pirâmide da violência e na base da pirâmide do poder”, diz Antonia. Mas isso é assunto para outra entrevista.

Telma Alvarenga

Jornalista formada pela PUC-Rio. Tem passagens pela revista Veja, Veja Rio, Jornal do Brasil, O Globo, Correio (BA) e Projeto #Colabora, desempenhando funções de editora, colunista e repórter. Professora no curso de Comunicação Social da Faculdade Social da Bahia em 2010, está finalizando seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio

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