ODS 1
Brasileiras sofrem com preconceito em Portugal
Imigrantes enfrentam assédio sexual e moral: gênero, raça e nacionalidade contribuem para dificuldades encontradas por brasileiras
Imigrantes enfrentam assédio sexual e moral: gênero, raça e nacionalidade contribuem para dificuldades encontradas por brasileiras
Os brasileiros formam a maior comunidade de imigrantes em Portugal. De acordo com relatório divulgado em 2019 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, são 150.854 registrados oficialmente. Os números confirmam um aumento de 43%. Em 2018, eram 105.423. A comodidade do idioma e a dispensa de visto para entrar no país são alguns dos motivos que estimulam a vinda de boa parte dessas pessoas. Entretanto, a mesma facilidade também pode tornar as mulheres brasileiras um alvo para a ação de criminosos.
Para a psicóloga Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa (CBL), há na Europa uma visão hipersexualizada em relação às mulheres brasileiras e isso contribui para que sejam constantemente associadas à prostituição. Ela acredita que o estigma tem raízes históricas e ainda será carregado por muitas gerações. “É presente essa ideia de um corpo que foi e é colonial”, diz a psicóloga.
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Veja o que já enviamosA associação dirigida por Cyntia existe na capital portuguesa há 28 anos. A ativista, que acompanha as principais queixas de imigrantes, afirma que o gênero, a pertença étnica e a nacionalidade são fatores importantes para determinar o espaço ocupado na sociedade. “Quando pensamos nas mulheres brasileiras negras, de uma classe social mais baixa, o corpo dela, então, está muito mais ‘disponível’. Ela vai ser utilizada para os piores trabalhos. Vão ser constantemente violados os seus direitos, sem contar todas as questões do assédio moral e do assédio sexual”, pontua.
Na opinião de Cyntia, é preciso romper com esse estereótipo que, segundo lembra, já foi bastante incentivado pelo governo brasileiro, com a intenção de atrair viajantes para o país. Ela cita, por exemplo, campanhas do Ministério do Turismo entre as décadas de 1970 e 1990, que traziam imagens de mulheres seminuas com conotação sexual explícita. Para a presidente da CBL, dar um basta nesse tipo de discriminação é urgente. Embora respeite as trabalhadoras do sexo, Cyntia de Paula defende que a ocupação seja uma escolha e que só a igualdade de oportunidades pode evitar que algumas mulheres sejam empurradas para a prostituição como a única opção possível.
Mais: Aluguel em Lisboa: preços altos e xenofobia contra brasileiros
Exploração sexual: redes de apoio em Portugal
Relator nacional para o tráfico de seres humanos, Manuel Albano explica que a pena prevista para o crime de tráfico humano em Portugal é de três a dez anos de prisão, mas pode se estender se houver agravantes como o uso de violência severa ou se tiver como resultado o suicídio da vítima. Em 2007, o país implementou o Plano Nacional contra o Tráfico, a fim de estabelecer estratégias de combate ao problema e definir responsabilidades partilhadas entre entidades governamentais e da sociedade civil. O SEF registrou um 86 vítimas de tráfico de pessoas em 2019; um aumento de 45% em relação a 2018.
Uma das instituições que atuam diretamente no setor é a Associação para o Planeamento da Família (APF), que oferece apoio psicológico, social, jurídico e de saúde, além de promover a reintegração das vítimas à sociedade em Portugal ou viabilizar o processo de retorno ao país de origem. Para Vanessa Branco, do Centro de Acolhimento e Proteção da APF, os danos causados pela experiência traumática são nítidos. “Sinais de desorientação, pesadelos e flashbacks, sentimentos de desamparo, pânico, ansiedade e depressão. Relativamente à parte física, a privação de cuidados de higiene pessoal, alimentação adequada e insalubridade são, por si, fatores potenciadores de doenças. É comum que estas vítimas tenham necessidade de ser acompanhadas em diversas especialidades por longos períodos de tempo e terem complicações de saúde, que podem ser variadas”, adverte.
Conforme o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, divulgado em 2019 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), há atualmente maior consciência e já se registra um aumento no número de denúncias. No entanto, o cenário ainda é desolador. O documento contou com informações disponibilizadas por 142 países e mostra que, em uma perspectiva mundial, subiu a quantidade de crianças sendo alvo de tráfico, que respondem por 30% das vítimas identificadas. A exploração sexual continua a ser o principal objetivo da chamada “escravidão moderna”, representando cerca de 59% do total de casos.
Soluções participativas
O tráfico de seres humanos e o trabalho sexual em Portugal foram foco de estudo da pesquisadora Filipa Alvim durante o doutorado em Antropologia no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Entre 2009 e 2013, ela acompanhou a temática de perto e, de acordo com a especialista, as imigrantes se encontram em particular vulnerabilidade em relação às demais pela dificuldade de acesso ao mercado formal.
Para Filipa, inclusão social é um caminho importante em busca de soluções. Ela reivindica que as políticas de enfrentamento sejam mais participativas. “Para eliminar eficazmente o problema seria necessário incluir no combate ao tráfico de seres humanos as trabalhadoras e trabalhadores do sexo, que estão no terreno e que, melhor do que ninguém, conhecem a realidade da exploração sexual. Enquanto se continuar a falar de tráfico de mulheres, mas não incluí-las na conversa, nas investigações, com respeito e lealdade, estamos a ter uma conversa vazia”, alerta.
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Maíra Streit foi editora da revista Fórum, produtora do SBT, chefe da Assessoria de Comunicação da Secretaria da Criança do Distrito Federal e repórter freelancer na Agência Pública, no jornal Correio Braziliense e na revista Caros Amigos. Ao longo da carreira, recebeu diversas premiações na área, como o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e o Prêmio Gandhi de Comunicação. Também foi finalista do Prêmio Abdias Nascimento de Igualdade Racial e, por duas vezes, do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Atualmente vive em Portugal, onde colabora com o site QI News e ocupa o cargo de técnica de projetos da Casa do Brasil de Lisboa.
Excelente reportagem
Este tipo de reportagem nem sempre é escrita com a transparência dada por esta jornalista.
A informação tem de ser assim clara e carregada de dados.
Parabéns, Maíra!
“Brasileiras e Brasileiros sofrem com preconceito em Portugal – assim, incluindo os “Brasileiros” no título, pode ser o mote para uma futura reportagem, quando houver algum jornalista, a sério e com coragem, para pegar no “Caso da Fundação Geolíngua,” na qual sou presidente. Creio que, a jornalista Maíra Streit – possa ter interesse em saber sobre, afinal – quais são os verdadeiros motivos para que dezenas de advogados e jornalistas luso-afro-brasileiros estão a “ignorar” pois, conhecem em detalhes, o que está a se passar com o sequestro da Fundação pelo hotel Sheraton de Lisboa em 2004 e, que lá estava sediada, bem como a apreensão dos dois passaportes, brasileiro e português, de seu presidente, desde 2004 até os dias de hoje. – Este Caso é de total conhecimento, também, do Consulado e da Embaixada do Brasil em Lisboa, onde se inclui a Policia Federal aí instalada. Saliento, inclusive, que o MAI e a TAP também estão envolvidos neste Caso e, até tentaram processar criminalmente o Roberto Moreno e a Fundação, mas, o Ministério Público mandou arquivar, ambos os Processos, em 2005 e, só tomei conhecimento uma década depois, via o DIAP. – Pois é, será que algum jornalista e/ou advogado estarão interessados?! – Estou a aguardar desde 2004.
Tenho dúvidas sobre essa reportagem. Minha filha mora em Portugal na cidade do Porto a 2 anos sempre foi bem tratada teve seu filho na maternidade publiça com acompanhamento mensal dos médicos, faz faculdade seu marido trabalha na cidade eles já compraram seu apartamento e minha filha nunca se queixou de abuso ou racismo.
É exatamente assim ou até pior. Conheçam o movimento Brasileiras Não se Calam e vejam a quantidade de denúncias de discriminação que aparecem todos os dias.