Espanha volta às aulas com grupos bolha, janelas abertas e sem futebol no recreio

Em Barcelona, estudantes assistem às aulas no primeiro dia após o retorno presencial no país. Foto Josep Lago/AFP

Se um aluno testar positivo toda a turma volta para a quarentena. Na primeira semana de aula foram fechadas 117 escolas, de um total de 28.500

Por Rosane Marinho | ODS 4 • Publicada em 22 de setembro de 2020 - 09:00 • Atualizada em 24 de setembro de 2020 - 09:05

Em Barcelona, estudantes assistem às aulas no primeiro dia após o retorno presencial no país. Foto Josep Lago/AFP

Hugo e Carolina começam sua segunda semana na escola pública Jerónimo Zurita, em Zaragoza, Espanha. É a mesma escola onde ambos estudam desde os três anos e da qual sentiam muita falta nos seis meses em que ela esteve fechada. Não apenas eles. Todas as crianças e adolescentes espanhóis voltaram à sala de aula na última semana. Aqui não houve polêmica sobre não voltar. Sempre se soube a data da volta. Um dia esperado com ansiedade por pais, professores e, principalmente, pelas crianças. Nós pais ficamos divididos entre a esperança e a preocupação, vendo os dados da segunda onda de contágios aumentarem dia a dia e, ao mesmo tempo, desejando que nossos filhos tenham de volta o contato real com o sistema educativo, com seus amigos e professores.

Na Espanha não existe alternativa. A educação é obrigatória entre os sete e os 16 anos. A educação em casa não está permitida por lei. A pena por não levar um filho à classe é de um a três anos de prisão e, em último caso, pode resultar em até a perda da custódia do menor. O Ministério da Educação espanhol também não ofereceu alternativa para o ensino à distância. Se estabeleceu que ele fosse 100% presencial na educação primária (da primeira a sexta séries) e nos dos primeiros anos da educação secundária. Em 14 das Comunidades Autónomas espanholas (equivalentes aos nossos estados), a partir do terceiro ano da escola secundária – e nas universidades- o ensino passa a ser semipresencial. Os adolescentes vão para a escola em dias alternados: um grupo vai na segunda, quarta e sexta e outro, terça e quinta. Na semana seguinte, trocam.

Hugo e Carolina Sanchez vão à escola em Saragoça. Foto/ Rosane Marinho
Zaragoza, 21/09/2020 Hugo e Carolina Hugo e Carolina Sanchez vão à escola em Saragoça. Foto/ Rosane Marinho

Para a volta, foram criados protocolos de atuação para evitar contágios. O primeiro foi estabelecer os chamados grupos bolha. As crianças e adolescentes somente podem ter contato com os que estão na sua classe. Cada série tem seu próprio banheiro exclusivo e já não separam entre meninos e meninas. O pátio foi dividido por zonas e as crianças não podem se misturar no recreio. Elas merendam na classe, sob a vigilância dos professores, para que não troquem de merenda com o amigo. As máscaras são obrigatórias para todos: alunos, professores e funcionários. Enquanto o tempo permitir, as aulas são dadas com as portas e janelas abertas. Não se pode ligar ventiladores, nem ar condicionados.   As crianças sentam sozinhas em mesas separadas um metro e meio entre si. E, para a tristeza geral, no recreio estão proibidas todas as bolas. Não se pode mais jogar futebol, nem basquete.

Os grupos bolha foram pensados para no caso de que um aluno teste positivo, este grupo faça quarentena, mas o restante da escola continue funcionando. Somente fecham uma escola se fossem diagnosticados quatro casos em grupos diferentes. Mas este critério está sendo reavaliado.  Até o final da primeira semana de aulas, foram fechadas 117 escolas no país, de um total de 28.500, e 214 classes foram postas em quarentena.

No meu grupo somos apenas nove alunos, o que é bom. Quase como ter uma classe particular. Mas quando fico em casa, não recebo os deveres de manhã, porque os professores estão dando aula para o outro grupo

Em uma destas classes estuda Alicia, filha da jornalista brasileira Priscila Guilayn, em Madri. “Três dias depois da volta às aulas, recebemos uma mensagem da diretora comunicando que um coleguinha havia testado positivo. Desde então, Alicia está em casa. Não fez o teste PCR, porque não tem sintoma, mas tem que ficar 14 dias em isolamento. Ao mesmo tempo, seu irmão Víctor, que está na mesma escola, pode continuar assistindo à classe normalmente”. – conta Priscila.

Uma das grandes questões deste sistema é como conciliar o cuidado com a criança, obrigada a estar em casa, com o trabalho dos pais. “Tenho a grande sorte de poder  trabalhar remotamente, mas muitos pais não podem. Quem cuida da criança se não podemos contar com ajuda?” – se pergunta Priscila.

A Seguridade Social espanhola dá aos pais de uma criança que teste positivo em coronavírus, o direito a uma remuneração para ficar em casa cuidando do menor. Mas se a quarentena é por um isolamento preventivo, como no caso da Alicia, os pais não recebem nada. “Acho muito difícil que uma família, na crise em que estamos, com medo de perder o trabalho, faça isolamento por 14 dias. As pessoas buscarão alternativas” – pensa Priscila.

Com este mesmo pensamento, o governo espanhol está estudando a possibilidade de reduzir a quarentena a 10 dias e uma ajuda econômica aos pais de crianças isoladas, mas com PCR negativo. Mas até o momento isto é apenas uma promessa.

Quem vai à escola somente alguns dias por semana, também tem dúvidas. Adrían Navarro Días, 14 anos, cursa o terceiro ano de escola secundaria em Zaragoza e semana passada foi ao colégio na terça e na quinta. “No meu grupo somos apenas nove alunos, o que é bom. Quase como ter uma classe particular. Mas quando fico em casa, não recebo os deveres de manhã, porque os professores estão dando aula para o outro grupo. Não temos streaming. Tenho que esperar até o final da tarde para que cheguem os deveres. Seria melhor se fôssemos todos os dias” – conta ele.  Sua mãe Susana Días está preocupada.  “Se meu filho só vai metade do tempo à classe e na outra metade não tem aula, então, só dará a metade do conteúdo previsto para o ano. Espero que os professores se organizem melhor nos próximos dias. Além disso, eu e meu marido saímos para trabalhar. Adrián fica em casa e tem que se organizar sozinho para fazer suas tarefas. Ele é um bom estudante, mas quantos não são assim? Além de todos aqueles que não tem a sorte de contar com um computador só para eles e internet em casa” – lamenta.

Quem também está preocupada é Lucía Zúniga, nicaraguense há 20 anos afincada em Madri, mãe de uma menina de 13 anos, que sofre de Fibrose Cística, uma enfermidade crônica que ataca os pulmões. “A médica da minha filha Alba recomendou que ela não voltasse ao colégio, porque já sofre de uma doença que afeta os pulmões. Se pega o coronavírus, seria bastante perigoso. Então, conversamos na escola e Alba seguirá às classes on line. É uma pena, porque ela queria muito voltar. Mas é por sua segurança. – conta Lucía. “Em princípio, todos os dias lhe deve ligar um professor para dar a aulas mais importantes. O resto deverá indicar o que foi estudado em classe e os deveres, que ela terá que fazer em casa. Não me preocupo tanto pelo conteúdo, porque já temos a experiência do confinamento. Mas lamento que ela esteja perdendo toda a socialização, que é tão importante na sua idade. Além disso, eu tenho que sair para trabalhar e ela terá que organizar suas classes sozinha. Se tudo vai bem e os protocolos funcionam, esperamos voltar às aulas presenciais em outubro. Mas me dá medo” – disse Lucía.

Mas apesar de todas as restrições e preocupações o sentimento geral é de contentamento com a volta às aulas. “Eu estava decidida a não mandar meus filhos à escola. O número de contágios em Madri sobe todos os dias. Nosso bairro é um dos que está em isolamento perimetral. Não podemos sair para outros bairros sem uma justificativa. Mas quando soube que teria que brigar na justiça por não levar os meninos ao colégio, vi que não tinha jeito. E mesmo que minha filha esteja agora em quarentena, sua felicidade em voltar para a escola, compensou. Reencontrar os amigos e professores fez muito bem emocionalmente aos meus filhos. Quando acabar a quarentena, Alicia voltará para a escola. Quero confiar que os protocolos funcionem e que eles, dentro do possível, possam ter um bom curso escolar” – afirma Priscila Guilayn.

Este mesmo sentimento compartilham meus filhos Hugo e Carolina. Alegria por voltar ao lugar que é como uma segunda casa para eles. Reencontrar os amigos, muitos que não viam desde março. Perguntei ao Hugo do que eles brincavam no receio, agora que estão proibidos de jogar futebol. “De Covid” – respondeu – “pega-pega com o cotovelo”.

Creio que não está no protocolo, mas foi uma boa adaptação.

Rosane Marinho

É jornalista, carioca, e há dez anos vive em Zaragoza, na Espanha. No Rio, trabalhou como fotógrafa na sucursal da Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente d'O Globo no Recife. Na Espanha, é professora de fotografia digital e trabalha como jornalista freelance. Casada, é mãe de dois pequenos hispano-brasileiros.

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