Uma Piracema literária na Amazônia

Barcos-ônibus se transformam em bibliotecas e levam cultura para as crianças ribeirinhas no rio Solimões

Por Liege Albuquerque | ODS 4 • Publicada em 15 de julho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 15 de julho de 2019 - 14:57

Os nove barco-ônibus percorrem até 50 quilômetros pegando as crianças ribeirinhas. Foto Adauto Silva (Seduc)
Os nove barco-ônibus percorrem até 50 quilômetros pegando as crianças ribeirinhas. Foto Adauto Silva (Seduc)
Os nove barco-ônibus percorrem até 50 quilômetros pegando as crianças ribeirinhas. Foto Adauto Silva (Seduc)

MANACAPURU (AM) – Mal entra no barco-ônibus que a leva todos os dias pelo percurso de 23 quilômetros pelo rio Solimões à escola Nossa Senhora do Rosário, na comunidade do Rosarinho, Aldenora Frazão Garcia, 13 anos, vai logo pegando um livro para ler. “Gosto muito de ler com o barulho do motor do barco”, conta a adolescente que está no 8º ano do fundamental e mora desde que nasceu na Comunidade Santo Antônio. “A coisa que mais gosto na leitura nem é poder viajar no livro, é poder conhecer mais palavras”.

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Todo mês temos atividades que estimulam a leitura no barco: para os pequenos a interpretação por meio de desenhos e para os maiores em texto, sendo que os mais talentosos também desenham

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Aldenora é uma das 293 crianças que começaram em fevereiro deste ano no projeto Piracema Literária, ideia da gestora da escola, Joristelma Queiroz. “Os nove barco-ônibus percorrem até 50 quilômetros pegando as crianças ribeirinhas nas comunidades todos os dias, em viagens que duram até 5 horas. Pensei em algo que pudesse distraí-las e trazer mais aprendizado lúdico durante esse período”, conta a professora.

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O jovem Valdenor Gonçalves da Silva, de 11 anos, indígena da etnia ticuna, é fã das histórias de terror. Foto Adauto Silve (Seduc)
O jovem Valdenor Gonçalves da Silva, de 11 anos, indígena da etnia ticuna, é fã das histórias de terror. Foto Adauto Silve (Seduc)

As comunidades são como bairros nos municípios amazonenses, muitas vezes separados por quilômetros de rios ou de floresta. A escola onde estudam as crianças das comunidades de Manacapuru, que fica a 103 quilômetros de Manaus, fica numa ilha onde só há o prédio da escola e a casa do dono da ilha, que doou o terreno para a construção, erguida pela Secretaria Municipal de Educação (Seduc) há 11 anos onde antes existia uma choupana coberta de palha, sem cadeiras. As crianças não tinha alternativa, a não ser sentar no chão.

Os livros não só são lidos pelas crianças como também são cobrados nas aulas de português. “Todo mês temos atividades que estimulam a leitura no barco: para os pequenos a interpretação por meio de desenhos e para os maiores em texto, sendo que os mais talentosos também desenham”, destaca Joristelma.

A gestora da escola conta que os livros, cerca de 50 em cada barco, são da própria biblioteca da escola, mas que doações serão sempre bem-vindas. Os livros ficam em caixas e agora os alunos começaram a fazer desenhos para criar um logotipo para o projeto. “Há desenhos muito criativos, de peixes em forma de livros, com uma piracema, e livros com asas entrando num barco”. Piracema é o movimento migratório de peixes para a reprodução no sentido das nascentes dos rios.

Jeizy Kerle Oliveira, de 9 anos, está no 4º ano, gosta de ler rápido e já devorou quase todos da biblioteca do barco-ônibus. “Estou lendo agora “Os 7 Camundongos Cegos” (Ed Young), onde os ratinhos estão muito curiosos para saber o que eles estão tateando”, revela. Jeizy diz que a professora cobra textos curtos e que eles contem as histórias que lêem.

Fã de histórias de terror, o indígena da etnia ticuna Valdenor Gonçalves da Silva, de 11 anos, entra no barco-ônibus descendo do barranco da Comunidade São Francisco, uma das mais próximas à escola e mais longe da sede do município. “Eu gosto de imaginar uns monstros na floresta e que eu sou o herói. Leio isso nos livros e um dia vou escrever umas histórias assim”, sonha o garotinho de cabelo espetado de gel, com um livro de fábulas de Esopo nas mãos.

Joristelma Queiroz, gestora da escola, ajuda Jeizy Kerle, de 9 anos, a ler a história dos Sete Camundongos Cegos. Foto Adauto Silva (Seduc)
Joristelma Queiroz, gestora da escola, ajuda Jeizy Kerle, de 9 anos, a ler a história dos Sete Camundongos Cegos. Foto Adauto Silva (Seduc)

Liege Albuquerque

Liege Albuquerque é jornalista e mestre em Ciências Políticas (USP). É professora de jornalismo e publicidade na UniNorte/Laureate em Manaus, de onde faz freelances para diversos veículos. Foi repórter e editora de Cidades e Política em jornais como A Crítica, Amazonas em Tempo e Diário do Amazonas (em Manaus), Folha de S. Paulo e Veja (em São Paulo), O Globo e O Estado de S. Paulo (em Brasília). Trabalhou por oito anos como correspondente do Estadão no Amazonas. É autora de dois livros infantis e tem um blog sobre maternidade com outras jornalistas: o maescricri.

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