ODS 1
Startup incentiva crianças a escreverem sua própria história
Plataforma educacional Estante Mágica, que já vendeu mais de 250 mil livros, agora vislumbra criar novo método de educação e abrir escola
“Era uma vez um jovem que morava na Rocinha e queria mudar o mundo, mas, por conta da sua condição social, não sabia como. Um dia ele descobriu que podia fazer essa mudança por meio da educação e criou um negócio que incentiva milhares de crianças em todo o Brasil a publicarem seus próprios livros.”
Essa história poderia estar entre as mais de 250 mil publicadas pela plataforma educacional Estante Mágica (www.estantemágica.com.br). Mas, na verdade, pertence a Robson Melo. Nascido e criado na Rocinha, ele e o sócio Pedro Concy, criaram, em 2012, uma startup, que transforma textos e desenhos de crianças entre 3 e 10 anos, de escolas públicas e particulares, em um e-book, distribuído gratuitamente. A monetização ocorre pela venda do livro físico para os familiares que desejarem, ao preço de R$ 39 e R$ 59 (a edição de capa dura), com direito a sessão de autógrafos na própria escola ou em livraria parceira.
Atualmente, a empresa atende a mais de três mil escolas em 630 cidades brasileiras, com destaque para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, onde a demanda é maior. A história está longe do fim, mas já é possível vislumbrar um final feliz com as metas de 2018: dobrar o faturamento atual de R$ 9 milhões, publicar 350 mil livros e expandir o negócio para a América Latina. Para essa etapa, a startup estuda começar pela Argentina e México, países com modelo educacional parecido com o do Brasil. É o primeiro passo para conquistar o mundo, mas a dupla tem os pés no chão e sabe que ainda há muito a ser feito antes de seguir viagem.
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Veja o que já enviamos“A ideia de internacionalização é atraente, mas ainda temos muito o que fazer aqui, muitas escolas para receber o projeto.”, afirma Robson.
No começo do ano, a dupla de CEOs recebeu um convite para apresentar o projeto Estante Mágica em Harvard. Orgulhosos, montaram uma apresentação e foram sabatinados por algumas cabeças pensantes da universidade americana, que sugeriram reduzir o custo do livro de U$ 20 para U$ 2, para gerar o impacto necessário e seguir com o projeto para o resto do mundo.
“Eles ficaram impressionados com o engajamento que, indiretamente, produzimos ao transformar as crianças em seres sedentos por conhecimento, por novas histórias. Mas acham que o custo ainda é caro, principalmente se quisermos entrar na Índia, por exemplo”, explica.
Mas, além do sucesso da plataforma educacional, o que mais chamou a atenção dos estudiosos de Harvard foi a história do próprio Robson. Algo que ele não costumava falar em público e topou dividir com a turma de americanos. E contou tudo.
Filho de um porteiro e uma doméstica, Robson estudou em escolas públicas, algumas com baixos índice de Educação Básica (Ideb) e, depois de duas tentativas, conseguiu passar para o Colégio Pedro II. Quando foi atrás de reforço em matemática, em um espaço comunitário, Robson descobriu que poderia ajudar com aulas de português e informática e começou, aos 15 anos, a fazer trabalho voluntário. Ele se formou em Direito pela UERJ e, no mestrado, apresentado uma dissertação sobre moradia digna nas favelas cariocas.
Anos depois, quando foi trabalhar na Vale, conheceu Pedro Concy, e logo os dois descobriram afinidades em comum, incluindo a decepção com a profissão de advogado e a vontade de trabalhar com educação.
Em Harvard, Robson falou de todo preconceito que sofreu. De toda vergonha que já sentiu. Contou, por exemplo, como mentia sobre o lugar em que morava. “Eu tinha 15 anos e ganhei uma bolsa para fazer um curso de inglês no Leblon.” Certo dia, a professora perguntou aos alunos aonde eles moravam. Robson preferiu se esconder no banheiro a ter que assumir seu endereço frente à turma. “Eu sabia exatamente o que os meus amigos da Zona Sul pensavam sobre quem morava em favela. Fazia parte do contexto de um jovem da minha idade”, lembra.
“Contar a própria história é algo difícil. Sempre sofri com o preconceito, achando que a minha história não tinha valor e não conseguia enxergar essa importância”, reflete o jovem CEO.
Não por acaso, reconhecer a importância de sua própria história é o que move sua empreitada bem-sucedida.
O começo da história
A Estante Mágica foi fundada no quarto da república onde Pedro morava, em 2009. “Era uma empresa de garagem, sem a garagem”, brinca Robson. Antes de chegar ao projeto final, eles estudaram algumas opções, como vender livros personalizados, montar livraria virtual, criar oficinas de contação de histórias e publicar livros com curadoria específica.
A luz no fim do túnel surgiu após uma pesquisa junto aos professores, em que a maioria sugeria que o bom seria se o aluno pudesse escrever seu próprio livro. Em 2012, depois de fazer contato com mais de 100 gráficas em todo o país, eles encontraram a melhor solução para o processo gráfico. Fizeram mais testes até conseguirem os primeiros clientes, entre eles o Instituto Abel, a primeira grande escola:
“Eles acreditaram na gente. Eram tolerantes com os nossos erros e muito parceiros”, conta Robson. A essa altura, já estavam alocados em uma pequena sala em Copacabana. No início, eram quatro funcionários, mas logo o espaço ficou pequeno para a equipe de 12 pessoas, que trabalhava até no banheiro.
[g1_quote author_image=”Robson Melo” author_description=”Empresário” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A educação precisa emocionar, fazer sentido
[/g1_quote]Em 2016, já com 34 funcionários, mudaram para uma casa de vila no Catete. E depois para um estúdio de 300 m2, no mesmo bairro, onde permaneceram até o começo deste ano. Com a expectativa de crescimento em 2018, eles alugaram um andar inteiro no Centro do Rio de Janeiro.
Para atender à demanda atual, a Estante Mágica conta com uma equipe de 105 pessoas, formada por jovens na faixa etária de 25 e 26 anos. Eles trabalham em ritmo de cooperativa, com os espaços abertos e salas de recreação, alimentação e leitura:
“A empresa trabalha com valores, como encantamento transformação, autonomia, família e diversão. É importante reforçar que prezamos o resultado, porém, estamos atentos ao que isso gera nas pessoas. O stress não é produtivo”, avalia Robson.
Os projetos pedagógicos da Estante Mágica são implementados, sem custos, pelas escolas, em um formato simples: o colégio se cadastra na plataforma, escolhe a proposta de conteúdo que quer adotar em sala de aula e, a partir daí, cada aluno cria a sua própria história, com textos e desenhos. O tema campeão deste ano foi “Copa do Mundo”, escolhido por 139 instituições, mas há várias opções como: família, amizade, educação financeira, mitologia grega e outros.
Os pais participam escrevendo uma pequena biografia dos filhos, que também será incluída na publicação. O tamanho é pensado justamente para não cansar o pequeno autor, com seis páginas de texto e seis de ilustração.
O trabalho com as escolas municipais acontece por meio de parcerias, como a que é desenvolvida junta a OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Parceiros da Educação. Entre as instituições particulares estão o Colégio São Bento, a Escola Suíço-Brasileira, Escola Alemã Corcovado, Liessin, Colégio Porto Seguro, Colégio Dante Alighieri e Colégio Vértice.
No site da Estante Mágica um espaço destaca as histórias que mais chamaram a atenção. O livro “Jack Bigodão com sua fome de leão”, escrito por Arthur Pavesi, sobre um homem que gostava de comer besteiras, fez tanto sucesso na empresa que acabou dando nome para a área de alimentação no escritório. Outras histórias que mereceram destaque foram “O tigre e o índio”, de David Bachini Hamacher, “Princesinha aventureira”, de Giovanna Lapo Gomes e “A dupla de tênis”, de Bautista Stephan Iglesias, escrito em inglês e português.
Rocinha e Rachel de Queiroz
Mas a história que Robson mais gosta de contar é a do avô cearense Pedro Leôncio, que construiu sua casa na Rocinha, onde cuidou dos nove filhos e onde mora até hoje, participando ativamente da vida comunitária da região. A mulher Teresinha também atua e é uma das fundadoras da Coopa Roca, cooperativa de costura e artesanato da comunidade.
Analfabeto, Seu Pedro aprendeu o ofício da carpintaria e conquistou uma vasta clientela na Zona Sul carioca. Uma em especial era Dona Rachel, de Copacabana, que acabou tornando-se conhecida da família, de tanto que o marceneiro comentava sobre ela. Só depois de sua morte, descobriram, pela imprensa, que se tratava da escritora e imortal Rachel de Queiroz. A mesma que lhe havia presenteado o livro “Cora Coralina” devidamente autografado. Relíquia que o Seu Pedro guardou com todo o carinho, sem desconfiar do seu real valor.
“Ele não sabia o que ela havia escrito para ele, mas guardou-o como uma recordação carinhosa dela. Nosso desejo é que nenhuma pessoa passe por uma situação como essa, de não saber ler uma dedicatória, não saber o valor da história e das palavras”, afirma o neto do Seu Pedro, que infelizmente continua analfabeto.
“Seus 88 anos dificultam um pouco as coisas”, diz Robson. Só um pouco. Porque desde que ganhou uma sala com seu nome no escritório da Estante Mágica, seu Pedro voltou com tudo a tarefa de se alfabetizar: ele quer poder autografar o seu livro com sua própria história.
Por conta da iniciativa do avô, os sócios da Estante Mágica estudam o pedido do Ciep Nação Rubro-Negra, na Gávea, de criar um formato da plataforma educacional para atender a jovens adultos.
Um sonho que se junta a muitos outros. Robson quer, até completar 40 anos, abrir sua própria escola.
“O atual método de ensino não funciona mais e não podemos mais desperdiçar esses jovens com tanto potencial… Temos que investir na leitura.”
Para o diretor da Estante Mágica, é necessário criar um modelo de ensino que seja significativo, que traga felicidade:
“A educação precisa emocionar, precisa fazer sentido”, conclui.
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Christina Martins é carioca, da Tijuca e do Jardim Botânico, onde edita o JB em Folhas, jornal que circula há 15 anos no bairro. Formada em jornalismo pela UFF, se vira nos trinta na profissão: trabalhou como repórter de cultura em "O Globo" e foi assessora de imprensa de artistas e gravadoras. Assinou o argumento e a produção do premiado curta "O Jaqueirão do Zeca", sobre Zeca Pagodinho. Adora uma pracinha, onde produz seus eventos infantis, com foco em cidadania e sustentabilidade.