Proposta do governo causa balbúrdia nas universidades

MEC lança programa de financiamento privado para instituições públicas e causa reação de reitores, professores e estudantes

Por Oscar Valporto | ODS 4 • Publicada em 18 de julho de 2019 - 20:48 • Atualizada em 5 de agosto de 2019 - 18:46

Manifestante rasga cédula falsa com a foto do ministro Abraham Weintraub. em protesto em frente ao MEC: críticas a criação de fundo de natureza privada para financiar educação pública (Foto: Mateus Bonomi/AGIF)
Manifestante rasga cédula falsa com a foto do ministro Abraham Weintraub. em protesto em frente ao MEC: críticas a criação de fundo de natureza privada para financiar educação pública (Foto: Mateus Bonomi/AGIF)

Quase três meses depois de acusar universidades federais de promover balbúrdia e, em seguida, bloquear verbas das instituições, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, provocou nova onda de protestos ao lançar nesta quarta (17/7) o Programa Future-se, que tem como estratégia principal a criação de um fundo de natureza privada, cujas cotas serão negociadas na Bolsa de Valores, para financiar universidades e institutos federais. “Não há precedentes de projetos dessa magnitude, sem amadurecimento prévio dos representantes das instituições”, protestou o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (Andifes), Reinaldo Centoducatte, reitor da Universidade Federal do Espírito Santo.

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Apesar de crítica, a reação dos reitores – apresentada em entrevista coletiva na sede da entidade em Brasília com a participação também de João Carlos Salles, 1° vice-presidente e reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Edward Madureira Brasil, 2º vice-presidente da Andifes, reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG); e Guida Aquino, 1ª suplente da Andifes, reitora da Universidade Federal do Acre (Ufac) – foi menos bélica do que a da maioria das entidades de professores e estudantes, que viram no Future-se um plano para acabar com a universidade pública. “Não houve consulta, escuta nem participação prévia dos reitores na elaboração do projeto. Convidamos o ministro para a próxima reunião de pleno, no dia 25”, afirmou Reinaldo Centoducatte.

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Os reitores preferiram defender as universidades federais que, na visão do MEC, têm mais problemas de orçamento do que de gestão. “Queremos tirar problemas de gestão das costas dos reitores”, disse o secretário de Ensino Superior, Arnaldo Barbosa de Lima, durante a apresentação do Future-se. “A universidade pública brasileira é responsável pela imensa maioria da pesquisa científica do país, por trabalhos de ponta nas áreas de saúde e meio ambiente que são seguidos no mundo inteiro. E fazemos isso, apesar dos problemas orçamentários o que mostra a capacidade de gestão”, disse o presidente da Andifes.

A continuar o contingenciamento dos recursos, as universidades não vão conseguir chegar ao fim do ano letivo. Os casos são dramáticos

Reitor da Ufba, o professor João Carlos Salles disse que a Andifes está preocupada com a proposta, que sequer foi explicada adequadamente. “Precisamos discutir e entender suas implicações”, frisou. O projeto do governo foi apresentado aos reitores, na véspera pelo secretário Arnaldo Barbosa de Lima, e por Ariosto Antunes, secretário de Educação Tecnológica do MEC. Não foi distribuído qualquer documento aos dirigentes universitários. Em linhas gerais, foi explicado aos reitores que o Future-se pretende reduzir os repasses federais com o custeio das universidades, criando, em troca, mecanismos de captação de recursos pelas Instituições Federais de Ensino. O programa depende da aprovação de projeto de lei, já que altera uma série de dispositivos, como o marco legal da Ciência e Tecnologia, e cria um fundo específico de financiamento.

Na coletiva, o reitor Edward Brasil, da UFGO, aproveitou para rebater as acusações do MEC contra a reitora Myriam Serra, da UFMT, onde a luz de cinco campi foi cortada por falta de pagamento. “A reitora já tinha feito apelos ao MEC e à bancada federal de seu estado alertando que a situação da universidade era crítica. Essa situação não é única. A continuar o contingenciamento dos recursos, as universidades não vão conseguir chegar ao fim do ano letivo. Os casos são dramáticos”, alertou o vice-presidente da Andifes.

Estão todos horrorizados com o projeto e incrédulos com a brutalidade da proposta do governo. Além de ser um processo de aprofundamento de ações privatizantes que já vinha em curso na universidade nas últimas décadas

Os protestos de estudantes e professores começaram antes mesmo da apresentação do Future-se, pela manhã, no auditório do MEC. Na introdução do programa, o presidente recém-eleito da UNE (União Nacional do Estudantes),  Iago Montalvão, interrompeu a fala inicial do ministro Weintruab: “Ministro, cadê o dinheiro da educação? Queremos solução para os estudantes que estão sem bolsa. Queremos uma resposta para isso, uma resposta imediata. Como vamos pensar um projeto para o futuro se no presente não funciona?”, questionou.

Do lado de fora, representantes de entidades de professores, de estudantes e de trabalhadores da Educação faziam um protesto e convocavam para atos no dia 13 de agosto contra o bloqueio de verbas para o setor e o Future-Se.  “Estão todos horrorizados com o projeto e incrédulos com a brutalidade da proposta do governo. Na apresentação, a extensão foi mencionada muito de passagem – não há propostas para ela, o que nos faz crer que o projeto coloca em risco o tripé ensino, pesquisa e extensão. Além de ser um processo de aprofundamento brutal de ações privatizantes que já vinha em curso na universidade nas últimas décadas”, afirmou a professora Marina Tedesco, presidente da Associação de Docentes da UFF (Universidade Federal Fluminense) e integrante da comissão de mobilização da Andes (Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior). “Atacar o caráter público da educação é atacar um futuro de soberania e desenvolvimento para o nosso país. Isso, sim, é balbúrdia”, criticou o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Gorki.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante apresentação do programa Future-se: críticas de reitores, professores e estudantes (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante apresentação do programa Future-se: críticas de reitores, professores e estudantes (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Aprovação pelo Congresso

De acordo com a apresentação do Ministério da Educação (MEC), o fundo do Future-se será de natureza privada, com cotas negociadas na Bolsa de Valores, servirá para financiar as universidades e institutos federais, e vai contar, a princípio, com R$ 102,6 bilhões – R$ 50 bilhões virão do patrimônio da União. O ministro Abraham Weintraub afirmou que esses recursos devem financiar pesquisa, inovação, empreendedorismo e internacionalização das instituições de ensino.

A adesão das universidades e institutos será voluntária. O MEC não detalhou os critérios de distribuição de recursos. Antes da adesão das universidades, o Ministério fará uma consulta pública sobre o Future-se nos próximos 30 dias, pela internet. A área jurídica do órgão ainda estuda quais pontos terão de ser aprovados pelo Congresso Nacional para entrarem em vigor. “Às vezes, a crise, ela incomoda. Às vezes não, sempre. Ela incomoda, ela faz com que a gente repense as estruturas, a forma de trabalhar, agir, pensar. Mas se ela for bem conduzida, permite oportunidades, crescimento, desenvolvimento, revoluções”, declarou Weintraub.

O ministro fez questão de frisar que não está previsto no programa cobrança de mensalidades nas instituições federais. De acordo com Weintrub, alunos não terão de pagar mensalidade nas universidades públicas, independentemente da faixa de renda. O fundo será composto principalmente pelo patrimônio da União, como terrenos que foram cedidos pelo Ministério da Economia para esse fim. Por isso, os recursos serão integralizados com fundos de investimento imobiliário. De acordo com o MEC, a operacionalização do Future-se ocorrerá por meio de contratos de gestão firmados pela União e pela instituição de ensino com organizações sociais (OSs).

62/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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