Pesquisa mostra como livrar açaí do protozoário da doença de Chagas

Método desenvolvido por Universidades Federais do Pará e do Paraná utiliza genética e é bem mais rápido do que o convencional

Por Vanessa Fajardo | ODS 3ODS 4 • Publicada em 1 de agosto de 2019 - 08:00 • Atualizada em 16 de março de 2023 - 13:51

Açai colhido na Região de Santarém, no Pará: tratamento com hipoclorito de sódio e calor para eliminar o parasito (Foto: Tiago Silveira)
Açaí colhido na Região de Santarém, no Pará: tratamento com hipoclorito de sódio e calor para eliminar o parasito (Foto: Tiago Silveira)

Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) desenvolveram uma metodologia que elimina o Trypanosoma cruzi, protozoário que causa a doença de Chagas, do açaí. O Ministério da Saúde analisa o método para que seja incorporado às políticas de controle de qualidade do alimento em todo o país. A doença de Chagas é transmitida pelo inseto popularmente conhecido como barbeiro. Quando ele é moído com o fruto, o parasito é liberado na pasta do açaí. Em 2006, foram registrados os primeiros surtos causados por açaí contaminados na região Amazônica.

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Todos os anos centenas de casos da doença são notificados concentrados principalmente na região Norte. Desde 2008, o Pará é o estado que mais possui casos agudos da doença de Chagas em todo o Brasil. Foram 333 em 2016, e outros 297 em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde. A doença de Chagas provoca febre prolongada, dor de cabeça, inchaço e problemas cardíacos. Ainda não há tratamento.

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A alta incidência da doença e a transmissão por meio do açaí, item que garante o sustento de muitas famílias no Norte do país, levaram as Universidades Federais do Paraná e do Pará a pesquisarem métodos eficientes de eliminação do Trypanosoma cruzi para garantir o consumo seguro do alimento. O projeto foi financiado pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), agência de fomento à pesquisa do estado do Pará.

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Chegamos à conclusão de que o protozoário causador da doença da região Amazônica é mais resistente tanto à temperatura quanto a concentrações de sanitizantes. Descobrimos que ele sobrevive 24 horas na bebida e, no fruto, encontramos a presença por até 32 horas. Tempo suficiente para permitir a contaminação por ingestão

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A equipe, sob coordenação da professora Vanete Thomaz Soccol, da UFPR, trabalhou em testes durante quatro anos para garantir, com segurança, a eliminação do protozoário do açaí. “Utilizamos métodos sanitizantes, com hipoclorito de sódio e calor visando a eliminação do parasito. Chegamos ao tratamento técnico aplicado aos frutos, chamado de branqueamento, realizado a 80 graus celsius por dez segundos. O Trypanosoma não resiste à imersão do fruto nessa temperatura. No caso da bebida, o processo de pasteurização é eficiente para eliminar o protozoário. Até então não tínhamos essas respostas”, conta Ana Caroline de Oliveira, que defendeu a tese de doutorado pela UFPA no ano passado e realizou a parte experimental da pesquisa na UFPR sob orientação de Vanete Soccol.

A resistência do Trypanosoma chamou atenção. “Chegamos à conclusão de que o protozoário causador da doença da região Amazônica é mais resistente tanto à temperatura quanto a concentrações de sanitizantes. Descobrimos que ele sobrevive 24 horas na bebida e, no fruto, encontramos a presença por até 32 horas. Tempo suficiente para permitir a contaminação por ingestão”, afirma Ana Caroline.

Material genético

Por meio do projeto, os pesquisadores também desenvolveram o método PCR real time (PCR – Reação de cadeia em polimerase em tempo real) para detectar se o protozoário está presente no açaí. “Antes identificávamos apenas a presença do parasito, mas poderia estar morto e precisamos saber quando ele está vivo no hospedeiro, no açaí, ou em outros alimentos. Foi aí que desenvolvemos a técnica PCR em tempo real, através da transcrição reversa”, diz a professora Vanete.

A técnica amplia o DNA em escala exponencial, clona esse material e aumenta a quantidade do DNA para ser detectado a presença do protozoário. O processo do PCR em tempo real dura cerca de duas horas, enquanto o convencional pode levar dias para apresentar os resultados. Anteriormente estes testes eram feitos em animais de laboratório, o que consumia mais tempo, era mais oneroso, e ainda criava um “problema ético.”

Vanete Soccol, pesquisadora da UFPR: contaminação do açaí está relacionada à falta de higienização de onde os frutos são retirados (Foto: Leonardo Bettinelli)
Vanete Soccol, pesquisadora da UFPR: contaminação do açaí está relacionada à falta de higienização de onde os frutos são retirados (Foto: Leonardo Bettinelli)

A pesquisadora da UFPR Vanete Soccol lembra que sorvetes e polpas de açaí são produtos de exportação. “Já provamos que o protozoário sobrevive na pasta do açaí. Se houver contaminação, o produto poderá ser rejeitado. Queremos que essa cadeia alimentar não tenha risco”.

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A aplicação em ciência retornará em desenvolvimento para o país. Ou aplicamos em ciência ou vamos regredir em termos de nação

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O método desenvolvido abrange pesquisa de Trypanosoma cruzi em matriz alimentar, podendo ser realizado em outros produtos. “Nós, como universidade, temos o objetivo de repassar a pesquisa para os órgãos competentes. Estamos dispostos a transferir para quem precisar, quanto mais gente tiver acesso à metodologia, melhores exames e resultados mais rápidos serão feitos. Não é uma metodologia para ficar na prateleira, é para ser transferida para a população”, ressalta a professora Vanete.

Higienização

Não existe relação direta entre o açaí e a doença de Chagas. A contaminação está mais relacionada à falta de higienização de onde os frutos são retirados. A professora Vanete reforça que o Trypanosoma cruzi chega a sobreviver 32 horas na polpa do açaí. “O barbeiro [mosquito] que é o vetor se adapta à palmeira e quando se colhe os cachos do açaí, ele vem junto. Por isso, precisa ser muito bem higienizado. Esse hábito nas cidades é mais fácil, mas na zona rural não. Então haverá continuidade dessas contaminações esporádicas. Só através da educação dá para melhorar”, afirma Vanete.

Ela reforça que é preciso ensinar os processos. “Se algum fruto fica de fora, sem ter contato com a temperatura determinada pelo método, o protozoário permanecerá vivo. O trabalho educativo é muito importante, caso contrário vamos continuar tendo casos de doença de Chagas”, explica a pesquisadora da UFPR.

Para Vanete, o governo precisa repensar a ciência brasileira e definir metas. “Nós não temos um projeto para a ciência brasileira. Os países dos Brics [Rússia, Índia, China e África do Sul] investiram na ciência estão em outro patamar em termos de desenvolvimento. Queremos simplesmente vender produtos de baixo valor agregado? A aplicação em ciência retornará em desenvolvimento para o país. Ou aplicamos em ciência ou vamos regredir em termos de nação.”

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76/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

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Vanessa Fajardo

Jornalista, trabalha com temas principalmente ligados à educação. Já passou pelas redações do G1 e dos jornais Agora São Paulo e Diário do Grande ABC. Atua como colaboradora de BBC Brasil, Folha de S.Paulo, Porvir, Universa e Revista GOL.

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