Como economizar 75% de energia em celulares e TVs

Televisores com telas de OLED durante evento de tecnologia nos EUA: novo composto desenvolvido pela UFG pode aumentar para 75% a economia de energia (Foto: Mario Tama/Getty/AFP)

Pesquisa da UFG descobriu que um composto químico a base de pequenas moléculas ligadas ao cádmio aumenta eficiência de telas

Por Jornal UFG | ODS 4 • Publicada em 19 de janeiro de 2020 - 11:43 • Atualizada em 17 de fevereiro de 2020 - 19:39

Televisores com telas de OLED durante evento de tecnologia nos EUA: novo composto desenvolvido pela UFG pode aumentar para 75% a economia de energia (Foto: Mario Tama/Getty/AFP)

Televisores com telas de OLED durante evento de tecnologia nos EUA: novo composto desenvolvido pela UFG pode aumentar para 75% a economia de energia (Foto: Mario Tama/Getty/AFPTelevisores com telas de OLED durante evento de tecnologia nos EUA: novo composto desenvolvido pela UFG pode aumentar para 75% a economia de energia (Foto: Mario Tama/Getty/AFP)

Versanna Carvalho*

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) descobriu que um composto químico a base de pequenas moléculas ligadas ao elemento químico cádmio (Cd) pode aumentar de 20% para 75,4% a eficiência de telas de celulares, notebooks, computadores, televisores e lâmpadas, fabricadas a partir de dispositivos emissores de luz conhecidos como OLEDs (abreviatura do termo em inglês organic light emitting diodes). Resultado é muito acima do que o obtido com o nitreto de gálio e índio (InGaN), usado nas telas de LED e, mais recentemente, dos compostos a base de irídio nas telas de OLEDs, que são atualmente mais utilizados pela indústria. O principal ganho da inovação proposta pela pesquisa da UFG é um expressivo aumento da geração de economia no consumo da bateria ou da rede elétrica.

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Para os cientistas envolvidos na pesquisa, o feito pode revolucionar a tecnologia de LEDs e OLEDs do mercado. Atualmente, os LEDs e Oleds de nitreto de gálio possuem circuitos integrados, os chips, que emitem luz com eficiência quântica de, no máximo, 20% – o que significa que se passarem 100 watts (W) de energia vindo da bateria de um celular, 20W vão ser convertidos em luz. Os outros 80W vão ser perdidos na forma de calor. “Se o nosso material for aplicado em um LED de celular, por exemplo, dos 100W que vierem da bateria, 75,4 W serão convertidos em luz e só 24,6W serão perdidos em calor”, avalia o professor do Instituto de Química (IQ) da UFG, Felipe Terra Martins.

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Essa descoberta foi extremamente importante. Tanto do ponto de vista tecnológico quanto de pesquisa básica fundamental, pois conseguimos encontrar um composto que é produzido com baixíssimo custo, que possui um rendimento quântico extremamente alto, sendo um complexo que tem um metal coordenado com alguns ligantes orgânicos

Ou seja, haverá uma economia da energia elétrica de cerca de 75%, com impacto direto na redução de gastos com rede elétrica e baterias e na sustentabilidade ambiental. Com relação aos compostos a base de irídio (Ir), utilizados na fabricação de OLEDs, o material descoberto apresenta outra vantagem: sua síntese é cerca de dez vezes mais barata por dispensar o uso do irídio, um metal raro, cuja disponibilidade é limitada e que está cada vez menor devido aos seus principais estoques serem encontrados em sedimentos da era cretácea.

Física de materiais

A pesquisa faz parte da tese de doutorado de José Antônio do Nascimento Neto, que foi orientado pelo professor Felipe Terra. De início, para definir o planejamento da pesquisa, o docente se baseou em trabalho do qual participou como convidado sobre o preparo de cristais orgânicos para utilização em óptica não linear. Essa parceria resultou em um artigo em uma revista científica.

O professor Felipe Terra, do Instituto de Química da UFG: próximo passo é aperfeiçoar potencial do composto (Foto: Divulgação/UFG)
O professor Felipe Terra, do Instituto de Química da UFG: próximo passo é aperfeiçoar potencial do composto (Foto: Divulgação/UFG)

Desde aquela época, Felipe Terra começou a ver potencial para fazer modificações na estrutura molecular com a finalidade de melhorar a eficiência dessa propriedade em óptica não linear. O projeto foi passado para o doutorando José Antônio, que começou a desenvolvê-lo. “Só que a ciência é muito dinâmica e o projeto, que era bem ambicioso do ponto de vista de química estrutural, falhou. Depois de dois anos, não conseguimos obter os cristais orgânicos que planejamos”, comenta Felipe.

Para dar prosseguimento ao trabalho do então doutorando, os cristais que foram alcançados, mas não satisfaziam ao planejamento inicial, foram levados para a caracterização da fotoluminescência, no Laboratório de Física de Materiais, do Instituto de Física (IF), coordenado pelos professores Lauro Maia e Jesiel Carvalho.

Foi quando os pesquisadores foram positivamente surpreendidos com os resultados obtidos. “Essa descoberta foi extremamente importante. Tanto do ponto de vista tecnológico quanto de pesquisa básica fundamental, pois conseguimos encontrar um composto que é produzido com baixíssimo custo, que possui um rendimento quântico extremamente alto, sendo um complexo que tem um metal coordenado com alguns ligantes orgânicos”, avalia Lauro Maia.

O físico ressalta que a relevância deste estudo não se limita apenas aos pesquisadores, “mas também para a área de luminescência e compostos que sejam luminescentes inclusive com alto potencial de aplicação tecnológica”.

Celular com tela de LED: potencial do cádmio de ser um dispositivo emissor de luz deu visibilidade internacional à pesquisa da UFG (Foto: Jaap Arriens/NurPhoto/AFP)
Celular com tela de LED: potencial do cádmio de ser um dispositivo emissor de luz deu visibilidade internacional à pesquisa da UFG (Foto: Jaap Arriens/NurPhoto/AFP)

Próximos passos

O professor Felipe Terra comenta que, por hora, essa conversão de luz é a partir de luz ultravioleta. “A diferença energética da luz ultravioleta para a luz visível é a mesma da corrente elétrica para a luz visível, mas ainda, temos como perspectiva fazer o que é chamado de eletroluminescência, para concluir esse potencial de aplicação tecnológica”, declara sobre os próximos passos da pesquisa.

Realmente só publicamos na JACS (Journal of the American Chemical Society) por causa desse potencial do cádmio de ser um dispositivo emissor de luz

Os pesquisadores Felipe Terra e Lauro Maia também estão buscando caminhos para estabelecer novas parcerias para dar continuidade e avançar no desenvolvimento do material. “Por isto temos a ideia de fazer eletroluminescência, incorporar esse composto em algum polímero, por exemplo e isto está em progresso e nós pretendemos continuar colaborando”, observa Lauro Maia. “Tanto é que algumas medidas de emissão de luz e reflectância serão realizadas no nosso grupo Física de materiais”, complementa.

O estudo resultou em um artigo intitulado A Blue-Light-Emitting Cadmium Coordination Polymer with 75.4% Photoluminescence Quantum Yield, que em português pode ser traduzido como “Um polímero de coordenação do cádmio emissor de luz azul com rendimento quântico em fotoluminescência de 75,4%”. O trabalho foi selecionado como matéria de capa na revista semanal Journal of the American of Chemical Society (JACS), uma publicação de 140 anos de existência, que está entre as mais conceituadas revistas científicas do mundo.

O doutorando em Química, José Antonio Nascimento Neto: artigo 100% brasileiro na capa da revista Journal of the American of Chemical Society - JACS (Foto: Divulgação/UFG)
O doutorando em Química, José Antonio Nascimento Neto: artigo 100% brasileiro na capa da revista Journal of the American of Chemical Society – JACS (Foto: Divulgação/UFG)

Além do mérito de emplacar um artigo em uma publicação de prestígio internacional, o grupo de pesquisa se destaca também por ser totalmente composto por pesquisadores brasileiros, vinculados à Universidade Federal de Goiás (UFG), como estudantes de doutorado e professores. Os autores são José Antônio do Nascimento Neto, Ana Karoline Silva Mendanha Valdo e Cameron Capeletti da Silva, que defenderam o doutorado em Química na UFG há cerca de um ano; Freddy Fernandes Guimarães e Luiz Henrique Keng Queiroz Júnior, professores do Instituto de Química (IQ); Lauro June Queiroz Maia e Ricardo Costa de Santana, professores do Instituto de Física (IF); e Felipe Terra Martins, professor do IQ que orientou os trabalhos.

100% brasileiro

Dadas as condições da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, que recebem cada vez menos apoio, emplacar um artigo em uma revista do porte de uma JACS não é algo simples. “Esta é, provavelmente, a única capa com 100% autores brasileiros da JACS. Principalmente agora com a política de internacionalização da pesquisa no Brasil”, ressalta Felipe Terra.

O professor Felipe explica que, em número de citações absoluto, só existem três revistas que estão a frente da JACS. “A Nature, a Science e o PNAS , que são de cunhos totalmente gerais, e que figuram entre os cinco periódicos mais importantes do mundo, tranquilamente”.

O fator de impacto (FI) é uma das principais métricas adotadas para mensurar o número de citações de revistas científicas em outras publicações de cunho científico. Em se tratando da JACS, o FI da JACS é 14.357, 533 mil citações no total. “A Nature, que tem o maior fator de impacto de todas, tem 700 mil. Com mais de 500 mil citações, só tem essas quatro revistas . Realmente só publicamos lá por causa desse potencial do cádmio de ser um dispositivo emissor de luz”, observa.

Outro ponto que mostra o interesse na descoberta foi a quantidade de downloads. Em menos de 30 dias foram feitos 1.745 downloads. “Na revista não são likes, são downloads feitos por cientistas”, enfatiza Terra.

*Jornal da UFG

A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.

Jornal UFG

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