Pesquisa refaz vegetação destruída por rejeitos da Samarco

Projeto da Universidade Federal de Juiz de Fora identifica melhores espécies para recompor mata na Bacia do Rio Doce dizimada por rompimento de barragem

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 7 de junho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 8 de junho de 2019 - 15:58

Pesquisador da UFJF testa espécie em área atingida por rejeito de barragem da Samarco: trabalho para recompor vegetação (Foto: Divulgação?UFJF)
Pesquisador da UFJF testa espécie em área atingida por rejeito de barragem da Samarco: trabalho para recompor vegetação (Foto: Divulgação?UFJF)

Meses antes do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, o professor e biólogo Paulo Henrique Peixoto viu reportagem mostrando que o Rio Doce, de tão baixa vazão, já não chegava na foz: o mar cada vez mais entrava pelo seu leito, resultado de séculos de exploração e de nenhuma atividade de conservação das águas, das nascentes e, especialmente, das matas ciliares –  vegetação às margens do curso d’água. Quatro anos depois, seu grupo do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) pesquisa as melhores espécies para recompor a mata ciliar na Bacia do Rio Doce, dizimada pelos rejeitos da barragem da empresa Samarco que também matou 19 pessoas.

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Os pesquisadores da UFJF escolheram 15 espécies botânicas para plantio de mudas às margens do Rio Gualaxo, afluente do Doce. “Como as áreas de várzeas e os vales foram ou assoreados pela lama, ou erodidos pela avalanche de rejeitos, toda a bacia ficou ainda mais ameaçada. Foi então que escolhemos as leguminosas arbóreas nativas e adaptadas a ambientes de mata ciliar como espécies alvo dos estudos. As leguminosas são reconhecidamente adaptadas a solos pobres e degradados, uma vez que conseguem fixar o nitrogênio da atmosfera e, com isso, se desenvolver mesmo em solos pobres, situação criada com o rompimento da barragem de Fundão”, explica o professor Peixoto.

Além do plantio na área cedida por um fazendeiro, os pesquisadores também cultivaram mudas na Casa da Vegetação da universidade, em Juiz de Fora, onde fizeram testes mais controlados, colocando quantidades diferentes de rejeito no solo fértil dos vasos. A conclusão inicial é de que o crescimento das plantas germinadas com 25 e 50% do material são muito pouco impactadas. Já em percentuais maiores, elas não se desenvolvem. Para os pesquisadores, é indispensável a retirada desse material das margens porque o acúmulo prejudica a recomposição vegetal e ainda retorna ao rio durante a época das chuvas.

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MEC, Capes, CNPq, Finep e Fapemig estão em crise ao mesmo tempo. Essa falta de recursos impactará não apenas a recuperação da bacia do Rio Doce e de Brumadinho, mas toda ciência e tecnologia do país. Os efeitos são sentidos agora e serão percebidos em longo prazo

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A primeira fase de testes, entretanto, mostrou que a maioria das espécies testadas conseguiu reagir mesmo em meio aos rejeitos. “As espécies implantadas nas margens do rio Gualaxo são em maior número do que as que trabalhamos na Casa de Vegetação na UFJF. O que concluímos, considerando a sobrevivência e a atividade fotossintética das plantas, é que as espécies de maior destaque são as que mostram melhor desempenho: sansão do campo, sombreiro, embira, pata de vaca, canafístula e jatobá. Olho de cabra e pitanga foram as únicas com baixo desenvolvimento. No experimento em casa de vegetação, embora tenham desenvolvido menos, nenhuma das espécies morreu mesmo em rejeito puro”, explica Paulo Henrique Peixoto.

O desenvolvimento do estudo foi prejudicado por atraso no repasse das verbas da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais) que vem financiando o projeto. “Nesta semana encaminhamos o pedido de prorrogação do projeto. A falta de repasse dos recursos impactou a execução do cronograma dentro do programado. Todavia, recentemente uma pequena parcela (23% do valor devido) foi liberada e a Fepemig informou que pagará o restante até o mês de outubro). Se isso se concretizar, apesar dos atrasos, as metas previstas poderão ser cumpridas”, explica o pesquisador do Departamento de Biologia da UFJF.

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O professor Paulo Henrique Peixoto explica que o resultado da pesquisa na região poderá servir também para a recomposição da mata ciliar na bacia do Rio Paraopeba, atingido pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, responsável pela morte de 245 pessoas. ”As condições muito próximas são comuns aos rejeitos de Fundão e de Brumadinho. A extensão da área impactada em Brumadinho, sob o ponto de vista ambiental, é muito menor do que a do Rio Doce, que alcançou 600 km. O Rio Paraopeba não chegou a sair do seu leito como ocorreu com o Rio Gualaxo/Carmo”, afirma.

O professor Paulo Henrique Peixoto em trabalho de campo às margens do Rio Gualaxo: leguminosas para reforçar fertilidade do solo (Foto: Divulgação/UFJF)

Para o pesquisador, após a retirada da lama retida no vale do Córrego do Feijão, a recomposição da área afetada exigirá os mesmos cuidados de recomposição da fertilidade e das propriedades do solo, o que é feito com a utilização de leguminosas e outras técnicas de melhoria da estrutura e fertilidade do solo.  “A estrutura do rejeito é um fator adicional que dificulta o restabelecimento de plantas e vegetação nativa”, acrescenta o professor Paulo Henrique Peixoto.

No caso do projeto de recomposição da mata ciliar na Bacia do Rio Doce, o pesquisador confia que, caso os recursos sigam sendo liberados pela Fapemig, ele não será muito afetado pelo bloqueio de verba para as universidades, mas sua preocupação não é menor. “Desde que entrei na Universidade, ainda como aluno, em 1984, nunca vi uma crise tão grande. MEC, Capes, CNPq, Finep e Fapemig estão em crise ao mesmo tempo. Essa falta de recursos impactará não apenas a recuperação da bacia do Rio Doce e de Brumadinho, mas toda ciência e tecnologia do país. Os efeitos são sentidos agora e serão percebidos em longo prazo”, lamenta.

Paulo Henrique Peixoto lembra que, mesmo as pesquisas não atingidas diretamente pelos cortes, serão afetadas. “Isso reflete em bolsas, em alunos de pós-graduação e em reposição de materiais e equipamentos que constantemente se desgastam e tem que ser repostos ou sofrer manutenção. Esse impacto é mais sutil e causará danos incalculáveis ao futuro de nosso país”, critica o professor, biólogo e pesquisador da UFJF.

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21/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil.

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Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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