Nos laboratórios da universidade cearense foi inventada uma nova versão do tradicional ketchup, batizado de Natchup, à base de acerola, abóbora e beterraba, sem conservantes e rico em vitamina C, o primeiro produto licenciado da instituição. O molho já conquistou, além de prêmio internacional, consumidores do Ceará, Piauí e Rio Grande Norte. Chega em julho a Brasília, ao Sudeste e ao Sul e obrigou a Frutã, empresa que o fabrica, a comprar equipamento novo para dar conta dos pedidos, inclusive de exportação.
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Até chegar às prateleiras de supermercados, onde a garrafa de 350 gramas é vendida por R$ 12,90, foram menos de dois anos de pesquisa e 21 formulações diferentes para agradar ao paladar e atender aos desafios. No início de 2017, a turma da professora Lucicléia Barros, chefe do Departamento de Engenharia de Alimentos do Centro de Ciências Agrárias, recebeu a missão de executar um projeto de criação de um produto que utilizasse frutas e hortaliças como matéria-prima, com a exigência de ter propriedades nutricionais diferenciadas e funcionais. A primeira ideia do grupo formado pelos então estudantes Bárbara Denise Lima de Oliveira, Caroline Coutinho Filizola e Thiago Tajra era um suco verde, mas não foi adiante. Resolveram pesquisar algo que fosse considerado inovador.
[g1_quote author_name=”Professora Lucicléia Barros” author_description=”chefe do Departamento de Engenharia de Alimentos do Centro de Ciências Agrárias da UFC” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
A ciência têm essa capacidade de chegar onde a gente nem imagina
[/g1_quote]Antes de chegar ao ketchup, Bárbara se interessou por um molho de goiaba, mas descobriu que a aceitação sensorial – que utiliza todos os sentidos humanos para avaliar as características ou atributos de um produto -, foi ruim. E aí surgiu a ideia da equipe de desenvolver o ketchup. “O maior desafio era do que iríamos fazer esse ketchup, já que não queríamos usar o tomate, uma fruta da qual é difícil retirar todas as impurezas. Queríamos algo que fosse típico do nosso estado e que não tivesse ‘problemas’ para a sua produção, que fosse livre de impurezas”, disse Bárbara.
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Os estudantes e a professora Lucicléia Barros pensaram na potencialidade da acerola, uma fruta muito produzida no Nordeste. “Ela tem grande quantidade de vitamina C e compostos antioxidantes, e queríamos explorar esse potencial. Mas o molho não poderia ser só da fruta”, explicou Lucicléia. Ainda era preciso resolver questões como consistência, coloração, entre outras, para que ficasse similar ao ketchup. “Começamos então a buscar outros produtos regionais”.
Criar o paladar bom, a viscosidade adequada era obviamente importante, mas estamos falando de um trabalho universitário que tinha a saúde como uma prioridade. Para chegar a essa formulação, alunos e professores pesquisaram vitaminas, fibras e outros benefícios dos possíveis ingredientes. E decidiram pela abóbora e a beterraba, gestando, com a junção dos três elementos, um produto rico em vitaminas A, do complexo B, C, antioxidantes, fibras, cálcio, fósforo, que ajuda a estimulação do colágeno, a fixação do ferro e que a cada 10 gramas (uma colher de sopa) tem apenas oito calorias. Enfim, saudável.
Participação de parentes e amigos
No segundo semestre de 2017, o projeto foi selecionado para receber uma bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da própria UFC. “Nesse momento, demos início a uma pesquisa mais direcionada, fazendo as análises mais importantes do produto”, informou Lucicléia. Até o início de 2018, foram testadas 21 formulações, com o objetivo de escolher a que mais se assemelhasse ao ketchup, em sabor, consistência e cor. E não faltou quem provasse – ou para respeitar a linguagem do setor, não faltou quem participasse da análise sensorial: de alunos e professores a parentes e amigos dos criadores.
Quando a pesquisa começou, não se pensava que a industrialização e a comercialização do Natchup pudessem acontecer tão rapidamente. O produto foi patenteado pelos três alunos que o inventaram, por Lucicléia, pela professora Luciana Siqueira e pela estudante Lorena Freire, que se juntou a eles posteriormente. Embora já esteja sendo comercializado, as pesquisas sobre o molho não terminaram – tanto que está em sua terceira versão -, e outros seis alunos bolsistas estão tendo a oportunidade de participar do projeto.
“A pesquisa, a ciência têm essa capacidade de chegar aonde a gente nem imagina”, afirmou a professora. Ela realmente não imaginava que de uma conversa, em que talvez pudesse surgir uma parceria para cessão de matéria-prima, com uma das sócias da Agroindústria de Frutas Tropicais Diógenes – Frutã, Ana Patrícia Diógenes, o projeto pudesse ir tão longe.
A empresária se interessou pela pesquisa descrita pela professora, convidou a universidade para uma visita à fábrica, no município de Jaguaribe, e a parceria foi além do esperado. Aliás, o nome Natchup foi sugerido por ela. “Com certeza sem a parceria com a Frutã, o produto não chegaria onde está chegando. Nós com a expertise da pesquisa, de desenvolver o produto, e eles na questão de mercado”, disse Lucicléia, acrescentando que está em andamento o desenvolvimento de uma linha de produtos, também em parceria com a empresa.
[g1_quote author_name=”Bárbara Denise de Oliveira” author_description=”Estudante de Engenharia de Alimentos e uma das inventora do Natchup” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Esse trabalho mostra que dentro da universidade pública somos estimulados a pensar em comunidade e que o que se produz lá só é benéfico à nossa população
[/g1_quote]Logo após conhecer o molho, Ana Patrícia resolveu inscrevê-lo no Salão Internacional da Alimentação (Sial 2018), em Paris, do qual a Frutã já iria participar. No entanto, nesse período da inscrição, não havia produto pronto para ser enviado. Ainda assim, foi selecionado, só por sua descrição, entre os cem mais inovadores e com potencial. Entre esses cem, havia somente mais um brasileiro. O Natchup conquistou o selo Innovation do Sial. Durante a feira, foi comercializado, e, segundo a professora Lucicléia, formaram-se filas no estande: “As pessoas não acreditavam que não tinha tomate ou que era de acerola. Tinha gente de todo o mundo”.
Além das qualidades nutricionais, de poder ser consumido por quem tem restrições alimentares, como a corantes, o Natchup é um projeto com engajamento social. Três por cento de sua venda são revertidos para a Universidade Federal do Ceará, para que sejam desenvolvidas novas pesquisas, e outros 3% para entidades que trabalham com situações de vulnerabilidade “O projeto não é simplesmente relacionado ao consumo de um produto. Ele engloba uma política de fazer o bem”, ressaltou a professora. As empresas que compram o produto podem optar doar ao menos 40% do desconto dado pela Frutã a instituições de sua escolha ou pagar o preço cheio.
“Esse trabalho mostra que dentro da universidade pública somos estimulados a pensar em comunidade e que o que se produz lá só é benéfico a nossa população”, comentou Bárbara. O anúncio de mais de 30% nos recursos de manutenção de todas as universidades federais preocupa. “Ficamos com coração na mão toda vez que há informação de cortes. Nossos alunos necessitam das bolsas de pesquisa. Não podemos pedir que não trabalhem, que sejam voluntários. Muitos precisam desses recursos para ir e vir, para alimentação”, afirmou a professora. “A UFC está no ranking das melhores universidades do mundo. Nos viramos em mil para produzir pesquisa de ponta. Não é que tenhamos um maior volume de recursos, mas com o que temos aqui conseguimos produzir com qualidade. E se o que temos for tirado, realmente pode comprometer a qualidade e o impacto do que produzimos” , completou.
Três mil garrafas por hora
A demanda pelo Natchup superou as expectativas mais otimistas dos três irmãos que dirigem a empresa parceira da Universidade Federal do Ceará na fabricação e comercialização do produto, Ana Patrícia Diógenes, Benício Júnior e Leandro Benício. A estimativa era uma produção de 1.500 garrafas por dia, o que o maquinário podia atender. Pois foram obrigados a comprar um equipamento capaz de produzir três mil por hora.
Uma das inventoras, Bárbara Denise, creditou parte do sucesso ao boca a boca, analógico e virtual, de parentes e amigos. “Nós inventores tivemos a experiência de fazer intercâmbio pela universidade em outros países e sabíamos a valorização de produtos saudáveis fora do Brasil, mas ver esse sucesso dentro do nosso estado está sendo emocionante”, afirmou.
Benício Júnior ressaltou os benefícios do trabalho com a UFC: “Essa parceria com a universidade valida o que a indústria faz. Uma instituição de pesquisa é muito importante pela credibilidade e fundamental para o desenvolvimento de novos projetos”. Ele acrescentou que a política da empresa é a produção de alimentos saudáveis e que sigam uma cadeia produtiva baseada no compromisso social e no respeito ao meio ambiente.
As primeiras vendas do Natchup foram apenas no Ceará. Agora, o produto já está em parte do Piauí e do Rio Grande do Norte. Em julho, a promessa é chegar ao Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Brasília. Segundo Benício Júnior, há demanda em todo o Brasil. “A produção não está conseguindo atender à demanda. A previsão é que no fim do ano estejamos distribuindo para todo o país. Só depende de nós”.
A exportação também está na dependência do início da operação do maquinário novo. O primeiro país deve ser os Estados Unidos, para onde a empresa já vende polpa de frutas. Mas países que não tinham nenhum negócio com a Frutã procuraram a empresa, interessadas no Natchup, como o Líbano e a Coreia. Outros tantos estão à espera do início das exportações. Parece ser uma questão de tempo para que o produto criado na Universidade Federal do Ceará conquiste o mundo.
E, se é que existe ainda alguma dúvida, os alunos conseguiram a nota para passar de ano.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]22/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil.
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