Negociação de tratado para barrar poluição por plásticos fracassa novamente

Oposição de países produtores de combustíveis fósseis inviabiliza acordo para conter produção na sexta reunião da ONU sobre o tema em três anos

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 14
Publicada em 15 de agosto de 2025 - 10:59  -  Atualizada em 15 de agosto de 2025 - 11:54
Tempo de leitura: 6 min

Protesto de ambientalistas na reunião em Genebra em busca de acordo para conter poluição por plásitcos: negociação fracassou novamente (Foto: Kiara Worth / IISD/ENB)

As negociações da ONU sobre a criação de um tratado global para conter a poluição por plástico fracassaram em Genebra sem acordo ou um caminho claro a seguir: o encontro de 10 dias terminou na madrugada desta sexta-feira (15/08) após uma noite caótica de negociações que não conseguiu romper o impasse sobre a inclusão ou não de medidas destinadas a conter a produção desenfreada de plásticos.

Na noite de quinta-feira, o diplomata equatoriano Luis Vayas Valdivieso – presidente das negociações conhecidas como INC-5.2 – fez uma tentativa desesperada de apresentar uma nova proposta de tratado em busca de um acordo mínimo, mas foi inútil. O texto, ainda contendo inúmeras opções entre parênteses, não incluía uma seção dedicada à produção de plástico, que quase 100 países vinham reivindicando.

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A oposição do grupo de nações produtoras de combustíveis fósseis – incluindo os países do Golfo, liderados pela Arábia Saudita, Rússia e EUA – rejeitou veementemente a inclusão no tratado de quaisquer disposições que visem reduzir a produção de plástico, que deve triplicar até 2060. As negociações não conseguiram encontrar uma maneira de superar essas posições divergentes para desenvolver um tratado histórico para acabar com a poluição por plástico e fracassaram mais uma vez.

Foi a sexta rodada de negociações promovidas pela ONU em pouco menos de três anos, mas o impasse permaneceu entre um grupo de cerca de 100 nações que pedem restrições à produção de plástico e os países produtores de petróleo que pressionam por um foco na reciclagem. “Estou extremamente decepcionada por não termos chegado a um acordo”, disse a ministra da Marinha do Reino Unido, Emma Hardy, à BBC. “A poluição por plástico é uma crise global que nenhum país pode resolver sozinho, e o Reino Unido está comprometido em trabalhar com outros países, tanto no país quanto no exterior, para proteger o meio ambiente e abrir caminho para uma economia circular”, acrescentou.

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As negociações foram convocadas para 2022 em resposta às crescentes evidências científicas dos riscos da poluição por plástico para a saúde humana e o meio ambiente. Cientistas estão particularmente preocupados com os produtos químicos potencialmente tóxicos que ele contém, que podem ser lixiviados à medida que o plástico se decompõe em pedaços menores. Microplásticos foram detectados em solos, rios, ar e até mesmo em órgãos do corpo humano.

A ministra francesa para a Transição Ecológica, Agnès Pannier-Runacher, disse estar “decepcionada e enfurecida” com o resultado das negociações, que descreveu como “muito caóticas”. “Os países produtores de petróleo e seus aliados optaram por ignorar o assunto. Nós optamos por agir”, acrescentou. Em nome dos Estados insulares, Palau, nação do Pacífico Norte, divulgou comunicado lamentando o fracasso das negociações. “Estamos repetidamente voltando para casa com progresso insuficiente para mostrar ao nosso povo”, afirmou a nota. “É injusto enfrentarmos o peso de mais uma crise ambiental global para a qual contribuímos minimamente”, acrescentou.

A diretora-executiva do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Inger Andersen, disse aos jornalistas que todos vieram a Genebra para fechar um acordo, mas ficou claro que “vivemos em uma era de complexidade política”. Ela acrescentou que as negociações continuam. “O trabalho não vai parar porque a poluição por plástico não vai parar”.

Negociações da ONU sobre tratado para conter poluição plástica terminam sem acordo: fracasso frustra negociadores e ambientalistas (Foto: Kiara Worth – IISD/ENB)

Ambientalistas disseram preferir nenhum resultado concreto à adoção de um tratado que não estabelecesse uma meta para reduzir a produção de plástico, que alimenta a poluição prejudicial em terra e nos oceanos. “Nenhum tratado é melhor do que um tratado ruim”, disse Ana Rocha, diretora global de políticas para plásticos da Aliança Global para Alternativas à Incineração, à Climate Home. “Apoiamos a maioria ambiciosa que se recusou a recuar e aceitar um tratado que desrespeita os países verdadeiramente comprometidos com este processo e trai nossas comunidades e nosso planeta”, acrescentou. “Os países decidiram que era melhor sair sem um tratado do que com um tratado fraco”, afirmou Christina Dixon, líder da campanha oceânica da Agência de Investigação Ambiental, que observava as negociações, à agência Bloomberg.

Graham Forbes, líder da campanha global sobre plásticos do Greenpeace EUA, disse que a incapacidade de se chegar a um acordo em Genebra deve servir de alerta para o mundo. “Acabar com a poluição plástica significa confrontar os interesses dos combustíveis fósseis de frente”, destacou. “A grande maioria dos governos quer um acordo forte, mas um punhado de maus atores foi autorizado a usar o processo para levar essa ambição ao fundo do poço”, acrescentou. “Não podemos continuar fazendo a mesma coisa e esperar um resultado diferente. O tempo de hesitação acabou”.

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Os maiores países produtores de petróleo consideram os plásticos, produzidos a partir de combustíveis fósseis, uma parte vital de suas economias futuras, especialmente à medida que o mundo começa a migrar da gasolina e do diesel para os carros elétricos.

O grupo, que inclui Arábia Saudita e Rússia, argumenta que uma melhor infraestrutura de coleta e reciclagem de resíduos é a melhor maneira de resolver o problema, uma visão compartilhada por muitos dos próprios produtores. “Os plásticos são fundamentais para a vida moderna – eles estão presentes em tudo”, disse Ross Eisenberg, presidente da America’s Plastic Makers, uma associação comercial da indústria de produção de plástico nos Estados Unidos. “Focar em acabar com a poluição causada pelo plástico deve ser a prioridade aqui, não acabar com a produção de plástico”, acrescentou, alertando que tentativas de substituir o plástico por outros materiais podem levar a “consequências indesejadas”.

Pesquisadores alertam que essa abordagem é “fundamentalmente falha”. As taxas globais de reciclagem são estimadas em apenas cerca de 10%, com limites para o quanto isso pode aumentar. “Mesmo que consigamos aumentar esse número para 15, 20, 30% nas próximas décadas, ainda seria uma quantidade substancial poluindo o meio ambiente e prejudicando a saúde humana”, disse o Dr. Costas Velis, professor associado de Engenharia de Resíduos e Recursos no Imperial College London à BBC. “Portanto, precisamos melhorar a reciclagem… mas não podemos realmente esperar que isso resolva todos os aspectos do plástico”, acrescentou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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