Diário da Covid-19: Números da pandemia crescem em julho, mas caem na última semana

Crianças aguardam atendimento médico na Unidade de Navios de Assistência Médica atracada na comunidade de Selma Barra, no rio Buissu, município de Melgaco, na ilha de Marajó, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP

Em 31 dias, país teve o dobro da soma dos casos de China, França, Nigéria e Paquistão em 2020

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 2 de agosto de 2020 - 13:17 • Atualizada em 24 de novembro de 2020 - 16:01

Crianças aguardam atendimento médico na Unidade de Navios de Assistência Médica atracada na comunidade de Selma Barra, no rio Buissu, município de Melgaco, na ilha de Marajó, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP

O Brasil apresentou tendência de redução dos números da pandemia, na última semana de julho, depois de um mês de altas sucessivas. A 31ª semana epidemiológica (SE de 26/07 a 01/08) interrompeu o ritmo de alta e teve uma média de casos e de vítimas fatais um pouco inferior à média da semana anterior. Mesmo assim, o Brasil ainda está em um elevado platô de mortalidade, com estatísticas só comparáveis às cifras dos Estados Unidos (EUA), que voltaram a apresentar dados preocupantes da covid-19.

O Brasil (211 milhões de habitantes) teve mais casos do que a soma de outros quatro grandes países durante toda a pandemia: China (1,4 bilhão de habitantes), França (65 milhões), Paquistão (220 milhões) e Nigéria (206 milhões de habitantes). No Brasil, foram 1.260.444 pessoas infectadas nos 31 dias de julho, enquanto durante todo o ano de 2020, a China teve 84.337 casos, a França teve 187.919 casos, o Paquistão teve 278.305 casos e a Nigéria teve 43.537 casos. A soma dos 4 países foi de 584.098 casos em todo o período. Portanto, o Brasil teve em um mês mais do que o dobro do número de casos da soma acumulada no ano dos quatro países citados. No decorrer do ano, o número de mortes foi de 30.265 na França, 5.951 no Paquistão, 4.634 na China e 883 na Nigéria, perfazendo um montante de 41.733 mil óbitos nos 4 países. Por conseguinte, o Brasil, com 93.563 teve mais do que o dobro de vítimas fatais.

Voluntário desinfeta uma área de cobertura dentro da Favela de Santa Marta, no Rio de Janeiro. Foto Carl de Souza/AFP
Voluntário desinfeta uma área de cobertura dentro da Favela de Santa Marta, no Rio de Janeiro. Foto Carl de Souza/AFP

Todos estes números servem para mostrar que a dimensão da pandemia no Brasil é inquestionavelmente avassaladora e, apesar de sermos o 6º país em tamanho demográfico no mundo, somos em números acumulados, disparadamente, o segundo país mais atingido pelo Sars-CoV-2. A cada dia o Brasil bate novos recordes e na próxima 32ª SE (02 a 08/08) o país deve atingir duas tristes marcas significativas: 3 milhões de pessoas infectadas e 100 mil mortes.

Indubitavelmente, estamos no meio de uma tragédia. E não precisava ser assim. O Brasil não estava destinado a sofrer tanto, uma vez que a doença e a morte precoce não fazem parte de uma sina nacional. Com ações adequadas do Poder Público e da sociedade civil o país poderia ter evitado a propagação do coronavírus e ter poupado tantas vidas para a covid-19.

Mas o Governo Federal fez tudo errado e, consequentemente, a população brasileira está pagando um alto preço pelos equívocos, o descaso e a incompetência, tanto na área da saúde, quanto nos seus reflexos na área social e econômica. Por conta disto, uma coalizão representando mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil, com apoio de entidades internacionais, denunciou o presidente Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal Penal Internacional, em Haia. O dia a dia vai prosseguindo, enquanto as atividades econômicas encolhem e a pandemia e os problemas sociais se agigantam.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde contabilizou 2.707.877 pessoas infectadas e 93.563 vidas perdidas no dia 01 de agosto, com uma taxa de letalidade de 3,5%. Foram 45.392 novos casos e 1.088 mortes em 24 horas entre sexta-feira e sábado. O país está mantendo uma média de 1.022 mortes ao dia há 10 semanas. Embora a semana passada (31ª SE) tenha apresentado números um pouco menores do que na 30ª SE (19 a 25 de julho), o mês de julho apresentou números colossais.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por quinzena nos últimos 5 meses. No dia 01 de março havia apenas 2 pessoas infectadas pela covid-19 no Brasil e passou para 200 pessoas em 15 de março, foram 198 novos casos, mas isto representou um crescimento relativo de 35,9% ao dia na quinzena. Enquanto cresciam os números absolutos iam diminuindo os números relativos. No dia 16 de julho havia 2 milhões de casos e passou para 2,7 milhões no dia 31 de julho (1,9% ao dia na segunda quinzena de julho). Portanto, o Brasil ainda não parece ter ultrapassado o pico da curva epidemiológica de casos.

O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de casos no Brasil nas 10 quinzenas do período. De 01 a 15 de março foram apenas 198 casos, passou para 5.517 na segunda quinzena de março e chegou a 695.737 casos na segunda quinzena de julho. No mês de março foram 5.715 casos, passou para 80 mil em abril, para 429 mil em maio, 887 mil em junho e 1.260.444 em julho.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou da média de 397 casos na 13ª SE (variação relativa de 19,4% ao dia), para 37.620 pessoas na 27ª SE (2,6% ao dia), um aumento de quase 100 vezes. Houve uma queda nas duas semanas seguintes e um grande salto para 45.665 casos na média diária da 30ª SE. Na semana passada (31ª SE) houve uma pequena queda para 44.766 casos diários. Como sempre fazemos todos os domingos, apresentamos uma projeção para a 32ª SE (02 a 08/08), com estimativa de 45.462 casos diários no Brasil, com aumento relativo de 1,6% ao dia.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas quinzenas, a partir de 17 de março quando houve a primeira morte no Brasil. Na quinzena de 16 a 31 de março aconteceram 200 mortes com um crescimento diário de 46,1% ao dia. Nas quinzenas seguintes os números absolutos cresceram enquanto os números relativos diminuíram. No dia 16 de julho havia 76,7 mil mortes e passou para 92,5 mil no dia 31 de julho (1,3% ao dia na segunda quinzena de julho). A curva epidemiológica de óbitos também aponta para cima.

O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de óbitos no Brasil nas 10 quinzenas do período. De 17 a 31 de março foram apenas 200 óbitos, passando para 14.497 óbitos na segunda quinzena de maio e chegou a 17.109 óbitos na segunda quinzena de julho. No mês de abril foram 5.700 óbitos, passando para 23,4 mil em maio, para 30,3 mil em junho e 32,9 mil em julho. Nos últimos 2 meses as médias diárias foram de 1.009 e 1.061 óbitos, respectivamente.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE (29,7% ao dia) e passou para 976 óbitos diários na 22ª SE (4% ao dia). Nas semanas seguintes o número diário oscilou em torno de 1.000 óbitos e bateu o recorde de 1.097 óbitos na 30ª SE (com 1,34% ao dia). Na semana passada (31ª SE) a média diária caiu um pouco para 1.016 óbitos. Para a próxima semana (32ª SE), nossa projeção indica que deve haver um pequeno aumento para 1.024 mortes diárias, com variação relativa de 1,06% ao dia.

O panorama global

O dia 31 de julho registrou a marca de 17,7 milhões de casos e de 682,2 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 3,8%. Foram 282,4 mil casos e 6,2 mil óbitos em 24 horas. No dia 01/08 se registrou 18 milhões de casos e 687,8 mil óbitos.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no mundo por quinzena nos últimos 5 meses. Na primeira quinzena de março foram registrados 83 mil casos, com um crescimento médio diário de 4,6%. Na quinzena seguinte houve um salto para 689 mil casos, um crescimento médio relativo de 10,9% ao dia. Na primeira quinzena de abril o número de casos subiu para 1,2 milhão, com uma taxa média de crescimento de 6,1 ao dia. Enquanto cresciam os números absolutos os números relativos iam diminuindo. Na segunda quinzena de julho houve um acréscimo de 4 milhões de casos, com um crescimento médio diário de 1,6% ao dia. Três países são responsáveis pela maioria dos novos casos: EUA, Índia e Brasil. Mas outros países como África do Sul, Colômbia, México e Rússia também se destacam.

O número de casos globais foi de 75 mil em fevereiro, passou para 772 mil em março, deu um pulo para 2,5 milhões em abril, seguiu subindo para 3 milhões em maio, 4,3 milhões em junho e 7,2 milhões em julho.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número global de vidas perdidas nas sucessivas quinzenas, a partir de março quando houve 3.542 óbitos de 01 a 15/03 (variação diária de 5,3%). Na quinzena seguinte aconteceram 35,8 mil mortes com uma variação diária de 12,6%. Na primeira quinzena de abril ocorreram 96 mil mortes (7,2% ao dia). Nas quinzenas seguintes o número de mortes caiu e ficou em 64,6 mil na primeira quinzena de junho (1,1% ao dia). Mas nas quinzenas seguintes o número de mortes voltou a subir e chegou a 90,4 mil na segunda quinzena de julho, com uma variação relativa de 0,9% ao dia. Ou seja, o pico das mortes globais ocorreu na primeira quinzena de abril, mas a atual subida pode configurar um novo pico se a tendência não arrefecer em agosto.

O número de mortes foi de 2,7 mil em fevereiro, passou para 39,3 mil em março, bateu o recorde de 191,5 mil em abril, caiu para 144 mil em maio e para 139,3 mil em junho, mas voltou a subir para 165 mil em julho. Os EUA, Brasil, Índia e México são os países que apresentam os maiores números nacionais.

Os três países do topo do ranking: EUA, Brasil e Índia

Os Estados Unidos, o Brasil e a Índia estão no topo do ranking dos países mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus. Os EUA assumiram o primeiro lugar em número de pessoas infectadas no mês de abril, com cerca de 30 mil caos diários, mas estes números caíram para a casa de 20 mil e o Brasil assumiu a primeira colocação no mês de junho. Porém, a segunda onda dos EUA fez o país voltar à liderança isolada com mais de 60 mil casos diários no mês de julho. Embora o número de casos no Brasil também tenha crescido, a Índia assumiu o segundo lugar no final de julho.

Em relação ao número de mortes, os EUA também ficaram na liderança isolada nos meses de abril e maio e tiveram um pico de mais de 2.500 óbitos diários. Mas o número de vidas perdidas para a covid-19 caiu e o Brasil ultrapassou o número diário de mortes dos EUA no mês de junho e quase todo o mês de julho. Ou seja, o Brasil ficou quase 60 dias na liderança isolada do triste ranking global de vidas perdidas. No final de julho, os EUA voltaram a apresentar números superiores aos do Brasil e a Índia se aproxima cada vez mais dos dois países das Américas.

Como estes 3 países possuem diferentes dimensões demográficas, a tabela abaixo mostra os coeficientes de incidência e de mortalidade e outros indicadores. Nota-se que os EUA, possuem um coeficiente de incidência de 14,4 mil casos por milhão de habitantes, o Brasil vem em segundo lugar com 12,8 mil casos por milhão e a Índia com 1,3 mil casos por milhão, abaixo da média mundial que é de 2,3 mil casos por milhão. Em relação ao coeficiente de mortalidade, os EUA também estão na frente com 477 óbitos por milhão de habitantes, o Brasil com 442 óbitos por milhão e a Índia com somente 27 óbitos por milhão, abaixo da média mundial que é de 88 óbitos por milhão. A índia também possui a menor taxa de letalidade, com a mortes apresentando 2,1% dos casos.

Os EUA realizaram 179 mil testes por milhão de habitantes, enquanto o Brasil realizou 59 mil testes por milhão e a Índia apenas 14 mil testes por milhão. Isto quer dizer que as subnotificações devem ser bem maiores no Brasil e, especialmente, na Índia quando comparadas aos EUA.

Todos os números acima, tanto do Brasil quanto do resto do mundo, mostram que a pandemia não perdeu força no primeiro semestre e ainda continua causando estragados nos quatro cantos do mundo no segundo semestre de 2020. Não só o número de pessoas doentes é enorme, assim como é muito grande o número de vítimas fatais.

Consequentemente, também é gigantesco o impacto econômico e social. Duas das maiores economias do mundo divulgaram na quinta-feira (30/07) o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre de 2020, período marcado pelo agravamento da pandemia do novo coronavírus. No segundo trimestre do corrente ano, os Estados Unidos tiveram queda do PIB de 9,5% e a Alemanha de 10,5%, registrando retrações históricas e inéditas da atividade econômica. A queda, quando se considera o dado anualizado foi de 34%, um tombo muito maior do que na grande depressão dos anos de 1930 ou nos anos da Segunda Guerra Mundial.

A América Latina e Caribe (ALC) que é a região mais atingida pela pandemia (5 dos 10 países com maior número de casos da covid-19 são da ALC no ranking global) também deverá ser a mais atingida pela recessão econômica. A Comissão Econômica para a América Latina Caribe (CEPAL) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) divulgaram um relatório no dia 30/07 onde afirmam que a ALC é particularmente vulnerável à pandemia devido aos altos níveis de emprego informal, urbanização, pobreza e desigualdade, bem como por seus sistemas frágeis saúde e proteção social, sendo que uma parte significativa da população vive em condições vulneráveis ​​que requerem atenção especial.

A principal conclusão do documento é que, se a curva de contágio pandêmico, não for revertida rapidamente não será possível reviver a economia dos países da região no curto e médio prazos. Também é indicado que tanto no controle da pandemia como na reabertura econômica se requer liderança e administração eficaz, por meio de políticas nacionais que integrem políticas de saúde, econômicas, sociais e ambientais.

Não será simples equacionar os diversos problemas existentes, como o vultoso déficit público, a espiral da dívida pública e os investimentos necessários para garantir renda e emprego para a população, apoio para as pequenas e média empresas e ainda efetivar ações para a sustentabilidade ecológica. Evidentemente, não se pode pensar em baixar os braços e desistir, pois nada na vida se consegue sem luta e determinação. O momento é desafiador e só nos resta lembrar o conselho do cientista e compositor Paulo Vanzolini: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.

Frase do dia 02 de agosto de 2020

“Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele”

Fiódor Dostoiévski (1821-1881)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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